Ah, a poesia! Sentimentos subjetivos, jogos de palavras, com ou sem rimas: é sempre uma delícia de ler! O Brasil tem uma larga tradição de poetas e poetisas para todos os gostos: da existencial, cheia de angústias da vida, passando pela lírica, onde a emoção fala mais alto, até a social, que trata das questões políticas e sociais que cercam a todos nós.
Se você já gosta, ou pelo menos tem interesse, em mergulhar um pouco na diversidade poética brasileira, abaixo estão alguns dos nomes impossíveis de ignorar. São poetas e poetisas que figuram nas listas dos mais conhecidos, mas também outros que, apesar de não tão famosos, contribuíram (ou ainda contribuem) para a multiplicidade poética brasileira. Divirta-se!
1. Cora Coralina
Simples, doce e marcante. Uma poetisa brasileira que só de olhar a foto a gente gosta, não é uma querida? Nascida em Goiás em 1988, Cora publicou seu primeiro livro apenas aos 75 anos de idade, mas ainda bem que deu tempo do Brasil reconhecer o seu talento em vida! Teve cinco livros de poesia publicados, recheados de histórias sobre o seu cotidiano simples em Goiás, sua profissão como doceira e outros temas.
ASSIM EU VEJO A VIDA
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.
Cora Coralina
Não é o poeta que cria a poesia, e sim a poesia que condiciona o poeta.
Cora Coralina
2. Carlos Drummond de Andrade
Um dos nomes mais célebres da poesia brasileira, o poeta, cronista e contista mineiro nasceu em 1902 e fez parte da segunda geração do modernismo brasileiro. Difícil alguém que nunca tenha se deparado com alguns versos dos mais de trinta livros de poesia publicados pelo autor: eles são preciosas pedras no meio do caminho da literatura brasileira (entende?).
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond de Andrade
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade
3. Cecília Meireles
Nasceu um ano antes de Carlos Drummond (1901), também fez parte da segunda fase do modernismo no Brasil, e foi uma das primeiras poetisas realmente reconhecidas da literatura nacional. Sua poesia é delicada, íntima e marcada por caráter mais psicológico. Foram quarenta e cinco anos de poesia e os versos abaixo são apenas um gostinho da encantadora obra da autora:
RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles
Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.
Cecília Meireles
4. Machado de Assis
Praticamente dispensa apresentações, não é? Considerado por muitos o maior nome da literatura brasileira, Machado de Assis nasceu em 1839. Ele apenas fundou a Academia Brasileira de Letras, e, apesar de ser conhecido pelos seus romances, publicou nada menos que cinco coletâneas de poemas e sonetos. Um dos gênios da literatura reconhecido no mundo inteiro!
A UMA SENHORA QUE ME PEDIU VERSOS
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.
Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.
Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.
Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Machado de Assis
Antes do poeta mostra-se o homem, antes do talento, o caráter.
Machado de Assis
5. Miriam Alves
Uma das poetas negras brasileiras que fez parte das publicações dos Cadernos Negros (1982-2011). Nasceu em 1952 em São Paulo e tem três livros de poesias publicados. Já foi traduzida para antologias americanas, alemãs e britânicas. E até hoje escreve a todo vapor!
CALAFRIO
O sorriso gela
a porta do paraíso prometido
A tarde cobre-se de frio
grita
esconde-se atrás dos
casacos
faz esculpir aquela saudade
do lugar
jamais percorrido.
Escorrem feito sorvete
as esperanças derretidas
no ardor do querer.Miriam Alves
Escreverei com um corisco
o fogo das emoções
as verdades de hoje
para não serem
segredos de amanhã.Miriam Alves
6. Vinícius de Moraes
O poeta dos versos cantados. Muitos poemas de Vinícius transformaram-se em belas músicas eternizadas pela Bossa Nova, estilo musical que ele ajudou a fundar. Nasceu em 1913 no Rio de Janeiro e sua obra tem tudo a ver com a cidade: boemia, amor, e as belezas naturais desse Brasil. Seus sonetos são conhecidos no mundo inteiro e sua forma de falar de amor já fez milhares de corações vibrarem. Quer ver?
SONETO DO AMOR TOTAL
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Vinícius de Moraes
Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia.
Vinícius de Moraes
7. Hilda Hilst
Enigmática, interessante, uma voz feminina indispensável para a literatura brasileira. Hilda Hilst nasceu no interior de São Paulo em 1930 e trabalhou por mais de cinquenta anos com poeta, dramaturga, ficcionista. Foram mais de vinte livros de poesia publicados com temas acerca da feminilidade, a inquietude do ser, o amor. Um dos grande nomes da nossa poesia!
DESDE SEMPRE EM MIM
Contente. Contente do instante
Da ressurreição, das insônias heroicas
Contente da assombrada canção
Que no meu peito agora se entrelaça.
Sabes? O fogo iluminou a casa.
E sobre a claridade do capim
Um expandir-se de asa, um trinado
Uma garganta aguda, vitoriosa.
Desde sempre em mim. Desde
Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo
Nas ermas biografias, neste adro solar
No meu mudo momento
Desde sempre, amor, redescoberto em mim.
Hilda Hilst
Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais.
Hilda Hilst
8. Mario Quintana
Irmão de Cora Coralina no que diz respeito a escrever sobre coisas simples, Mario Quintana foi um poeta, tradutor e jornalista sem igual. Nasceu em 1906 no Rio Grande do Sul e passou boa parte da sua vida morando em hotéis. Ele era simples mesmo! Mais de vinte obras poéticas foram lançadas e o amor e natureza são dois dos temas que o autor mais gostava de retratar em seus versos. Era um passarinho desses encantadores que faz grande barulho.
EMERGÊNCIA
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo —
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Mario Quintana
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
Mario Quintana
9. Clarice Lispector
Falar de Clarice é falar de sentimento, mas muito… Muito sentimento. Com certeza a poeta lírica esteve e continua na prateleiras de qualquer apaixonado por literatura. Nasceu na Ucrânia, em 1920, mas mudou-se para o Brasil aos dois anos de idade e se autodeclarava pernambucana. Além de grande romancista e contista, a autora também sabia muito bem como usar a poesia a favor de seus pensamentos.
Sou composta por urgências
minhas alegrias são intensas
minhas tristezas, absolutas.
Me entupo de ausências,
me esvazio de excessos.
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos.
Eu caminho, desequilibrada,
em cima de uma linha tênue
entre a lucidez e a loucura.
De ter amigos eu gosto
porque preciso de ajuda pra sentir,
embora quem se relacione comigo
saiba que é por conta-própria e auto-risco.
O que tenho de mais obscuro,
é o que me ilumina.
E a minha lucidez é que é perigosa …
Se eu pudesse me resumir,
diria que sou irremediável!
Clarice Lispector
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.
Clarice Lispector
11. Solano Trindade
Chamado o poeta do povo Solano Trindade nasceu em Pernambuco em 1908 e possui mais de cinquenta anos de produção poética e dois livros publicados. Falava de amor, das dores do povo e foi uma das principais vozes poéticas da literatura afro-brasileira. Em 1996, foi até tema de desfile de escola de samba. Uma raridade em forma de artista: não tão famoso, mas definitivamente merecedor de celebração.
GRAVATA COLORIDA
Quando eu tiver bastante pão
para meus filhos
para minha amada
pros meus amigos
e pros meus vizinhos
quando eu tiver
livros para ler
então eu comprarei
uma gravata colorida
larga
bonita
e darei um laço perfeito
e ficarei mostrando
a minha gravata colorida
a todos os que gostam
de gente engravatada...
Solano Trindade
Eu ia fazer um poema para você
mas me falaram das crueldades
nas colônias inglesas
e o poema não saiu
Solano Trindade
12. Conceição Evaristo
Um dos nomes mais falados quando se pensa em literatura afro-brasileira. Conceição Evaristo nasceu em 1946, mas foi apenas em 1990 que começou a publicar os seus escritos, através dos Cadernos Negros. A autora já venceu o Prêmio Jabuti de literatura e seus poemas tratam temas como a discriminação racial, de gênero e de classe.
MEIA LÁGRIMA
Não,
a água não me escorre
entre os dedos,
tenho as mãos em concha
e no côncavo de minhas palmas
meia gota me basta.
Das lágrimas em meus olhos secos,
basta o meio tom do soluço
para dizer o pranto inteiro.
Sei ainda ver com um só olho,
enquanto o outro,
o cisco cerceia
e da visão que me resta
vazo o invisível
e vejo as inesquecíveis sombras
dos que já se foram.
Da língua cortada,
digo tudo,
amasso o silencio
e no farfalhar do meio som
solto o grito do grito do grito
e encontro a fala anterior,
aquela que emudecida,
conservou a voz e os sentidos
nos labirintos da lembrança.
Conceição Evaristo
Gosto de dizer ainda que a escrita é para mim o movimento de dança-canto que o meu corpo não executou, é a senha pela qual eu acesso o mundo.
Conceição Evaristo
13. Paulo Leminski
Um poeta fora da caixa. Curitibano nascido em 1994, Leminski é o nome mais lembrado quando se fala em poesia marginal. Suas poesias são criatividade pura, jogos de palavras, recursos visuais de publicidade, trocadilhos, enfim: o autor foi um herdeiro da poesia concretista.
Sua obra poética conta com mais de quinze livros e é uma tarefa difícil selecionar apenas uma de suas poesias mais interessantes. Fizemos a tentativa, mas não deixe de procurar outras!
RAZÃO DE SER
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Paulo Leminski
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
Paulo Leminski
14. Adélia Prado
A poeta que coloca Deus em tudo. A fé cristã e o tema da mulher foram as principais bases dos versos da mineira Adélia Prado, nascida em 1935 e descoberta por nada menos que Drummond. Tem sete obras de poesia publicadas e outras tantas antologias e participações em obras.
FRATERNIDADE
Um dia
um padre que fazia milagres
deu sua bênção pro povo:
mulheres de cabacinha de ouro na orelha,
homens de camisa cor-de-rosa,
menino de todo jeito e de terninho.
Galho de funcho, arruda, manjericão,
cheiravam junto com o povo apertado no pátio.
Tudo ótico, olfático, escatológico.
A paciência de Deus sentou de pernas cruzadas
na platibanda da igreja. Com uma mão pitava,
com a outra segurava o joelho,
piscando um código pra Murilo Mendes
que rolava de rir.
Adélia Prado
Tudo que a memória amou já ficou eterno.
Adélia Prado
15. Manoel Bandeira
Figurando na lista dos maiores ícones da literatura brasileira, o pernambucano nasceu em 1886 e publicou sua primeira obra de forma independente aos 31 anos. Seus versos falam de a paixão pela vida, a morte, o amor, a solidão e infância. Lúdicos, seus poemas marcaram a vida estudantil de muitos brasileiros, foram mais de quinze livros de poesia publicados.
O ANEL DE VIDRO
Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
— Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.
Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, —
Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste
Manuel Bandeira
Duas vezes se morre:
Primeiro na carne, depois no nome.
Os nomes, embora mais resistentes do que a carne,
rendem-se ao poder destruidor do tempo, como as lápides.Manuel Bandeira
16. Ana Maria Machado
Mais de cem livros publicados, milhões de livros vendidos e atual ocupante da cadeira número um da Academia Brasileira de Letras. A carioca Ana Maria Machado é uma joia da literatura brasileira ainda em plena atividade. Apesar de ser muito conhecida por sua prosa e literatura infantil, é também uma poetisa incrível. Olha só:
Cabeça de palavras povoadas
Conversas de amplidão imaginada
Mas que leitura tanto poderia?
Cheiro salgado a entrar pelas narinas
E a dança leve de algas submarinas
Sal azul, movimento de água fria
O que se leu mostrava o infinito
Só não se imaginava tão bonito
Tão pleno de surpresas e imprevistos
Mesmo em tantas belezas celebradas
Por todas as palavras encantadas
Por mares nunca dantes entrevistos
Ana Maria Machado
Só se chega por acaso, pois é impossível encontrar o caminho sem se perder.
Ana Maria Machado
17. Ariano Suassuna
Valorizar a cultura nordestina e os movimentos populares foi o lema de Ariano Suassuna. Paraibano nascido em 1927, foi o tipo de escritor que todo mundo gosta e entende. Bem humorado, simples e inteligente, é o autor certo para você que tem interesse na cultura popular brasileira, principalmente do sertão. Entre os seus quase trinta livros publicados, sete são de poesia. Quem não lembra do Auto da Compadecida? Um pedacinho de sua mágica.
O MUNDO DO SERTÃO
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.
Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.
E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,
o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
Ariano Suassuna
O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.
Ariano Suassuna
18. Elisa Lucinda
Mais conhecida por suas novelas da Globo, pode-se dizer que a poesia é uma das maiores paixões de Elisa, nascida em 1958 no Espírito Santo. Começou a escrever poemas aos dez anos de idade e hoje já coleciona quase 20 obras publicadas e trabalhos na arte de narrar histórias. Até o jeito de falar de Lucinda é poético, outra joia da literatura brasileira ainda em plena atividade!
PENETRAÇÃO DO POEMA DAS SETE FACES
A Carlos Drummond de Andrade
Ele entrou em mim sem cerimônias
Meu amigo seu poema em mim se estabeleceu
Na primeira fala eu já falava como se fosse meu
O poema só existe quando pode ser do outro
Quando cabe na vida do outro
Sem serventia não há poesia não há poeta não há nada
Há apenas frases e desabafos pessoais
Me ouça, Carlos, choro toda vez que minha boca diz
A letra que eu sei que você escreveu com lágrimas
Te amo porque nunca nos vimos
E me impressiono com o estupendo conhecimento
Que temos um do outro
Carlos, me escuta
Você que dizem ter morrido
Me ressuscitou ontem à tarde
A mim a quem chamam viva
Meu coração volta a ser uma remington disposta
Aprendi outra vez com você
A ouvir o barulho das montanhas
A perceber o silêncio dos carros
Ontem decorei um poema seu
Em cinco minutos
Agora dorme, Carlos.
Elisa Lucinda
Mas que desagradável mania tem a humanidade de se tornar subitamente parecida com o amor da gente.
Elisa Lucinda
19. Alice Ruiz
Já ouviu falar dos haikais, aquela forma de poesia tipicamente japonesa? Alice é mestre nisso. Foi casada com Paulo Leminski, que a incentivou a mergulhar no mundo da poesia. Nasceu em 1946 em Curitiba, já publicou mais de vinte livros, e ganhou um Prêmio Jabuti. Se o seu estilo é poesia rápida, divertida e inteligente, achou a pessoa certa.
a gaveta da alegria
já está cheia
de ficar vazia
Alice Ruiz
Sou uma mulher polida vivendo uma vida lascada.
Alice Ruiz
20. Ferreira Gullar
Contemporâneo, divertido, eclético. Gullar é considerado um dos maiores escritores brasileiros do século XX. Nomeado um imortal da Academia Brasileira de Letras, o escritor nascido no Maranhão em 1930 trabalhou de forma inovadora com poesia. São mais de vinte obras dedicadas à arte de versar.
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Ferreira Gullar
A arte existe porque a vida não basta.
Ferreira Gullar
21. João Cabral de Melo Neto
Pernambucano nascido em 1920, foi o escritor que inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil. Considerado um dos mais importantes poetas da língua portuguesa por personalidades literárias de todo o mundo. Muitos dos versos deste autor são feitos para aguçar sensações. Sua capacidade incrível de arquitetar palavras e tornar os versos simétricos é uma das características mais lembradas do autor.
DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO
Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…
João Cabral de Melo Neto
Fazer poesia para o povo começaria por usar formas populares.
João Cabral de Melo Neto