Coleção pessoal de ranish
Tempos dos salvas-e-pegas,
dos tiriricos,
das belingeranças na rua de baixo.
Das duas mil estórias
por debaixo do pé de oliveira.
E dos medos
das almas escondidas
nos escuros
das beiradas.
Saudades duma infância
ubicada a vinte mil léguas
daqui, no meu passado
de moleque triste.
Farfalham a cabeleira da pata -de-elefante, o abacateiro, o pé-de-jabutica...
Chuveriscam gotículas mágicas no céu de setembro.
Atônito, eu respiro o vapor molhado da tarde,
baloiçando na rede da varanda. Lá-e-vem a verdosa esperança
me colorir os meus olhos de outono,
já-e-vem-vindo uma alegria àtoa, me empurrando pr'algures
tanta desilusão sedimentada.
O gado ri
e a vida na roça segue,
alheia a qualquer vão vaticínio.
É domingo.
Outro, nos anais da freguesia de Santo Antônio do Lageado.
Deitado na rede,
no lusco-fusco do chove não-chove.
O vento balouça a cabeleira das guarirobas.
Eu?
Regurgito passados.
Caminhava atrapalhado pela terra arada,
na cabeceira do Piancó.
As minhas botinas tossiam poeira.
Mais de vinte dias de veranico desde o plantio.
Eu chorava os adubos e sementes adormecidos
na terra seca;
remoía, triste, os prejuízos iminentes,
quando estampidos de arcabuz
ecoaram no longe.
As nuvens de algodão foram empalidecendo
com os ventos atropelados, lá das bandas do Cachoeirão.
Num risco eles já penteavam angicos e sucupiras.
Enegreceu.
Corri de volta, sobre os meus calcanhares,
pra juntar a tralha.
Deveras que vinha uma borrasca.
E veio.
Quando entrei na cabina eu já estava empapado.
Meu chapéu goteirava alegrias.
Fiquei ali, protegido,
apreciando aquela beleza líquida.
Escorriam sorrisos dos meus lábios.
E assim foi um pedaço alongado de hora.
Aproveitei pra abrir o caldeirão: almocei como um padre
porquanto lá fora tudo era água.
Quando amainou fui conferir a felicidade empoçada
no desnível das curvas:
bastante.
Agora é esperar o broto, pensei.
Na volta a D20 rabeava, parecia dançar
o hit do Gene Kelly.
E, ainda essa vez, a esperança voltou
pra colorir o horizonte dos meus olhos.
Apenas penso
que o sentido da natureza
humana (e das coisas, e de tudo)
está na impermanência.
Mesmo nossas vidas
são temporárias.
Estamos só de passagem
pelo mundo
e pelo mundo das pessoas.
O átimo da felicidade
é o desconhecido.
Quando a chama da surpresa
se apaga,
também finda
o amor.
Assim simples.
Plantar
implica na probabilidade
de haver colheita;
não plantar,
na certeza de que
não haverá.
Já semeou
alguns sonhos hoje?!
Àquele que carece
de coragem
para desacreditar do mensageiro do vento,
do apanhador de sonhos,
que, ao menos,
vista o pijama da lucidez.
A humildade
é uma terra fértil
onde se cultiva
a consciência.
Apenas uma pessoa necessita conhecer
méritos e deméritos:
você mesmo.
Você só consegue ver
o seu mundo
estando fora dele.
Olhando de lá tudo fica
mais simples
e definido.
Suas opções, e mesmo
suas aptidões,
ficam mais claras.
Elucubrações.
Eu também gosto
de subir
e descer escadas,
abrir
e fechar cancelas.
A adaptação nos
mantém vivos,
mas é a dúvida
que é o motor da consciência.
Uma linha tênue
separa
a loucura da
genialidade;
o heroísmo do
banditismo.
Essa linha
se chama 'sucesso'.