Coleção pessoal de samrodrigues
Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.
Tão mais simples é a vida quando ainda somos apenas crianças.
Há uma nostalgia de quando os meus sonhos não eram bobagens.
Quando um beijo de mãe curava qualquer ferida.
Ao contrário de me condenarem pelo que eu queria ser, todos diziam que eu podia ser o que quisesse.
Eu tinha pressa pra crescer. Minha mãe dizia que eu me arrependeria. Adivinhem? Ela – como sempre – tinha razão.
Bem-vindo à zona de perigo.
Engano seu pensar que ser você mesmo é tarefa fácil. É ter sua própria opinião em um mundo de pessoas fabricadas em série. Ter coragem de assumir que odiou aquele filme que todo mundo está amando. É colocar uma calça roxa porque está com vontade e não porque está moda. Começar a refeição pela sobremesa para não correr o risco de estar satisfeita quando o momento dela chegar.
Adorar os discos dos seus pais e concluir que a geração passada era culturalmente muito mais rica. É ir a um show de música sertaneja e assumir que gostou. É passar um batom vermelho e sentir o poder. Fazer careta para uma criança quando vocês estiverem no trânsito. Ser simpática e educada com quem não merece nem um bom-dia.
É dançar de um jeito engraçado só para fazer as pessoas rirem. Cair da esteira na academia e rir sozinha. É falar rápido demais, comer rápido demais e dirigir alucinadamente na pista da esquerda. É ficar ansiosa esperando a resposta de uma mensagem.
É achar que tudo na vida fica mais gostoso com requeijão cremoso. Namorar quem você nunca namoraria. É aceitar seu lado ruim e egoísta e o fato de não ser a Madre Tereza. É tomar porrada de quem você nunca imaginou. É receber carinho de quem não esperava. Surpreender-se sempre com as pessoas.
Tomar banho de mar à noite e não tomar banho de dia. É acordar cedo quando você madrugou na balada. É gostar de seduzir, mas principalmente de ser seduzida. Pedir pra ele ficar mais, pra ficar menos ou pra ir embora. Babar no travesseiro. Ensaboar a barriga por longos minutos. Adorar restaurantes finos, mas achar que a comida da sua mãe é incomparável.
É perder o seu tempo arrumando o armário pelas cores e voltar a bagunçar tudo. Gostar mais das noites do que dos dias. É assumir seu corpo do jeito que está mesmo com aqueles 2 quilos intrusos. É sentir um cheiro e ter lembranças de alguém.
É falar a verdade em tom de brincadeira. Amar, sofrer e não ter medo de amar de novo. É aceitar que a vida é uma só e que não dá para perder tempo sendo o que você não é. É ter a certeza de que ninguém nunca vai viver sua vida melhor que você.
Atravessamos o gelo que julho nos impõe.
Quebramos em pequenos pedaços em um funesto agosto.
Eis que setembro surge e, consigo, traz suas flores.
Pronto! Há inspiração para a auto-reconstrução.
Bem-vindo, setembro.
Preciso colorir um pouco esses meus dias. E pra isso quero os pincéis mais caros, da melhor qualidade e as tintas mais intensas e fortes.
A cada dia vivido, me convenço mais e mais de que, para se viver bem, precisamos procurar não nos levar muito a sério e acrescentar o máximo possível de humor aos nossos dias.
Isso, obviamente, não denota que tenhamos, bruscamente, que nos converter em uma seita de tolos irresponsáveis, que acham graça em tudo e não têm nenhuma apreensão ou objetivo. Tampouco defendo a abnegação total ou a negação do nosso amor-próprio e da nossa individualidade como forma de vida.
Mas é notório que o ser humano tem o dom de se dar demasiado valor. A impressão, muitas vezes, é a de que as pessoas não se permitem olhar para os lados, descobrir a complexa multiplicidade da vida, se dar conta do quanto somos medíocres se comparados com o espaço e o tempo. Levar-se a sério em excesso é, portanto, a rejeição da realidade.
E a realidade – por vezes indigesta – diz que ninguém é tão importante que se torne categoricamente imprescindível e insubstituível. Nascemos, vivemos, fenecemos e a Terra continua a seguir o seu curso, ainda que aos assombros.
PORTANTO, DEIXEMOS DE SER BESTAS E VAMOS RIR.
Os Três Mal-Amados
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples!