Coleção pessoal de RoAzev

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⁠MINUANO

Ao Liberato

Este vento faz pensar no campo, meus amigos,
Este vento vem de longe vem do pampa e do céu.

Olá compadre, levanta a poeira em corrupios,
assobia e zune encanado na aba do chapéu.

Curvo, o chorão arrepia a grenha fofa,
giram na dança de roda as folhas mortas,
chaminés botam fumaça horizontal ao sopro louco
e a vaia fina fura a frincha das portas.

Olá compadre, mais alto mais alto!

As ondas roxas do rio rolando a espuma
batem nas pedras da praia o tapa claro...

Esfarrapadas, nuvens nuvens galopeiam
no céu gelado, altura azul.

Este vento macho é um batismo de orgulho:
quando passa lava a cara enfuna o peito,
varre a cidade onde eu nasci sobre a coxilha.

Não sou daqui, sou lá de fora...
Ouço o meu grito gritar na voz do vento
- Mano Poeta, se enganche na minha garupa!

Comedor de horizontes,
meu compadre andarengo, entra!

Que bem me faz o teu galope de três dias
quando se atufa zunindo na noite gelada...

Ó mano
Minuano
upa upa
na garupa!

Casuarinas cinamonos pinhais
largo lamento gemido imenso, vento!
Minha infância tem a voz do vento virgem:
ele ventava sobre o rancho onde morei.

Todas as vozes numa voz, todas as dores numa dor,
todas as raivas na raiva do meu vento!
Que bem me faz! mais alto compadre!
derruba a casa! me leva junto! eu quero o longe!
não sou daqui, sou lá de fora, ouve o meu grito!

Eu sou o irmão das solidões sem sentido...
Upa upa sobre o pampa e sobre o mar...

(Poemas de Bilu, 1929.)

⁠LUA BOA

Quando a lua sair nós iremos ao campo
esmagar o capim, passo a passo, bem juntos
como dois namorados que não gostam de falar
quando a lua é mais clara e o coração mais limpo.

Nós mergulharemos na simplicidade,
mão na mão, sonhando as palavras que ficam,
enquanto os maricás noivarem,
calma grave e nupcial, tristeza boa
para a gente saber que vai morrendo,
para provar no lábio um gosto que abençoa.

Quanta doçura virgem de ervas!
Mesmo à noite os trevais têm cheiro azul de manhã,
e o capim o capim esmagado
perfuma os pés que o pisaram, santamente.

(Giraluz, 1928.)

⁠GAITA

Eu não tinha mais palavras,
vida minha,
palavras de bem-querer;
eu tinha um campo de mágoas,
vida minha,
para colher.

Eu era uma sombra longa,
vida minha,
sem cantigas de embalar;
tu passavas, tu sorrias,
vida minha,
sem me olhar.

Vida minha, tem pena,
tem pena da minha vida!
Eu bem sei que vou passando
como a tua sombra longa;
eu bem sei que vou sonhar
sem colher a tua vida,
vida minha,
sem ter mãos para acenar,
eu bem sei que vais levando
toda, toda a minha vida,
vida minha, e o meu orgulho
não tem voz para chamar.

(Coração verde, 1926.)

⁠QUERÊNCIA

Paisagem longa, na ondulação das coxilhas longas...

Debruns de caponetes...

Longes...

Oh! linhas suaves, como se houvesse
em cada coxilha uma saudade do chão
e alvos capões de nuvens muito brancas
no pampa azul de um infinito azul...

(Coração verde, 1926.)

⁠IRONIA SENTIMENTAL

Coaxar dos sapos, quando a noite é calma,
sem jardins simbolistas, nem repuxos cantantes,
nem rosas místicas na sombra, nem dor em verso...

Coaxar dos sapos, longamente,
quando o céu palpita na moldura da janela,
num mistério doce, num mistério infinito,
e em cada estrela há um lábio, um lábio puro que treme,

e um segredo na luz que palpita, palpita...

⁠ALVORADA

A alvorada lembra um linho sem mancha,
aparando a orvalhada.

Há musselinas, contas claras de miçanga
entre as folhas frescas do pomar.

Na meia-luz trêmula, qualquer cousa espera.

O jardim ajoelhou, num misticismo doce.
Incensórios de corolas, folhas que fossem
lábios de seiva, murmurando em prece..
No linho puro, sob o altar da alvorada,
é a missa eterna.

Passarinhos, campainhas vivas...

Toda a alvorada religiosa
adora a luz na lenta elevação do sol.

(Coração verde, 1926.)