Coleção pessoal de Rhaera
Meus dedos estão sujos. As juntas grudam meladas de glacê e chantilly,
embaixo das unhas massa de morango.
Mãe sempre reclamava o quanto meu desespero para preencher meu estômago de doces era deselegante.
E mesmo dentro de um caixão sua voz ainda me perseguia.
Comi metade de um bolo, todavia o sabor salgado impregna meu paladar.
Provável seja culpa de minhas lágrimas. Sendo assim culpo o álcool que ingeri mais cedo. Ou de minha covardia para com o mundo.
Talvez eu quisesse me sentir melhor. Talvez eu deseje que alguém se importe. Talvez eu precise de mais amor.
E nada disso encontrei no bolo.
Talvez por isso que meu estômago permanece vazio.
Fome.
Quando se é ignorado e destratado por tanto tempo, você se torna carente de qualquer atenção. Desde o toque de uma gota de chuva até o roçar de lábios no seu pescoço, qualquer singelo atrito de carinho e apreço se torna um pote de ouro que você, iludido, crê ser eterno e especial.
Um dia ele acaba sem mais nem menos… e todo aquele amor que você tirou para si desde o primeiro gole ao lamber de migalhas se torna tudo o que precisa, feito vício.
E lá vamos nós atrás, famintos, de outro pote, este que não tem nada para oferecer além de sal e pimenta. As delicadas carícias viram ardentes arranhões e tapas, que mesmo machucando possuem o mesmo impacto que os suaves toques.
Ao sugarmos até o último fiapo, não nos sobra nada. E aí encontramos rasas doses, menores e quase sem gosto algum, como aveia e mingau. Mordidas picantes, palavras douradas, o doce de um cheiro, um simples trocar de horizontes. E no dia seguinte, nada sobra, mesmo tendo tantos copos ao meu redor.
No entanto… ainda resta o vazio nebuloso em meu estômago.
Talvez, se eu obtivesse a quantidade certa de vermelho, não lutaria por uma quantia exorbitante de verde.
- As vezes é um pouco complicado pequena Eveline, por que tudo é uma gigante armadilha. Se não tivermos o hábito constante de pensar nos tornamos alienados, contudo se pensamos demais ficamos loucos.
Me viro de um lado para o outro
Cabeça pesando olhos esvaindo mente afundando pensamento intrusivo
Giro para a esquerda
Minha consciência vai e vem
como vozes trazidas do além
procuro algum sentido talvez desejo
olhos no teto, coração na mão, despejo
Giro para a direita
tiro um pé e para fora uma mão
rosto no travesseiro "onde está minha razão?"
cheiro o ar e toco a brisa
uma gota de lagrima desliza
Arranco o lençol
não sei mais dormir
não há para onde ir
puxo uma gaveta e dela uma lâmina
sem muita força tocar nela o pulso arranha
Pego o frasco sobre a cabeceira.
sem água as pílulas na minha garganta derrama
uma dor contida gela meu peito em chamas
sei que assim para sempre partirei
mas a algum lugar pertencerei
Saio da cama.
Brilhantes o azul de seus olhos
Me mostram o receio, desejo, o querer
Suave é o ruivo de seus cabelos
Me trazem leveza, liberdade o poder
Vermelho como maçãs são seus lábios
Me fazem ousar, pecar, o ter
Branca é sua pele
Me deixe dedilhar, tocar, o palpar
Sem ver cintila a sua alma
Me faz sorrir, cantar, o amar
Onde alegria pereceu
Meu coração por ti bateu
Chuva nenhuma caiu
Mas meu amor por ti surgiu
Lugar em que sol nem cresceu
Meu romance nasceu
E contigo ele fugiu
Então meu coração triste se partiu.
Água estilhaçando as vidraçarias, invadiram o quarto com extrema violência, inundando nossos corpos, na missão de afogar-nos. Neste momento, notei que não importa quanto dinheiro tenhamos nos bolsos, eles não se tornarão botes. E não importa a falta deles, não nos deixam mais leve.