Coleção pessoal de rosario_bissueque_bissueque
A ORQUESTRA DO INÚTIL
Às vezes, tento querer escrever o que esta sociedade pretende dizer, mas logo descobro que ela mesma já se perdeu na vontade de enunciar-se. Não há verbo que a represente, nem sujeito que se assuma. Há, sim, um murmúrio colectivo, um desejo de parecer pensamento. E escrever o que a sociedade quer dizer é como tentar traduzir o silêncio de um homem que aplaude porque os outros já o fazem. É tentar dar nome ao abismo quando o abismo, educadamente, nos pede um autógrafo. E depois só contamos. Contamos quantas horas restam até o próximo.
Há quem, por ofício ou desvario, destile notas como se o tempo coubesse inteiro numa só melodia. E fá-lo com tamanha urgência que o silêncio. E depois morre afogado na enxurrada de compassos. E assim, entre a batida e o aplauso comprado, ergue-se o trono de um Rei, não por virtude mas por volume, não por arte mas por frequência.
É nobre, sim, o timbre. E há talento disso ninguém duvida, mas até o ouro, quando em demasia, perde o espanto e vira moeda. E a sociedade de ouvidos embotados, aplaude por reflexo. Confunde constância com génio, e quantidade com legado. Ora, família, o excesso também é uma forma de desperdício.
QUEM ME OLHA HOJE
Quem me olha hoje não vê o que Namarroi fez.
Namarroi é um espelho partido. Mas calma aí, estrangeiro — aqui também há progresso. Entendeu?
Uma antena nova;
Mais uma estrada bem cavada;
Uma estação de rádio sem emissão;
Duas selfies ao lado do tribunal;
E um lindo discurso de quem nunca cozinhou numa panela de barro.
E daí?
Daí tive mais ensinamentos: ensinaram-me a ter orgulho da terra.
Só faltou uma coisa — não me avisaram que o orgulho também dói,
e que até o silêncio protesta.
Mas não, meus amigos,
Namarroi não nos deve nada.
Mas devia-se a si mesma.