Coleção pessoal de ricardo_leite_1

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Clara nasceu numa aldeia onde o céu era sempre azul. Lá, o vento soprava suave, a chuva caía mansa, e nunca se ouviu o eco de um trovão. O frio não cortava, os relâmpagos não riscavam o firmamento, e a noite chegava sempre tranquila, sem ameaças.
Por isso, quando visitou um vilarejo distante e viu o céu escurecer pela primeira vez, sentiu o coração apertar. Os primeiros estrondos pareciam rugidos de feras invisíveis, e os relâmpagos arriscavam o horizonte como garras luminosas. Enquanto todos ao redor admiravam a dança dos relâmpagos, Clara se encolhia, aterrorizada.
Até que, um dia, uma tempestade a surpreendeu longe de casa. Sem refúgio, sem o céu azul de sua aldeia para observar-la, ela decidiu enfrentar o medo. Com a voz trêmula, os olhos às nuvens e singularmente: "Por que me perseguem?"
Para sua surpresa, os trovões responderam, não com um rugido ameaçador, mas com uma voz grave e antiga: "Não temas nossa voz, pequena. Somos mensageiros, não inimigos."
Intrigada, Clara começou a escutar. Descobriu que os trovões não eram ameaças, mas avisos. Aprendeu a decifrar seus sinais: um trovão breve fez calmaria, três seguidos anunciaram tempestades. O que antes era apenas medo de se transformar em compreensão.
Quando voltou para casa, Clara trouxe consigo um novo conhecimento. Sua aldeia, acostumada ao eterno azul do céu, passou a ouvir histórias sobre as tempestades. E, quando um dia as nuvens escuras finalmente chegaram à terra, Clara se apresentou diante delas e sugeriu uma canção suave. Os trovões, confirmando sua coragem, ecoaram em toneladas mais brandas, anunciando a chegada da chuva sem medo, apenas respeito.
Desde então, sua aldeia não teme os trovões — escuta. E Clara, a menina que veio do céu sempre azul, tornou-se guardiã entre a terra e o céu, lembrando a todos que o desconhecido, quando compreendido, transforma-se em poder.

⁠O Amor que Fica em Silêncio
Sabe, é engraçado como a gente se engana com essa história de amor, né? A gente pensa que amar é estar com uma pessoa, falar o que sente, se entregar de corpo e alma. Mas eu... eu não sei bem como explicar, mas o amor que eu sinto por você não precisa disso tudo. Não precisa de palavras, de gestos, de promessas. Ele é só meu, e isso já basta.
Eu sei que você não sabe, e talvez nunca saiba, mas esse amor que eu guardo dentro de mim, em silêncio, é o mais forte que eu já senti. Não tem aquele grito do coração, não tem cobrança, não tem nada que faça você olhar pra mim e perceber. E isso é o que o faz tão poderoso. Porque, se eu falasse, se eu tentasse te fazer entender, talvez ele perdesse a força. O amor que não se pede, que não se exige, é o amor mais verdadeiro.
Você... você é uma pessoa que me faz sentir tudo isso, e talvez você nem perceba. Eu vejo você, e não é uma coisa que eu preciso gritar ao mundo. Está aqui, quieto, só eu e ele, esse sentimento que cresce a cada dia sem precisar de mais nada. E o que é mais louco é que quanto mais ele cresce, mais ele me faz entender que, na verdade, eu não preciso que você sinta a mesma coisa. Isso não me enfraquece. Ao contrário, me faz ser mais forte, mais completo.
Acho que o Kierkegaard sabia disso, né? Que o verdadeiro amor não precisa ser exposto, ele se fortalece no silêncio, na acessibilidade de que o amor é suficiente, mesmo que não seja correspondido. E eu fico aqui, no meu canto, amando você do meu jeito, sem cobrar nada, sem esperar nada em troca. E isso... isso me faz bem. Porque sei que o que sinto não vai desaparecer, mesmo que você nunca saiba.
Eu não quero que você mude nada, que me note ou que se sinta pressionado. Esse amor é meu, e só meu, e isso é o que o faz ser tão bonito. Às vezes, penso que esse amor silenciado é mais puro, mais profundo, do que qualquer coisa que eu pudesse pedir. Ele existe só porque existe, sem explicação.
E talvez você nunca perceba, mas isso é tudo o que eu preciso. Amar você no meu silêncio é o meu jeito de ter, mesmo que você nunca seja. E, de alguma forma, isso é o mais próximo da felicidade que eu posso alcançar.

Como posso ser feliz?

Como posso ser feliz,
se ao abrir os olhos,
o mundo já estava pronto,
tudo já havia sido dito,
e o que resta são ecos
de sonhos alheios?

Cada invenção, cada ideia,
parece distante,
como estrelas que já morreram,
mas ainda brilham no céu
de um tempo que não é meu.

E a mulher que amo?
Ela não nasceu comigo,
esperou trinta anos,
enquanto eu vagava sozinho
num mundo que já havia vivido
todas as histórias de amor.

Será que o tempo
é um capricho cruel,
que me fez nascer tarde
e ela tão depois?

Ainda assim,
encontro sentido
nos silêncios entre as notas,
no espaço entre as estrelas,
e no abraço que, finalmente,
acontece agora,
mesmo que tarde.