Coleção pessoal de RenanPF

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Um dia eu descobri no céu
que as estrelas, ainda que
distantes, são capazes de planejar
bons momentos aos amantes.

Trilham com estes o caminho
das flores, e navegam juntos
sobre os mares de rosas que
banham os inícios dos amores.

Depois as estrelas deixam de
perturbar a harmonia dos casais,
mas nunca deixam a fidelidade para trás.

Um dia eu descobri no céu
que as estrelas, ainda que
distantes, são como a Torre de Babel:

Lá do alto nos espiam,
desvencilham-se na noite
para livrar o amor do açoite
que é este mundo-carrossel.

E mesmo que as luzes da
civilização por ora as ocultem,
(parecendo apagadas) elas
sempre estão a brilhar.

Sacudindo essa nuvem de luzes, com
a esperança o amor pode contar.
Pois se preciso for, do céu elas
caem – para deste mundo ser
as estrelas-cadentes do amor.

E sendo o relacionamento um túnel rumo ao céu,
no fim, a estrela do amor (acesa sempre) estará.

E, sem pensar,
tombado em espasmos da alma,
dolorosas palpitações por detrás de um dos lados da caixa de ossos,
onde dilacera-me esta dor contagiante;
a fúria atroz que me atinge submetendo-me ao delírio imortal - sim!
ele aqui permanecerá,
delirarei quando me convier,
e se achares desnecessário...
tente sentir o que sente a carne,
pensar como pensa um compositor desafiado pelo destino,
morrer como morrem os mártires,
viver o que vivem os miseráveis,
nascer como nasceram os ancestrais...
e se um dia entenderes o que me causa esta dor,
tão somente esqueça-a.

– Se os meus olhos te guiam, então não há motivos para dúvidas...
Algo não encaixava. Aquele sorriso timidamente meigo, aquele brilho no olhar... – apesar da boa imagem, transmitia um desconforto maleável.
– Não são dúvidas. Acontece que...
– ...ainda não aconteceu! Nós não nos permitimos a isso; ainda não. Mas isso pode m...
– ...mudar! Claro! Mas nem tudo é um presente recebido ao acaso. Por vezes distribuímos falsas esperanças em ações imperceptíveis, enquanto outros aproveitam e nos pregam uma peça.
Tudo isso, toda essa palpitação recíproca, só fazia reacender uma chama: uma brasa provocada há anos e que não teve oportunidade de se alimentar, e crescer. Mas lá estávamos nós...
– O que falta para você tomar uma posição?
– Falta coragem. Falta determinação. Falta...
– ...você! Falta você! – interrompi, numa atitude súbita, porém consciente.
Emudeceu. Em seus braços, em sua nuca, o arrepio. Em sua expressão o calor. Em seu coração o pausar. Em seu estômago o congelar – o derreter.
Respirou fundo.
Nada poderia cancelar aquele momento. Nem o vento gélido que começara a nos tocar. Tampouco as grossas gotas de chuva fria que se puseram a cair.
Ela estremeceu.
Ao nosso redor: nada. Somente o gramado impecável e a cerca de árvores que imitavam um vão numa mata artificialmente fechada. Fora uma mudança no tempo – somente isso; antes o calor do esquentava a alma – agora o vento e a chuva apaziguavam o conflito interno.
Seu telefone tocou:
– Não me procure mais!
Desligou.
Sentou.
Encolheu.
Chorou...
Alegria? Tristeza?
Satisfação? Pressão?
Não importava!
O que agora importava era que a nossa Muralha-da-China viera abaixo. Tudo o que eu queria, tudo o que eu precisava, era protegê-la...
Tirei a minha camisa. Fui a sua direção. Agachei junto a ela enquanto lhe abraçava com a camisa tentando protegê-la.
Ela me fitou nos olhos.
Retribui.
Meu olhar desceu até focar os seus lábios enquanto minhas mãos involuntariamente largavam a camisa já encharcada.
Aproximamo-nos.
Seus lábios se moveram com a suavidade de uma flor:
– Eu t...

...acordei.

SONETO AO POETA


Escrever?!... É ainda uma aventura desnecessária
que eu poderia substituir por qualquer outra mortalha.
Rabiscar palavras fingidas, que nada significam em
sua abrangência interpretada ao entendimento de ninguém.

Qual a razão deste culto clichê? O porquê da adorável função
dos sentidos impostos em entrelinhas que palpitam no coração?...
E quanto à transmissão da mensagem duramente planejada
e a necessidade de versificar estas palavras calejadas?...

Mas que é do suor escorrido que se desenham as belas letras,
as palavras – incógnitas desvendáveis –, e o sabor é diário;
o cotidiano que é indispensável ao bom gosto dos literários.

Pois as palavras não morrem, nem viram veredas.
Revivem-se a cada página virada, a cada minuto perdido;
escrever é dom da alma – que faz sorrir ao aflito.

E mesmo que eu não fale, não interprete ou não entenda, isto diz muita coisa!

SONETO LASCIVO

Em um poço atroz revestido de luxúria
eu mergulho, em insanidades, todos os dias
profanando o mandamento sagrado e a carne sã...
Tornando-a despedaços, lugubremente fria.

Abro os portais para o dia funéreo
em que a lascívia corromperá os fiéis;
maldições, preces ressoam em gritos dolorosos
iniciando a sombria inversão dos papéis.

E nesta luxúria sou um impávido soberbo;
impetuoso seguidor dos prazeres da carne,
onde qualquer idólatra se torna um homicida.

"Porque tudo o que há no mundo -
a concupiscência da carne, a concupiscência
dos olhos e a soberba da vida [...]".

AMBIGUIDADE

É incrível a sensação de aqui
poder senti-lo e, da maneira
menos abrupta, encontrar a
paz que sempre me foi desejada.
Desfrutar das lembranças que
coroam os sentimentos bons e
pelejar para que esta permaneça
até que terminem os meus dias.
Todavia, as coisas não são como
Queremos; a banda não pode tocar
Ininterruptamente. Você não se faz
presente hoje, mas esteve ontem comigo.

UM ABRAÇO, UM OLHAR, UM BEIJO!

Quão belos são estes teus braços!
Os doces deleites do Paraíso;
a soma das dádivas que preciso
encontro-as na ternura de teu abraço.

Suave o brilho dos olhos meigos
delineados pela perfeição dos traços
segue, penetrante, ao encontro dos lábios
onde, juntos, formam um contexto:

Unidos – em um beijo
seremos uma forma
do mais puro desejo;

Unidos – sim!, eu arquejo.
Pois o teu amor me transforma
e, de paixão, eu fraquejo.

Tudo está nos trilhos, você me faz bem... Para que a pressa se posso aproveitar cada sorriso seu?
Sentindo-me sozinho lhe procuro e encontro a paz... Para que pular os estágios se posso desfrutar de cada momento ao seu lado?
O pudor, recíproco - sim, recíproco! -, aquece a minha alma... Para que permanecer gélido se há uma chama que se chama paixão?

Não sei e nem pretendo encontrar definição, mas para quê? Se eu certifico tal sentimento, não existe motivo para definições posteriores. Ainda que tornem-se póstumas estas memórias, permanecerá vivo o amor nascido no coração. Não importará qual verme roerá primeiro minhas carnes frias, qual das caveiras serei eu... Para para que preocupar-se com isto se eu posso simplesmente deixar que tudo aconteça naturalmente?

Entenda, portanto, que independerá a circunstância. De nada valerá a prova. Inúteis serão as tentativas de eternizar algo que um dia se finda; mas que enquanto perdura, afronta a oposição, dá cabo da melancolia e alegra o coração.

Pois que, para mim, tu és flor de raridade comprovada, encontrada somente nos bosques reais de difícil acesso. Eis que, metaforicamente, este bosque tornou-se a minha vida e esta flor desabrochou. Com o aroma de devaneios agradáveis e o tamanho ideal ao repouso no coração. Um quadro do pintor mais detalhista, artista clássico de uma paixão ora semente, ora arvoredo; ora pudor. Tua cor eleva o olhar às mais profundas depressões, aos mais altos planaltos, ao arco-íris que aqui começa e se finda acolá, num infinito próximo de passos distantes e entrecruzados.
Sim!, isto é para tu que tornas os dias a paixão primogênita do proprietário deste referido coração. Qualidades, defeitos? Danem-se todas as mesmices; tu és assim, com a ausência destes e transbordando aqueles.
Tu és a rara flor de meu jardim!

A Minha Hipócrita Vida

Minha vida tornou-se íntima da solidão e,
desde então, tudo e qualquer coisa que eu faça,
é simplesmente inútil.
Por diversas vezes sustentei a ideia que a vida
é perfeita e incapaz de promover sofrimentos e ilusões
àqueles que a prezam.
Contudo, independente da devoção por mim exercida,
a vida me privou o amor.
“Tão rude e tão inescrupulosa foste, Vida!
Iludindo-me com esta mulher que jurei amar
com a vida como prova;
esta mesma vida a qual me jurou eterna felicidade
traiu-me com a mais lavada das faces?!”Sim [..]
Abrasando a efêmera constância de um amor eterno e voraz
que um dia incendiou-me. Mas agora,
como tiro-de-extintor o combate, fazendo-o casto e gélido;
por aquela que primeiro me amou
e agora me abandona como quem jamais me conheceu,
adulterando a vida fiel e tornando-a uma eterna falsa prece
que não será ouvida nunca.
Agora,
sofro por esta reminiscência exasperada que me lateja a alma.
Tenho a certeza de que esta lembrança me perseguirá
a felicidade até o findar de meus dias e,
por mais ignoto que o seja, o pesar que fica,
é a única realidade existente: abandonou-me um grande amor;
o amor da minha vida!

Medo? Nem sempre, mas que poderíamos facilmente vencê-lo.
Não!, costumes não nos definem e nem nos capacitarão a amar; senão a convivência, a inteligência, o gostar, o querer, o permanecer, o confiar e, o mais importante, o também-amar!

O queísmo nosso de cada dia

– Por que você some sem ao menos dizer por quê?
Por que você repreende seus instintos sem mais porquês?
Por que você renega os sentimentos, por quê?
Por que você me deixa na mão,
não me procura, não me diz o porquê?

– Para que eu apareceria
sem ter um porquê?
Para que eu permitiria
que meus instintos aflorassem
sem ter seu porquê?
Para que utilidade seriam esses sentimentos
sem todos esses quês?
Para que eu o procuraria,
Compareceria, por quê?

– Para que a minha vida
se completasse ao seu lado,
e que meu coração
entrasse nesse seu embalo;
para que assumíssemos a responsabilidade
de andarmos juntos por toda a cidade.
Para que vivêssemos em compatível ternura
e que nos tornássemos amantes de alma pura.

– E que desejas mais de mim,
sem mas e porquês,
se dentre os vários buquês
que recebi estavam as cláusulas desse amor.
Encontre uma maneira de eliminar os quês,
de acabar com todos os meus porquês;
faça-me este favor...

– Pois que por você eu tudo faço.
Retiro algemas, grilhões;
retiro fendas e me refaço.
Que o futuro abrilhante-se
diante de nós
e que possamos em harmonia
viver os mais longos dias;
acompanhados
da euforia dos mais largos passos,
vencendo gigantes espaços,
desatando todos os nós.

The Rock In My Life


‘Yeah’!
Eu ouço “rock”. Qual o motivo do espanto? Você que insiste num discurso contra o preconceito, não acha preconceituoso me julgar por ouvir um gênero musical que não é de seu gosto? Pois saiba que sou “rockeiro” sim, e não é por isso que devo ser necessariamente um viciado em drogas. Não é porque algumas músicas falam de Satanás que sou adorador do Diabo e tenho um pacto com o Demônio! É desnecessário ter medo de mim por usar branco ou rosa e eu de preto ou cinza; não te machucarei. Não é por ser “rockeiro” que sou um maltrapilho fedido, e nem é por isso que não possuo o direito de usar um bom perfume...
E digo mais: encontrei no “rock” as críticas mais construtivas cantadas, as mais incríveis lições de vida e caráter, as melhores chacinas, os rituais instrumentais mais profundos e assustadores; ao som de uma ‘eletric guitar’ com o acompanhamento de um assovio suave e uma ‘battery’ com marcantes batidas, aprendi as mais belas histórias e estórias de amor...
Não sou obrigatoriamente satanista por apreciar símbolos, caveiras e cruzes, por ler e assistir ao terror! Não lhe matarei para beber o seu sangue e oferecer sua alma aos espíritos das trevas; mas que às vezes sinto essa vontade eu não posso negar.
Eu jamais te crucificarei por carregar uma Bíblia no suvaco e apresentar suas crenças a mim. Contudo respeite a minha crença e descrença, minhas visões e opiniões. Eu te ensino uma lição enquanto você me julga por te ignorar: respeito-lhe hoje, e sempre!; Palavras bonitas não reduzirão a minha capacidade de ser grosseiro ao estremo, quando necessário...
A sociedade necessita de seres pensantes. Posso ser um deles, e você também! Por isso não é necessário me excluir e recluso permanecer. A hipocrisia social obriga-nos a afastar-se, mas nem por isso eu deixo de “contribuir” para o ‘growth’ do Brazil.
[...]
Você recebe o meu respeito. Portanto, respeite-me!
Respeite-nos!
Não quero ser como você, tampouco o contrário, mas quero a sua mente aberta para o entendimento. “Rock” não é somente para curtir em um evento anual que passeia pelo mundo. “Rock” é eterno para os ouvidos, o coração ‘and the soul’!
A propósito, a alma e a eternidade existem? Sendo coisas que somente ‘One’ pode explicar, porque este não as justifica?
[...]
Não somos os melhores, mas somos capazes de evoluir a cada volta!

A AMIZADE EM VERSOS

Pois a vida é assim:
Uma hora te alegra,
Noutra te estressa...
E tu te perguntas:
"O que será de mim?".
Mas te peço que te acalmes.
Foca nas perspectivas para o futuro,
Faças da felicidade teu porto seguro!
Viver a vida?, sim! isto faz bem!
Prove e diga à infelicidade:
"Eu posso ser feliz também!".
Sinta-se bem aconchegada
Em minhas sinceras considerações;
Que a alegria seja a precursora de sua caminhada.
Despreocupada! com o afeto em fartas porções...
Que a amizade dure e a confiança se eternize.
Que o pano sobreviva ao tempo traiçoeiro;
Que a cruz marque, impávida, o sentimento pioneiro.
A mensagem aqui eu deixo:
"Sempre que necessitar,
Procure-me, sem hesitar,
Te aconselharei!
Em tudo te ajudarei,
E de brinde ganharás um abraço
E um casto beijo!".

O pincel, o quadro-branco e a tinta;
A caligrafia e o compartilhamento.
As idéias, o debate, a conclusão:
Das histórias, o embate. Encantamento.

Estudante, papel, caneta;
Paixão, momento, inspiração.
Partituras, violão e palheta,
Roberval compõe “Marieta”,
Carinho. Fascínio. Canção.

Lisonja, Mara, alegria,
Roberval, Realismo, Machado.
Satisfação. Realização, trabalho.
Estrada, trânsito; moradia.

Chave, porta, chinelos.
Banheiro, alívio! Saiu.
Pijama, cama, reminiscências.
De Machado: Helena; condolências.
Cansada, virou, dormiu.

Guerreiros por razões de vida e morte, os seres humanos mostram-se capazes de amar mesmo diante da rejeição.

SANGUE NA CRUZ


– EU NÃO CONHEÇO NINGUÉM COM esse apelido, mãe. Foi só um sonho, ou um pesadelo. Não era nada com que deva se preocupar. Eu nem me lembro do sonho.
A tentativa de justificar seus gritos falhou. Suzane não era tão ingênua para crer que não havia nada de errado no comportamento da filha; não depois do último sábado.
Os princípios fundamentais da convivência lhe diziam que, para uma pessoa mudar sua personalidade sem nenhuma justificativa aceitável, seria necessário um motivo bastante condizente com a situação em questão.
Quanto a Morgana, ela não podia tirar conclusões para si. Ela conhecia perfeitamente a filha.
– Morgana, por favor, me conte o que está acontecendo. Impossível não ser nada! Quem esteve aqui com você na minha ausência? Sua cama está na sala de estar!
Suzane havia conectado-os-cortes dos acontecimentos recentes. Sua filha abusava de um comportamento estranho desde a tarde de seu sumiço. Era sexta-feira e toda a semana fora desconcertante naquela casa. Caminhando com a lógica, para que a cama de Morgana estivesse na sala de estar, seria necessário desmonta-la e monta-la novamente; a casa era ampla e o quarto de Morgana ficava no fim do corredor. Elas não possuíam nenhuma ferramenta. Portanto, para que a mudança acontecesse alguém deveria dar o empurrão necessário.
O que aconteceu aqui? Por que minha filha está tão estranha? Será que falhei em sua educação? Sim. Eu devo ter falhado em algo. A culpa é toda minha!

O mar estava estranhamente calmo. O clima estava agradável. O fluxo de pessoas aumentava àquela hora da tarde. Perseguidor, sempre usando preto, caminhava tranquilamente.
Deniel Sanders, o Perseguidor, seguia para uma reunião de trabalho. Mais adiante, na orla da Praia da Costa, no que podemos chamar de restaurante chique, Carlos Margon estava a sua espera.
Cinco minutos seguiram até a mesa 10 do Opallazi Gourmet.
– Boa tarde, Sr. Margon!
O cumprimento de Deniel foi acompanhado de um belo sorriso relações-públicas; intencional à conquista de uma melhor posição do diálogo que estava por vir.
E viria.
– Sente-se.
Margon era um homem autoritário. Um metro e meio de altura, olhos verdes e orelhas grandes. Era feio. Usava um terno chumbo com uma calça preta, uma camisa também preta em gola V. Assim como Deniel, era careca.
– Pois não, Sr. Margon.
– Conte-me o que aconteceu desde o último sábado.
– Eu tenho observado a garota, Sr. Margon.
Sr. Margon suspirou profundamente e, antes de responder, fechou os olhos.
Por que este puto não vai direto ao que interessa? Otário!
– E...?
– A menina mora em um bairro simples no município de Cariacica, é alegre e gosta bastante de músic...
– Quero saber se a pestinha abriu o bico.
– Não, Sr. Margon. O nosso Nome da delegacia contatou-me dizendo que a mãe de Morgana Sorans, Suzane Sorans, prestou queixa do sequestro e exigiu uma investigação para o caso. Marcus Brass, que estava com ele na delegacia, rapidamente seguiu até a casa de Suzane para fazer algumas perguntas à menina e vistoriar a residência. Ela respondeu a todas as perguntas sem nenhuma dificuldade aparente. Mentiu sobre o sumiço e disse não recordar das feridas.
– Cachorra!
Carlos Margon pensou por um minuto antes de disferir uma retórica.
– O que se passa na cabeça dela?
– Suponho que ela tenha gostado da experiência, Sr. Margon – disse com um quê de eu-sou-o-tal. – A menina não reclamou à dor e não sentiu o corte.
Era verdade. Ele recordava perfeitamente. A experiência não havia sido marcante somente para ela. Ele não conseguia esquecer a maciez daquela pele. Ainda ouvia os gemidos calorosos de Morgana. Ainda sentia aquele sabor maravilhoso. Jamais se esqueceria dos momentos em que Morgana olhara profundamente em seus olhos. Aquele olhar penetrante que o estudava e ao mesmo tempo lhe pedia algo ainda mais intenso.
Como se estivesse cegamente apaixonado pela sensualidade da garota de dezesseis anos, ele ainda desejava mais daquele corpo. Sentia prazer em seus pensamentos. Adorava rever em seus pensamentos a imagem dela amarrada e amordaçar, ouvir o estalar do chicote, os gritos abafados, a pele estremecendo.
– No ritual, quem estava com você?
– O próprio Marcus Brass. Ele estava na gaveta e realizou o corte com precisão.
A cama em que Morgana estava amarrada era uma fabricação exclusiva da CASTIDADE usada somente em rituais da seita. Era revestida em aço inoxidável e possuía uma espécie de gaveta, onde um membro aguardava o momento da execução de sua função.
– Qual a quantidade aproximada de sangue recolhido?
Para que o ritual obtivesse sucesso, era necessário que recolhessem um dedo de sangue da vítima.
– Cerca de dois dedos, Sr. Margon.
Excelente!
– Deniel, Marcus notou algo na casa que para nós é familiar?
– Sim, Sr. Margon. A casa possui um crucifixo para cada cômodo, mas no quarto da menina, o crucifixo de sua cama estava invertido.
– Ótimo trabalho! Agora se retire.
Carlos Margon estava sorrindo como se acabasse de descobrir a sensação de estar contente.
Normalmente era um homem sério, de poucos amigos. Impaciente e controlador.
Que maravilha!

Suzane Sorans era uma mulher apegada às suas crenças. Não frequentava regularmente as missas, mas seguindo conselhos do Padre José Paulo Spinnotza, rezava em cada uma dos crucifixos dos cômodos de sua casa. Nos móveis, algumas miniaturas da santa de sua devoção. Ela limpava a cada um destes objetos sagrados com um zelo invejável. Mas, especialmente nesta semana, ao limpar as cruzes, elas estavam invertidas. Essas imagens a estavam assombrando quando retornou de seu devaneio.
– Morgana, como sua cama veio parar aqui?
Cabisbaixa, Morgana ergueu lentamente o olhar.
– Sozinha.
Um mísero sorriso surgiu no canto esquerdo dos lábios de Morgana.
– Quando?
Morgana estalou o pescoço e os dedos.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze.
– Esta noite.
Ela levantou a cabeça enquanto tentava esconder o sorriso.
– Mamãe, olhe – apontou com o dedo indicador para o corpo de Cristo no crucifixo que estava na parede do corredor.
Ao olhar, o corpo do Salvador estourou em mil pedaços.
Morgana gargalhou.
Assustada, Suzane virou-se para o crucifixo na cama da filha enquanto fazia uma prece.
– Pai nosso que estais n...
Estava invertida.
O som dos estalos repetiu-se em sua consciência.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze.
Ela estendeu a mão para colocar o crucifixo na posição correta e ao toca-la, seus dedos umedeceram com um líquido vermelho.
Era sangue.

AS FORMAS DE AMAR

Dentre todas as pessoas do mundo, por que você?
Será que mereço estar ao seu lado para que em minha vida se concretize a lição de estar próximo a alguém, ou então tudo conspirou para que nos encontrássemos e somente então nos foi possível entender o valor que possuímos?
Todos um dia erramos, mas também todos os dias nós aprendemos! A vida, por mais difícil que seja sempre nos deixa a alternativa de seguirmos por dois caminhos e cada um possui seu trajeto predeterminado. Sendo assim, resta escolher por onde devemos trilhar e prosseguir... O caminho que escolhi me surpreendeu, pois de tudo que imaginei encontrar, achei você: pequena, mas tão grande, porém frágil... às vezes triste. Enfim, me prontifiquei em ajuda-la.
A tarefa não foi fácil, mas caminhando como caminha o relógio, a diferença aos poucos se tornou notória.
Hoje eu encontro alguém completamente diferente, com gosto diferente, roupas diferentes, sorriso diferente... Contudo, o que sempre existiu de mais incrível permaneceu. O brilho que um dia existiu naquele olhar é o mesmo que todos os dias eu vejo e faço questão de recordar.
O olhar de uma pequena menina, de uma grande mulher. O olhar de alguém que um dia pensou em desistir e que hoje encontrou no desabrigo, a esperança de um novo dia chegar. O olhar daquela que muito sofreu, mas que hoje apesar de toda a dificuldade, fez com que este mesmo olhar reluzisse.
Dentre todas as formas de amar...
Esta declaração é pra você, menina-mulher-moça, que não se deixa abalar com as ilusões que o caminho que trilha lhe remete; que não força a barra e que dentre tantas curiosidades, investigou certo amor. Descobriu, dentre tantas descobertas, o poder avassalador de um sentimento que agora lhe demonstro: o amor!
Nunca deixe de prosseguir por este caminho que a levará para um lindo jardim de raras belezas. Permaneça sempre com a convicção de que o amor a levará aos mais altos montes e lhe apresentará diversas riquezas que no mundo, jamais encontraria. Jamais deixe que este brilho maravilhoso de seu olhar se apague, pois hoje ele é inútil, mas amanhã iluminará seus caminhos quando não houver ninguém para lhe guiar na escuridão dos sentimentos. Então se lembrará de minhas palavras e entenderá que o amor não acontece somente nas melhores famílias, mas nos melhores corações...

O amor não acontece somente quando um casal se junta, quando uma criança nasce ou quando reconhecemos a importância que Deus tem nas nossas vidas, mas sim quando reconhecemos que amigos também são frutos deste amor, que apesar de qualquer deficiência na estrutura, alimentam a felicidade de todos que a compartilham. Amigos também proclamam o amor!