Coleção pessoal de raimundinho

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"Sou sertão! Nasci sertão e vivo sertão! Corre, em minhas veias, a seiva vivifica das catingueiras, dos angicos e dos marmeleiros! Detenho, impregnado no faro, o cheiro consistente do mufumbo a perfumar a vasta e desamparada caatinga que se estampa ao meu olhar."
Raimundo Cândido

Bodega

Às vezes, no rústico balcão
de velha tábua enegrecida
o tempo parava…
Às vezes, o vento passava
e o papel de embrulho acenava
convidando o cliente
a absorver o aroma
pungente de couro curtido
que se irradiava no ar…
Só a velha balança parada
com os pratos vazios
ponderava o que havia
de sabor no denso langor
de algo invisível a indicar
que a tarde se dissipava
pesarosa a chorar…
E quando vinha freguês
Antonio, Maria ou João
de caderneta na mão
fiava o açúcar, a farinha,
num embrulho feito com arte
com dedos magros da mão
de um bodegueiro artesão!

"Pela janela em que vejo o mundo a girar, sintetizo uma luz mítica com o pó real da vida e alterno os elementos concretos com os entes abstratos de um
céu azul, colado ao cinza da terra que compõem a natureza cósmica a configurar todo o paradisíaco ar que respira meu ser."

"Pela janela em que vejo o mundo a girar, sintetizo uma luz mítica com o pó real da vida e alterno os elementos concretos com os entes abstratos de um céu azul, colado ao cinza da terra que compõem a natureza cósmica a
configurar todo o paradisíaco ar que respira meu ser."

Deixe o amor enterrado!

Não ressuscite o amor
que um dia foi vida,
deixe-o lá: enterrado!

Quando se exuma
algo tão forte
que um dia morreu

ele reflorirá
desbotado
numa flor dorida

na magoada
relva cinzenta
do tempo passado!

Silêncio

Tudo é muito pouco para
o limite do silêncio insaciável
que se expande em cúpula
côncava e contínua a mim.

O silêncio, como a solidão,
é um pano de fundo para
a presença de um duro roer
de murmúrios segredos

que se refletem bem mais
sutil na escuridão que na
pele da luz assim silente
que cai em límpido orvalho.

Mesmo agora, o silêncio
de meu olho é pura brasa
que se revigora ao sopro
de um violento sussurro.

Caricatura agreste

A suposta teoria
é a da luz remota
absorta na simulação
branda e silenciosa
do solene mistério.
E vem de muito longe
amoldando a face
lapidando a imagem
tristemente cômica
fosca, fluída e feia
como água dos córregos
em lápis de giz,
rabiscando com gás,
com faísca elétrica
o rude contorno
tosco da caricatura
de risível forma
de aroma agreste
da agoniada alma.

Abutres


Então patrulham
o indelével rastro
das visagens que
se diluem aos abutres!

Então farejam
o odor mórbido
do último suspiro que
se avigora aos abutres!

Então grasnam
transcendentes
ao pendor fúnebre que
se oferta aos abutres!

Ultimamente,
tenho carregado demasiado peso:
ausências indefinidas,
presenças indesejadas
e saudade de um doce sal
que jamais provei!

A minha ingênua visão
é uma brisa sem crinas,
em ardil vaidoso
que se arrefece
para o turbilhão
de eólicas trombetas
em lascívia sedução!

Meu olhar é um anzol
para enigmas imersos
no líquido espelho do ar
onde os cardumes vicejam!

Mas a barata é um patife
covarde no ínfimo ato,
passa sebo nas canelas
ao pressentir meus sapatos!

Tudo é muito pouco para
o limite do silêncio insaciável
que se expande em cúpula
côncava e contínua a mim.