Coleção pessoal de SauloNascimentto
Alfétena V - Nebulocognição
Cada tentativa de compreensão resvala em um silêncio denso, um mutismo que pulsa com um desconforto primordial, quase tangível, como se a essência própria da verdade se relacionasse naquilo que não pode ser dito, mas apenas sentido. Pois é no silêncio que a alma encontra sua voz mais verdadeira, e sem desconforto, a chama da consciência arde mais intensa. Cada palavra proferida é uma traição ao mistério, uma sombra do seu real significado, uma nebulocognição.
Alfétena II - Ómma
"Os olhos, como janelas de um mistério profundo, desvelam a dança das estrelas perdidas, onde cada piscar é um sussurro do universo em sua forma mais íntima."
Eis a profunda tristeza que o tempo, sob sua forma melancólica, impõe a estes olhos envelhecidos e opacos: uma névoa opressiva e inexorável que encobre o caos primordial como uma cortina obscura. A cada instante, o vislumbre de outrora se desvanece, como um grito silenciado, perdido nas sombras abissais.
Diante de tal agonia, o silêncio é um testemunho desta calamidade que permeia os limites da existência, onde, por fim, também jaz, deixando muito pouco. Não restam vestígios, apenas a mera lembrança de um esplendor há muito extinto.
Assim, o tempo esvai-se, e o silêncio amarga seus segredos, como um abismo inerte.
Fragmento IV - Conação
Entre corpo e alma, eu.
Um entre-espaço, dito maneira, que tange a esfera transcendental da mística à relação lógica e contemplativa do abstrato.
Assim, o corpo existe apenas como relação meramente espacial da afirmação, ao passo que, a mente flutua, introspectivamente, em busca de sua intuição.
Nesse radiante e permeável oaristo, de um ao outro, eu.
Fragmento III – Quimérica desigualdade
Há certa semelhança entre a igualdade oferecida pela lei, a proposta pelo racismo e a que é esperada pela sociedade. Talvez a percepção oferecida pela lógica substantiva, da ética valorativa, não contemple o propósito da reciprocidade em uma relação social.
Assim, a desigualdade é mais um reflexo quimérico e sistemático, refletido por qualquer modelo de coletividade, gerando toda forma atrofiada de ética, moral civilizatória e percepção sensorial do mundo externo, destoante de qualquer equilíbrio.
Novo amanhecer
O arrependimento não nos permite voltar a um momento desejado para realizar-mos uma mudança almejada, contudo, o ato de arrepender-se nos liberta do loop punitivo da consciência diante daquilo que é absurdo até mesmo para nós. Acredito que essa é a força de um novo amanhecer; o prazer de vivermos um novo dia em nosso mundo interior e, assim, sermos transformados pela renovação da nossa própria consciência. Um novo dia não é garantia de mudança, tampouco o arrependimento, porém ambos são ferramentas para tal, diferentemente do remorso, que nada pode fazer, exceto reviver a dor em um ciclo de culpa.
Morna tristeza
Quisera eu livrar-me da morna tristeza, que chamejasse, pouca ou alguma verdade.
Há fogo, contudo, aceso na chama do desapontamento, assim, como carne e sangue.
Algo de mim
Quisera eu...
Ser mar, ser jardim, mundo afora ou em mim.
Tenho em mim tão pouco.
Se parto, em vão; se fico, a sós.
Quisera eu...
Ser assim, ao menos em mim:
mar... jardim...
Pois se fico, em vão; se parto, a sós.
Máscaras do apresentável
Há sempre uma oportunidade, um convite à observância do nosso homem interior, pois se o deixarmos ao tempo, o tempo o tornará estranho até mesmo para nós.
Quem não molda seu interior acaba se acostumando às máscaras do apresentável, passando a viver em uma constante emulação do subjetivo, ou seja, uma intimidade oportunista e concomitantemente contraditória.
O homem sente por sentir vontade
E quem me dera um dia ver-me diferente, encontrando sentido além das razões por trás da mente, sendo coração que pulsa apressadamente, apenas por saber que é verdade. E se é verdade, dou-te tudo o que encontrar no caminho do meu eu; do apego à solidão, que habita nessa imensa vastidão desconhecida, à medida dosada da paixão.
Alfétena I - O sol da liberdade
O sol que não é livre não pode fazer libertos, principalmente, quando se trata dos necessitados.
Assim, a figura de poder, por questões, que não pode evitar, está subjugada ao poder, e, por conseguinte, é análoga à liberdade.
O poder do fogo é o dano.
O da água é a cura.
O disfarce do desejo é o amor,
O da figura de poder é a liberdade.
A liberdade, devido à sua natureza de propriedade, contrapõe-se ao domínio, mas não ao poder.
Qual pai, ao gerar um filho, o delega permanentemente a outros, ainda que estes lhe sejam hierarquicamente subordinados?
A liberdade chora.
Há muito deseja filhos.
Filhos para alimentar,
Para ensinar, repreender.
Lealdade de uma decisão
Parece que o amor traz consigo muitas alegrias, e somos nós quem nos encarregamos do sofrimento. Toda condição para amar é uma estrada para sofrer. Se rejeita, machuca e maltrata o amor, até mesmo pelo desafio de conhecer o limite do outro, entretanto, poucos aceitam o desafio de amar com o equilíbrio de quem deseja o bem, estando ou não em uma relação. Há quem entre na nossa vida sem trazer nada, mas ao sair acaba levando muito; e há quem venha para nos devolver aquilo que não tirou, sem esperar recompensa ou gratidão. Eu acredito, há muito tempo, que o amor não é um sentimento, mas uma prática que, como tal, necessita de encorajamento e disciplina, em síntese; da lealdade de uma decisão.
Alfétena II - Fuga
É a verdade que devoro ou talvez o tempo, quem dirá?
Sou uma prisão da qual não posso escapar!
E, caso fosse possível, para mar ou além?
Em um mundo de tão pouco, há de considerar-se a pena.
Caudal das lágrimas
É diante de todo este conforto que o homem chora, contudo, desfazendo-me do que é colo, apego-me ao que é sonho, pois sonhar já não é tão simples.
Porque se sangro, sangro de meu corpo, daquilo que me é carne, por aquilo que tão pouco sei.
Assim, para debelar tão puro ódio, tarda-se a oração, pois tal delírio me induz a realidade.
A meia lua
Um lugar tão longe.
Ao ser, um vazio.
Uma lua ao distante.
Um distante tão sombrio.
Foi da lua tal o brilho
Que do ser, um lugar
Um vazio tão distante
Foi-se longe ao luar.
VII - Caso Demiurgo
Não é repentino o fogo, nem por demasia o temporal.
Caso jactante o homem, dar-vos-eis glória aos Sandeus?
Far-vos-eis murito a mular o marado que farado a feitura fugidia?
Tal indispõe da peleja o anturguero alante, domador da razão e amante do caos?
Fragmento VII - Algea
Uma vez que a tristeza é violentada em sua sutileza, nem mesmo Hélio, em sua rogativa, pode amainar seus ventos, de sorte que, barafustar é seu penúltimo ato antes da atimia.
Aquilo que o homem desconhece de si, intui do outro, sendo tal conhecimento, desrespeitoso e inclemente.
Asseguro-te, diante da tristeza, o aninhar de um abraço possui mais poder transformatório que a faculdade de entender o abstrato de outrem.
Fragmento VIII - Violência simbólica II
É em tal precipício de pulsões que o fortuito cumpre o hábito.
A brisa torturante varre o antídoto da inópia, assim,
não pode experimentá-lo nem morte, muito menos vida.
Não há armas nessa peleja; nem tampouco ato que livre.
Parcas águas não podem saciar o homem sem domínio de si,
obstinado a beber daquilo que lhe é comum.
Efluir
Fosse tristeza só minha, choraria, mas é de meu corpo, das juntas a alma, mais que o sangue.
Fosse sangue só meu, morreria, mas é da vida, pobre vida, esvai-se em sangue, agora, também em lágrimas.
IV - Caso lúcido
Dar-se que passiva consciência acomode lucidez duvidosa ou que razão aparente seja reflexo primitivo.
Ora, motivo algum tiveram os homens, cônscios quanto ao ato, juraram inocência, não há que estranhar tamanha rapina, é que nascido o homem dificilmente sobrevive o ser.