Coleção pessoal de rodriguesnutshell

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(v)ocê;



⁠há algo dentro de mim,
um nome que nunca se diz,
preso nas sombras do tempo,
repetindo-se em silêncios.

corri entre braços tortos,
tentando escutá-lo nas batidas
de corações que não eram meus.
me entreguei em camas rasas,
onde o calor de outros corpos
só me deixou mais frio.

procurei nos vestígios,
no bordado de lençóis,
nos toques que não deixaram marca,
nas cicatrizes invisíveis
que deixei em pele alheia.

e me parti aos poucos,
em cada movimento vazio,
em cada palavra não dita,
em cada olhar que não me tocou.

ainda assim, segui,
por caminhos que não prometiam chegada,
perdido nas ausências
que talvez existissem,
ou talvez nunca tivessem sido.

mas o nome permaneceu,
indecifrável,
como um eco que se esconde,
sussurrado na madrugada,
nos reflexos que se desvanecem.

agora, me encaro
e vejo o vazio que busquei preencher,
como uma pele que se rasga sem fim,
como braços que nunca souberam
o que é abraçar de volta.

procurei no asfalto cinza,
no vidro preto dos carros brancos,
algo que não me pertencia,
algo que ficou no ar,
e que nunca pude tocar.

havia algo insaciável
na fome que me consumia,
no desejo de algo que nunca se dizia,
nesse nome que jamais me chamou.

sempre te perseguindo,
num ciclo que nunca terminou,
tentando me encontrar
no que me faltava,
neste nome que permaneceu
como uma promessa sem rosto.

e agora, me pergunto:
se um dia te encontrar,
será que saberei reconhecer?

ou seremos apenas dois estranhos,
perdidos nas nossas próprias sombras,
condenados a nunca nos encontrar?

talvez você nunca tenha existido.
talvez seja só um reflexo
do que nunca pude alcançar.

⁠sangue e lápis;


aqui é onde me liberto
me encontro em mim
correntes e simbolismo
escrevem em mim

me perco e me refaço,
encontro-me nos versos
refúgio abstrato,
alma enfim segura

depois que te conheci,
ó poesia,
dei forma ao caos
que antes era torto

antes de te conhecer,
não me conhecia,
me observava
e não me entendia

quando te conheci,
meu eu-lírico,
me apaixonei por ti
e te incorporei em mim:
é meu sangue
meu respirar
minha voz silenciosa

dou forma à dor,
amplifico-a,
só para que ela
se enfrente ao lápis

transformar meu medo
em palavras,
angústia em ritmo,
e o silêncio, em mim,
vira canção

e me dissolver
na escrita,
morrer no papel
para renascer
em cada linha

no dia em que parar de escrever,
será o dia que morreremos juntos
meu verso e meu peito

⁠equilíbrio;



quando imaginei o fim,
percebi que era apenas o começo,
e que a vida adiante não era muro,
mas estrada aberta a surpresas.

descobri que nada se perde sem custo,
em cada escolha, uma renúncia,
linhas invisíveis
cortadas à lâmina de dois gumes
do que decidimos ser
e para onde ir.

às vezes, o coração pede tanto
que a alma viaja pra buscar
te encontrar
e achar a nós.

a esperança é a última que morre,
mas quando morre,
arde como brasa nos pés.

amar é alimentar o fogo,
sem deixá-lo apagar,
sem permitir que nos consuma.

é o carvão que aquece,
mas queima se esquecido,
é chama que dança,
mas fere se solta ao vento.

e entre o frio da ausência
e o ardor do excesso,
só o equilíbrio mantém o amor
aceso sem destruir.

⁠simbionte;



enterrado sob minha pele,
reside uma inquietude,
e sobre ela, mora você.

escondida dentro de mim,
me coçando para te tirar,
rasgar minha pele,
deixar você sair.

se alimente de mim:
da fuligem em meus pulmões,
do eco de quem fui,
daquilo que ainda há de pulsar
em meu peito vazio.

e mesmo sentindo você rastejar,
quero que fique.

prefiro um parasita de amor
a encarar que, sem ti, sou oco –
abismo, vazio,
somente sombras de mim.

então, devore aquilo que ainda bate,
sorva-se do meu silêncio,
engula meus sonhos,
coma as migalhas da minha felicidade.

simbiotismo parasitário:
andando em círculos,
consumindo pedaços de mim,
já sem lembrança de forma,
sem saber existir sem órgãos,
sem ti.

mergulhe nas profundezas de minhas entranhas,
e ao devorar o que fui,
refaça-me à tua imagem,
para que eu, ao menos, sobreviva em ti.

e ao fim,
quando eu não for mais que casca,
quando nem vísceras restarem,
que sobre apenas
o eco de tua fome.

⁠espelho quebrado;

como ouso amar,
se não sou amável?

como ouso julgar,
se sou imperfeito?

como ouso rir dos outros,
se a piada sou eu?

como me atrevo a sonhar,
se estou acorrentado no chão?

como ouso cobrar lealdade,
se eu traio?

como ouso gostar de alguém,
se me odeio?

como me atrevo à sensatez,
se eu sou a hipocrisia?

sou a mentira que condeno.
sou o erro que aponto.
sou o meu autoaprisionamento.
sou tudo o que enxergo em mim e condeno nos outros.
sou a sombra dos meus próprios julgamentos.

sou um espelho quebrado
meu reflexo distorcido

e, no entanto, ainda respiro,
ainda espero,
ainda sonho.
...
e, talvez um dia, em um kintsugi,
pinte meus trincos de ouro.

⁠quase real;



sou o homem nada.
não compactuo,
não pertenço,
não sou.

vejo tudo,
mas não enxergo…
sinto tudo,
mas não vivo.

me movo,
mas não caminho.
sou engrenagem de um relógio,
sem o tempo me carregar com ele.

o tempo passa por mim,
mas nunca me leva.
não sou lembrança,
apenas memória…

ainda assim,
eu sonho
em ser,
em ver,
em ter.

em me encontrar
sem me perder…

mas o nada me abraça,
e eu retorno,
já querendo partir,
já querendo sumir.
como se nunca tivesse estado aqui,
como se a inexistência fosse meu único vestígio.

mas no vazio que me cerca,
uma voz sussurra meu nome…
e por um instante,
quase me sinto real.

⁠o peso que não levo;



se um dia me ler,
saiba:
exagero na tristeza
só para escrever
linhas tortas.

sou melancólico,
dramático,
exagerado.

mas só porque
a saudade pesa mais
quando tento ignorá-la.

e se pareço intenso,
é porque carrego ausências
como quem guarda cartas
de quem nunca respondeu.

me perco em abstrações,
nessa coisa sem forma
que chamei de amor
por falta de outro nome.

às vezes, confundo lembranças
com desejos que nunca aconteceram.
e insisto.
porque prefiro a ilusão
ao vazio.

na vida real, sou leve,
tranquilo,
sem o peso do que escrevo.

escrevo para me livrar,
não para me prender.

porque o que escrevo
morre no papel
e não em mim.

então se quebre em mim.
sem minha ajuda.
e aguente, sem uma caneta,
para exagerar comigo.

aritmética das ausências;


um dia descobrimos que beijar alguém
para esquecer outra é como tentar apagar o sol com as mãos:
não só a luz persiste,
mas é sua sombra que nos cega aos poucos.

percebemos que a caça ao prazer
seja delas ou seja minha
deixa cicatrizes que não sangram,
mas doem como feridas antigas.

um dia entendemos:
apaixonar-se não é escolha,
é cair de um penhasco
e descobrir que o chão
é mais macio do que o medo.

as provas de amor não estão nos gestos grandiosos,
mas no café frio que ninguém bebeu,
no silêncio compartilhado
quando as palavras já não bastam.

e o entendimento reside na quietude.

um dia saberemos:
quem nunca te liga
é quem carrega teu nome
como um segredo pesado no bolso.
e, sem saber,
somos o peso de uma ausência em alguém.

porque a pior saudade
não está no telefone que não toca,
mas nas fotos que ainda não tive coragem de apagar.

ao menos, em minha experiência.

sentimos a falta de um amigo
quando o telefone toca
e do outro lado só há vento.

um dia entendemos que a vida,
mesmo que longa,
é curta demais para beijar todas as bocas
que nos chamam,
para dizer tudo o que nos queima por dentro.

resta-me escolher:
aceitar o vazio
ou incendiar o relógio
e dançar nas cinzas do tempo.

⁠crisálida;


fui silêncio,
mas as palavras me transbordaram.
fui abrigo,
mas ninguém ficou para a reconstrução.

me despedi de quem fui,
carregando cicatrizes como mapas,
navegando por mares de arrependimento,
com velas feitas de culpa.

enterrei meu velho eu
como quem planta uma dúvida.
e esperei.
esperei que asas brotassem
onde antes havia correntes.

mas a metamorfose é lenta,
e no casulo do tempo,
a dor é a primeira a nascer.

sou pó de memórias,
sou o eco de antigas promessas,
sou a espera do que ainda pode ser.

e se um dia eu voar,
que o vento me leve
sem medo de cair.

⁠o que me resta;



a indiferença que carrego,
silêncio gélido,
tem o hábito de
atrofiar qualquer traço
de compaixão.

a dor que carrego,
raiva em brasa,
tem o dom de
rasgar em fúria
meu bom senso.

o amor que carrego,
feito saudade,
tem o costume de
virar poesia
e fugir de mim.

e eu, que me carrego,
vazio e eco,
tenho a sina de
me perder em tudo
e não sobrar em nada.

Cantiga para não morrer

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

⁠em pedaços;



fui porto,
mas ninguém ancorou.
agora sou náufrago,
esperando o resgate.

fui abrigo,
mas ninguém ficou.
agora sou céu aberto,
esperando a chuva vir.

fui caminho,
mas ninguém seguiu.
agora sou mata,
esperando o machado.

fui voz,
mas ninguém ouviu.
agora sou eco,
esperando um nome.

fui céu,
mas recaí em tempestade.
agora sou nuvem dispersa,
esperando o sol.

fui raiz,
mas o tempo me arrancou.
agora sou semente,
esperando brotar de novo.

fui página em branco,
mas me escreveram em versos que não eram meus.
agora sou livro fechado,
esperando ser reescrito.

e agora, sou nada...
e o nada sou eu
na espera de ser.

ninguém;


fui porto,
mas ninguém ancorou.

fui abrigo,
mas ninguém ficou.

fui caminho,
mas ninguém seguiu.

fui voz,
mas ninguém ouviu.

agora sou só silêncio,
esperando me tornar outra coisa.

⁠equilíbrio;


gosto de me imaginar em paz,
mas não há paz antes da guerra.

gosto de me imaginar feliz,
mas não há felicidade sem tristeza.

gosto de me imaginar acompanhado,
mas não há companhia sem solidão.

gosto de me imaginar completo,
mas não há completude se, uma hora, faltar algo.

e diante de tantas coisas,
estou guerreando,
estou triste,
estou só,
estou faltando.

um dia, talvez, eu estarei:
em paz,
feliz,
acompanhado,
completo.

mas até lá,
vou aprender a lidar com os dias difíceis,
a abraçar o que me falta
e a esperar o que ainda virá.

metamorfoses;


⁠com você, eu que nunca soube fazer poema,
tornei-me poesia.

eu que nunca fui de viajar,
virei a estrada.

eu que nunca fui de sorrir,
virei palhaço.

eu que nunca fui de me apegar,
virei amor.

mas...

eu que nunca fui de chorar,
virei um rio.

eu que nunca fui de sentir saudades,
virei lembrança.

eu que nunca…
me encontrei,
virei você.

e agora,
eu que nunca fui de me calar,
virei silêncio.

⁠bifurcações

ao seu lado, trilhei essa estrada,
repleta de curvas e incertezas.
andamos de mãos dadas,
sem pressa, sem medo.

mas no fim, a trilha se parte,
abre-se em dois destinos,
duas direções, dois mundos:
um de pedra, outro de grama.

soltamos as mãos sem despedida,
e seguimos, sozinhos,
rumo ao desconhecido.

talvez, um dia, os caminhos se cruzem.
ou talvez se afastem para sempre.
resta-me apenas seguir—
passo após passo,
sem saber o que virá.

trauma;

o que passou
deixou noites em claro
ódio, raiva —
como isso faria alguém mais forte?

não, só me deixou pior
sentimentos que não escolhi
fermentando em mim,
hoje me assombram
como maus presságios

o que me fez mais forte
foi me arrastar para longe,
rastejar até o último pingo de felicidade
que me restou

e esse mesmo pingo
todos julgam como erro,
como maldade —
como me fortalecer
se estou cercado por traições?

caminhos quebrados;

⁠acho até que perdi
o meu caminho,
eu conheço essas árvores,
esse caminho de vidro,
que se estilhaça
sob meus pés cansados

pensei que caminharia
para frente,
mas me encontro
andando em círculos.

não quero voltar,
repito ciclos
sonho alto,
fico no chão.

onde estão as asas
que me prometeram
quando eu era
criança?

procurei em sonhos
mas encontrei em correntes
nas sombras de quem sou.

onde foi minha liberdade?
se estou preso
em mim.

⁠(re)nascimento;

os erros que cometi,
as pessoas que machuquei
por que?
ser uma boa pessoa pra uns
quebra outros?

poderemos viver em paz?
aguentaremos o peso?
de sermos mal vistos?
incompreendidos?

seguir um novo caminho,
andar numa nova estrada.
significa deixar a estrada
que você conhece tão bem
pra trás.

matar o seu antigo eu,
e nascer de novo.

esse eu meu enterrado,
pisava em cacos de vidro,
caminhava em círculos,
afundava em velhas culpas.

enquanto meu novo eu
rasga seu fétido casulo
na esperança de ter asas
e que essas asas carreguem
o peso de quem já fui

enterrando o que fui,
vejo minha própria lápide,
os amigos que perdi,
jamais virão me visitar.

⁠armazenando lembranças;

passou-se o momento
de colocar tudo que me lembra você
na caixa de sapatos do esquecimento
e enfia-lá no fundinho escuro
do meu guarda-roupas.

só por tempo suficiente
para eu esquecer
essas memórias.

quando decidir organizar
as minhas coisas,
abrirei a caixa,
reviver cada fragmento,
cada riso, cada dor.

decidir se te dou
ou se te jogo fora,
pois você não pode morar
aí pra sempre.
talvez, um dia, eu consiga
libertar essas lembranças
e deixar que o espaço
se encha de novas histórias.