Coleção pessoal de rafaelnovaes
Se você assume que não existe esperança, então você garante que não haverá esperança. Se você assume que existe um instinto em direção à liberdade, então existem oportunidades de mudar as coisas.
Diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um imenso prazer para mim dividir um planeta e uma época com você.
Órion
A primeira namorada, tão alta
Que o beijo não alcançava,
O pescoço não alcançava,
Nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.
Luzia na janela do sobrado.
Talvez haja um grande fogo em minha alma, contudo ninguém jamais vem aquecer-se nele, e os passantes só veem uma fumacinha saindo pela chaminé e seguem seu caminho.
Redundâncias
Ter medo da morte
é coisa dos vivos
o morto está livre
de tudo o que é vida.
Ter apego ao mundo
é coisa dos vivos
para o morto não há
(não houve)
raios rios risos.
E ninguém viver a morte
quer morto quer vivo
mera noção que existe
só enquanto existo.
Sorria!
Deposite aqui. Aguarde. Ficha no caixa. Leve três. Aceitamos todos os tíquetes. Só com RG. Não pise na faixa. Pague dois. Por quilo. Facilite o troco. Até o vencimento. Débito automático. Fila única. Não tem chave. Não insista. Crédito obrigatório. Confira. Buzine. Conforme instruções. Relaxe. É lei. Digite a senha. Silêncio. À vista. Visite nossa cozinha. Senha não confere. Obrigado. Atenção. Em jejum. Fale com nossas operadoras. Não desligue. Por favor. Não perfure. Cuidado. Não rasure. Pare. Não amasse. Bloqueado. Deseja salvar? Sorria! Você está sendo filmado.
Aos vícios
Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não, por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?
Uma só natureza nos foi dada;
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou, e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais outros adversos.
Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
calem-se os mais, chiton, e haja saúde.
(Trecho do poema Aos Vícios)
Latifúndio
Não quero mais me lamentar
mesmo porque
não tenho mais de quê.
Se o sabiá voou
ficou-me o bem-te-vi.
Se o amor acabou fica o estamos ai.
Eu tenho a grama do jardim
e mais,
tenho-me a mim.
Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
Faca é faca
Pão é pão
Fome é fome
Amor é amor
Estranho desígnio das coisas
De serem exatamente elas
Quando as olhamos sem paixão.
Eu coberto de pele coberta de pano coberto de ar e debaixo de meu pé cimento e debaixo do cimento terra e sob a terra petróleo correndo e o lento apagamento do sol por cima de tudo e depois do sol outras estrelas se apagando mais rapidamente que a chegada de sua luz até aqui.
Balanço
A pobreza do eu
a opulência do mundo.
A opulência do eu
A pobreza do mundo.
A pobreza de tudo
a opulência de tudo.
A incerteza de tudo
na certeza de nada.
Eu sou assim,
Quem quiser gostar de mim,
Eu sou assim.
Meu mundo é hoje,
Não existe amanhã pra mim.
Eu sou assim,
Assim morrerei um dia.
Não levarei arrependimentos
Nem o peso da hipocrisia.