Coleção pessoal de Rosadick

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Vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por dentro.

Ah, acho que não queria mesmo nada, de tanto que eu queria só tudo. Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era - ficar sendo!

Se você sabe conviver com pessoas intempestivas, emotivas, vulneráveis, amáveis, que explodem na emoção: acolha-me.

Não quero o primeiro beijo:
basta-me
o instante antes do beijo.
Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.
O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
não tem depois.
Quero o vulcão
que na terra não toca:
o beijo antes de ser boca.
"Mia Couto"

PEDAÇOS DE MIM

Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos

Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão

Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci

Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante


Tive noites maldormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não prometidas

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir, para não enfrentar
sorri para não chorar

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.

E Resistentes como a água…

Ser capaz, como um rio que leva sozinho a canoa que se cansa,
de servir de caminho para a esperança.

E de lavar do límpido a mágoa da mancha, como o rio que leva, e lava.

Crescer para entregar na distância calada um poder de canção,
como o rio decifra o segredo do chão.

Se tempo é de descer, reter o dom da força
sem deixar de seguir.

E até mesmo sumir, para, subterrâneo, aprender a voltar
e cumprir, no seu curso, o ofício de amar.

Como um rio, aceitar essas súbitas ondas
de águas impuras que afloram a escondida verdade nas funduras.

Como um rio, que nasce de outros, saber seguir,
junto com outros sendo e noutros se prolongando
e construir o encontro com as águas grandes do oceano sem fim.

Mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo ser que muda.
Como um rio.

Aqui termina o caminho

Os sinos cantando, as sombras todas se diluindo
dentro da tarde. Dentro da tarde, o teu grave pensamento de exílio.

Por que ainda esperas? Aqui termina o caminho,
aqui morre a voz, e não há mais eco nem nada.

Por que não esquecer, agora, as imagens que tanto nos perturbaram e que inutilmente nos conduziram
para nos deixar, de súbito, na primeira esquina?
Essa voz que vem, não sei de onde,
esses olhos que olham, não sei o quê,
esses braços que se estendem, não sei para onde...

Debalde esperarás que o oco de teus passos acorde os espaços que já não têm voz.
As almas já desertaram daqui.
E nenhum

Fio de vida

Já fiz mais do que podia
Nem sei como foi que fiz.
Muita vez nem quis a vida
a vida foi quem me quis.

Para me ter como servo?
Para acender um tição
na frágua da indiferença?
Para abrir um coração

no fosso da inteligência?
Não sei, nunca vou saber.
Sei que de tanto me ter,
acabei amando a vida.

Vida que anda por um fio,
diz quem sabe. Pode andar,
contanto (vida é milagre)
que bem cumprido o meu fio.

É o teu alguém que acontece em mim como se não tivesse acontecido nada. É o idoso que vou sendo cada vez que a idade celebra mais um ano. É despertar com os teus sorrisos os sorrisos que ainda não ousas. São antídotos fora do alcance da fala. São botões de emergência preguiçosos. São braços entrelançados no peito.

Omnipoético

Agarrou o poema com os lábios e pronunciou beijos que nem sequer eram palavras. Endireitou a voz por dentro. Foi buscar fôlego ao fundo dos pulmões para pedir à chuva que tombasse aguamente sobre o chão que lhe fugia das mãos.

Ao regressar. Subiu como os pássaros ao telhado das árvores. Lançou asas pela distância íngreme que vai do sentimento à escrita. Depois. Ajustou o sono ao fuso horário do infinito. Com a ponta dum fósforo construiu diques imaginários contra a insónia e pendurou-a por fios de fogo para não se apagar.

Dezembro-me como se fosse hoje. Flocos de lenha derretiam-se na lareira tentando calar o frio. Lá fora os ramos sacudiam o vento perante a dança inquieta das folhas. Assobios pingavam em forma de música como se cada gota pudesse remunerar o coração com sopros mágicos de lume. Em troca de nada.

Leitor. Pergunta-lhe agora mesmo em que parte do corpo a ausência das palavras tem a força de uma multidão? A que distância os gomos de neve se deixam morder pelo sol quando nos faltam garfos para levar o sono à boca? E já agora leitor diz-lhe que o poema não se agarra com os lábios. Que os nossos passos embora dançados de cansaço hão-de sacudir sorrisos em véspera de poesia. Em toda a parte.

Com que beijos vais vestir a boca das palavras quando a poesia cansar de ser infinita?

Grito é a soma de vários silêncios

Rasgue a exclusão
Rasgue a discriminação
Rasgue o racismo
Rasgue o preconceito
Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza
Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza

Quando estiver quase a adormecer passem-lhe o sono pela torneira da água fria. Desatem o nó aos soluços que atravessam a garganta. Façam-no sentar à esquerda dos versos que mais não são que duetos com outras solidões. Risquem a pele os nervos a voz os pulsos com lâminas de encurtar distância. Quando estiver quase a amar. Não lhe ensinem amor como fazer de conta que se desfaz em conto de fadas.

Quando a voz lhe envelhecer nas palavras. Puxem-lhe os passos na direcção contrária do olhar. Lancem-no sozinho contra a cama e retirem as portas do casulo para quando entrar bater com o nariz no perfume das flores que não plantou. Quando estiver quase a descobrir. Destapem-lhe o futuro da frente e coloquem lá outra coisa que não seja passado. Leiam os gestos os dedos as mãos os braços a carne e gastem-lhe os caminhos de tanto andar a pé. Quando cair num sonho feliz. Respirem-lhe os versos devacarinho para não doer. Deixem-no escapar tranquilo e quieto nem que seja por um triz ou por um triste corpo devoluto.

És tu o poema. Engole estes versos que te dou sob a forma de tranquilizante para curar a arritmia dos dias feitos de sonhar. Negra-me a pele. Endireita o caminho enquanto atraverso o poema de um lado ao outro e dá-me tempo para temperar a impaciência.

Em caso de excesso de lucidez...
Loucure-se

Vem buscar a tua ansiedade antes que passe
Melodia-me
Atravessa o silencio sem medo de escorregar na casca das palavras mais duras
Segue em frente na legitima defesa dos sonhos
Despenteia o sentimento
Enfia um sorriso na boca mesmo quando não houver beijos para receber
Vem amor
Vem buscar a tua ansiedade antes que passe
Alegra-te
Deixe-me ser
O seu poema
O abraço que te agarra por dentro
O beijo da ida e da volta
Não interessa quanta distância cabe dentro de um adeus
Não interessa quantos regressos tem uma despedida para sempre
Longe é voltar atrás
O que interessa é ser feliz, nem que seja por um pouco da eternidade

"Têm lhe sido ensinado a ser delicado para com os outros e duro para consigo mesmo. Isso é um absurdo. Eu lhe ensino que a primeira e mais importante coisa é ser amoroso para consigo mesmo. Não seja duro; seja delicado. Cuide de si mesmo. Aprenda como se perdoar, cada vez mais e novamente; sete vezes, setenta e sete vezes, setecentos e setenta e sete vezes. Aprenda como perdoar a si próprio. Não seja duro; não seja antagônico consigo mesmo. Assim você irá florescer. Nesse florescimento você atrairá alguma outra flor. Isso é natural. Pedras atraem pedras; flores atraem flores."

Sempre que houver alternativas, tenha cuidado. Não opte pelo conveniente, pelo confortável, pelo respeitável, pelo socialmente aceitável, pelo honroso.
Opte pelo que faz o seu coração vibrar. Opte pelo que gostaria de fazer, apesar de todas as consequências.