Coleção pessoal de RicardoCarranza

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De olhos fechados
a flor é rosa, cravo, jasmim;
quando escavo é suor,
lodo, vísceras de peixe.
Ainda tenho terra nas unhas.
Na poça negra negra
é a água clara.

Não sou a ventania.
Não há nada a varrer do céu.
Desprezo a guerra
por ser vulgar por excelência.
Procuro antes
estar alinhado comigo mesmo.
Pacificar-me
é a minha tarefa diária.
Meu vinho é o sol
no centro de uma noite de chuva.
Avançar nesse nada,
eis o que vos ofereço.

Poesia é a semente do pássaro.

Folhas sagradas caem para o céu.

Mãos de verdura e açafrão
perfuram o teto do hábito
de novas transparências.

Costuro folhas com a seiva da palavra.

Meu livro das estações
se desprende de mim,
como da nuvem a chuva,
ao encontro das sementes.

Sonhei que uma casca de noz
cruzava o mar do abismo
carregada de estrelas nascentes.

Havia uma xícara,
de porcelana japonesa,
no oco da casa.

Com mãos de cerimônia
apanhei a xícara
e servi-me de chá de jasmim.

A bebida,
tirante a ouro e rica em taninos,
aspergiu estrelas
da concha de sol nascente.

Concha e casca
no mesmo pulso.

Neste sonho,
depois da chuva de primavera,
a cortina de pérolas desce do céu,
resvala a relva ruiva
da inspiração do encontro:
pérolas de orvalho
irrigam a palma nua dos meus pés.

Há um outro lado da cortina
como a página de um livro? – eu penso.
Oh! ela se esvai com o sol
relógio das estações.

Mãos de seda dobram o tecido,
zelosas das gotas de orvalho,
e o recolocam no útero da árvore.

Um homem vem
puxando uma carroça de junco
cheia de pétalas rosa chá
e passa sem deixar nem mesmo
o perfume da sua presença.

Em minhas mãos vazias
um punhado de sementes
pequenos pássaros sonolentos.

A palavra que desentranhei do vento entranhou-se em mim como chuva no arvoredo, irrigando folhas, ramos, e fios de cabelo de raízes.

Memórias são irmãs do sonho.