Coleção pessoal de PietroKallef
Alzheimer
É um velho sem rosto
Sentir certos desgostos e falar coisas sem nexo.
É sala de estar, sem estar.
Ouvindo o chiado da TV e ser incompreendido por não recordar.
De pé, sentado ou deitado.
Pouco importa esse estado, sou um móvel de madeira.
Às vezes eu entendo o rumo da conversa, mas conduzo a imbecilidade para não transparecer a rara lucidez.
Não quero histórias de ontem, quero que o sol hoje apareça e toque a face quieto.
Pode invadir meu corpo, mas deixem minha alma.
Não me perguntem nomes e o que cada qual representa - isso me deixa irritado.
Posso agredi-lo com a bengala ou palavras duras, mantenha uma distância segura.
Eu também faço isso.
Sempre quero fugir daqui, porque me sinto preso.
Ainda tenho sentimentos, e sei discernir o amor de desprezo.
O fardo é pesado e lhe peço por favor.
Não se recorde do que me tornei, apenas tente buscar uma lembrança boa.
Uma que te faça sorrir.
Despeço-me antes que eu esqueça.
Estou aqui sentado na varanda, venha me ver.
Sei que não é hora de comer, e digo sobre me abraçar fora das obrigações.
Te quero assim, involuntariamente.
Amanhã, se eu ainda estiver leia este bilhete, não para me fazer relembrar o que escrevi.
Sim, para te fazer sentir que eu existo.
Mudar é um ato de coragem. Um pulo sobre o penhasco e se deixar sentir um frio na barriga e não pensar muito o que será nas terças e sim desejar o que de melhor aconteça. Ficarão sapatos pelo caminho e algumas pessoas também, não é possível transportar todos na jornada, simplesmente porque a escolha é uma variável particular. Descobrir o que brilha os olhos, o que faz sorrir sem motivos, que te desperta todas as manhãs com disposição é um anseio natural, não desista de encontrar esse sentido. Existem coisas que te atravessam, não se deixe despedaçar, junte todas as suas experiências e faça delas sua marca aparente, não se envergonhe, porque mudar é um ato de coragem.
Quero pedir perdão pela mentira, pela força da expressão em meus atos. Eu não queria lhe dizer porque sempre soube que reagiria assim, foi por medo, apenas por medo. Eu não vou esconder que com pesar dói o peito e as mãos enfraquecem, e tens todo direito de sentir raiva. Quando passo por sua cidade me dá vontade de mudar a rota e bater à sua porta e lhe dar um abraço de quebrar os ossos. Mas por medo, apenas por medo não faço. No feriado enquanto tomava meu café bateu uma loucura súbita de querer ligar e pra passar toda essa angústia fui correr, correr de mim mesmo talvez. Cozinhei carbonara e coloquei o seu prato na mesa e imaginei os seus comentários sobre a comida e a semana, aliás sempre imagino o que acha das coisas, pois, ainda não sei ser sem você. Meu maior erro foi não te mostrar tudo o que eu sou, mostrei a melhor parte, e a melhor parte tem defeitos, deveria ter lhe contado esse segredo, mas todos tem os seus e não achei necessário mostrar-lhe. Não se demore a decidir se irá compreender ou esperar que na minha partida brote sentimentos bons, pois, não quero lembranças, aspiro momentos.
Você já não é tão mais jovem e eu nem tão tranquilo com a ideia de ficar sozinho durante às noites. Não esqueça de levar todos os seus livros e cheiros, gostos e risadas, pois, se elas ficarem eu não vou conseguir dormir e deitar meu corpo sobre o chão. Talvez você nunca tenha visto o que meus olhos lhe gritavam, muito menos o que minha boca trêmula desejava quando encostava na sua boca firme feito uma rocha. Se for um dia voltar e eu estiver na cozinha, apenas me ajude a preparar o jantar, não precisa dizer nenhuma palavra, porque, eu entenderei tudo, e dali pra frente seguiremos com as mãos entrelaçadas e o coração em paz, pois, saberei que essa guerra teve seu fim. Agora, se entrar e ver um vazio, sem a TV na sala e o shampoo no banheiro, será um sinal clarividente, uma mensagem subliminar da minha dor que não se conteve dentro de mim. Já começa a chover no jardim meu amor, e as flores antes destruídas de saudade, florescem. E se você não voltar pra casa, apenas, volte pra dentro de si e se lembre em segredo das manhãs onde o sol nos atravessava na cama e o seu sorriso se abria pra mim e lhe dizia: fica mais um pouco. Acho que estou ficando maluco em por reparo naquilo que vivemos, ou será que apenas eu vi tudo isso? Recomeço todo dia do mesmo ponto, mas tentando com fé que os finais sejam diferentes, e me resta suplicar ao tempo que me cure e me leve dessas recordações.
Se for pra me dizer que não quer mais, que não ama mais, que não deseja mais, que não sente mais, não precisa. Preciso apenas de reciprocidade daquilo que sinto, se já não se é mais, não diga, siga.
Queria apenas dias claros, porque quando cai a escuridão da noite, me vem uma vontade de ter você aqui neste manto estrelado.
Ele é como uma roda sem movimento, uma pedra bruta, um olhar cansado, uma vontade por vir, um desejo prestes a eclodir, uma capa que não esconde, talvez uma lágrima que escorrerá pela face adulta demais. Ele é como é, aliás nunca foi. Ele acha que o "muito" é muito, e isso o restringe de ir além de tudo. Ele diz isso, querendo gritar aquilo, nesta nova ânsia de continuar sem saber onde as coisas vão dar, mas eu sei onde elas irão terminar. Ele é de lua, porém, sem fases, uma monotonia aguda, uma dor que não se sente em mais ninguém, apenas nele. Ele vai ao trabalho e não olha dos dois lados da rua ao atravessar, ele gosta desses pequenos perigos. Ele se um dia for, ele será grande. Grande como o céu no seu infinito, pois, é isso que se torna quando se encontra a si mesmo, no meio das canções, dos poemas e das filas de supermercado: infinito. Ele nota simplesmente o sol que o atravessa pela janela do apartamento financiado em eternas prestações, mas, que seja essa a sua realização, a sua conquista universal e a dignidade ilibada. Ele é igual a tantos, porém, com a coragem de ser "ele", e é tão engraçado e desesperador, tão cruel e visceral, tão agridoce e sem nexo. Ele já não buscas tantas respostas e muito menos, tantas verdades, porque ele descobriu o que é ser ele mesmo. Me dê um copo d'água e um pedaço desse chão, firme e sólido. No campo "eu" ainda me importo, compro e finjo que vivo. Gosto de dançar sobre o meu corpo e circular sobre ele. No campo "você", ah! Não irás compreender.
A despedida
Me despeço do sorriso tímido, quase proibido, que surgia nas piadas mais idiotas.
Me despeço dos olhos cor de jabuticaba, e os devoro com apenas um piscar.
Me despeço do cheiro de roupa limpa e dos cabelos lavados.
Me despeço do toque dos dedos, que escorriam sobre meu corpo, sem nenhuma licença.
Me despeço da voz que me dizia frases sem nexo, mas, que se juntas, entre o que me dissera ontem e hoje, faziam certo sentido.
Me despeço das horas em que não fazíamos nada, porém, fazíamos nada juntos.
Me despeço das músicas intituladas como nossas.
Me despeço do chão da sala, porque, ao me deitar lá, sinto o frio e nada consegue me aquecer outra vez.
Enfim, me despeço de mim, pois, nunca existi sem você, e as lembranças e esperanças de um futuro, era o que mantinha minha alma viva dentro desta casca ensurdecedora. Já que o inverno se instalou definitivamente, resolvi deixa-lo seguir e conquistar tudo o que almejava. Não mande notícias, mande um adeus.
P.K.
Eu acordo e vou ao trabalho, quando retorno não há nada à minha espera. Acho que tenho cansado da rotina e do muro que construí para me proteger de algo que temo, mas ainda não sei o que é. Observo o caminho que todos traçam e acho incrível, porém, não defini minha rota, porque só sei andar pra longe. O amor me formou utópico e fiquei preso em algum capítulo que insisto ler todas as noites. Meu coração bate e a moradia é sombria em volta de você, eu só queria ter nas entrelinhas, odeio esse pecado que parece ser mais meu, queria saber como escapou deste julgamento. Meus joelhos não aguentam cair sobre o chão, porque as preces não desconstroem o que fiz e o perdão não me abraça como deveria ser.
Quanto aquela noite quente, eu ainda não me esqueci do que houve lá. Vejo a sua alma em volta da mesa e seu sorriso transbordou na taça de vinho quando derramou sobre a tolha branca um sangue vivo. Admirei os teus olhos e a dança que eles faziam ao abrir e fechar. O seu cheiro se misturava com o que a casa exalava, depois se misturavam e criavam um novo aroma, suave e agressivo ao mesmo tempo. Eu ficaria sentado te ouvindo todas as noites, porque, passei a ter desejos, e por isso, desejo que todos os dias sejam como essa noite. Quando suas mãos descansavam dos talheres os dedos corriam para segurar os meus e fui tomado por uma luz cor de fogo que desconsertava a minha órbita. No silêncio dava pra escutar a sua mastigação como se pudesse separar cada gosto dentro de uma única boca. Agradável foi cada segundo que ganhei ao teu lado, era como se eu soubesse que nunca mais se repetiria esse momento, porque, a minha felicidade é um instante e não sabes o quanto esperei por sentir essa alegria antes vivida. Não me leve a igreja, porque, não julguei pecado e jamais confessaria como o meu erro, pagarei o preço.
Não são palavras soltas.
Grite, dance, transpire, destrua, renove, reconstrua.
Despeça, reencontre, descubra, deixe, abrace, silencie, adormeça.
Respire, inspire, transe, ame, abandone, coma, chore.
Segure, caia, permaneça, desabafe, cante, compre, sorria.
Não são coisas bobas.
Dói tanto quanto o último beijo, tanto quanto a ligação que não atende, tanto quanto o perder, sem antes dizer o porque me faz sorrir, tanto quanto não encontrar meu doce predileto na geladeira, tanto quanto acordar sem rumo, tanto quanto a chuva termina no momento em que decidimos entrar nela, tanto quanto bater o carro quando se estava distraído, tanto quanto olhar para o lado e notar que não possuímos asas, tanto quanto não ter um poder sobrenatural de ler mentes e lábios. Dói hoje e amanhã também, pois, não o tenho nas noites de inverno com o cobertor sobre meu corpo e as mãos quentes sobre minha alma. Dói por saber que está do outro lado da cidade, mas é como se estivéssemos em países diferentes. Não está passando e isso só aumenta, dilacera e desconstrói os votos de uma vida eterna. A rotina é ensurdecedora e me faço de sombra para vê-lo sair do supermercado com os ombros leves e a consciência branda. Sigo porque é dever, mantenho a face límpida de lágrimas e vejo o vento me trazer novos ares e desejos. Aguardo tudo terminar aqui dentro, sem amargos e olhos caídos.
Ele
Ele não esqueceu o passado.
Ele chora em meio à travesseiros.
Ele acorda quando muitos se deitam.
Ele lê livros de suspense.
Ele gosta de comer brigadeiro.
Ele dá conselhos dos quais precisa.
Ele conquista quase tudo o que quer, mas ele não quer o amor.
Ele detesta o comum.
Ele já acreditou nas pessoas.
Ele se diverte com as próprias derrotas.
Ele é tão eu.
Eu conheci muitos lugares, vi rostos tristes, cometi alguns erros, tive algumas perguntas, amei objetos, gostei de pessoas, bati meu carro, gritei no chuveiro, desisti de certos amigos, beijei as mesmas bocas, conheci o céu, briguei com o meu cachorro, deixei a chuva passar, joguei meu celular contra a parede, gastei sorrisos, comprei desejos, chorei no inverno, apaguei a velha tatuagem, ergui os olhos, recoloquei a cabeça pesada sobre o meu pescoço, jantei bacalhau, tomei vinho seco, experimentei a verdade, dancei no carpete marrom da sala, dormi assistindo tv, quebrei todos os copos e corpos à minha volta, risquei dia após dia no meu calendário, cantei o hino dos derrotados, abri a janela, senti o sol, bebi suco de morango, acordei mais cedo, descobri gente engraçada, votei em corruptos, escolhi viver devagar e por fim, acabou esse ano. Sinceramente, não passou tão rápido.
Quando te vi dormindo naquela noite de quinta feira, eu descobri pelo seu sorriso adormecido que havia outra pessoa nos seus sonhos e deitei ao seu lado sem nunca mais querer acordar, pois, eu sabia que quando você acordasse toda a nossa história desmoronaria sobre a minha cabeça e coração. Queria suportar por alguns anos a mais essa mentira que se instalou no meio do nosso quarto, mas não consigo me olhar no espelho e um desespero contido me consome feito ácido. Tudo acabou com uma frase: "Eu não te amo mais". Não revidei, nem tentei reconstruir esse sentimento, porque, quando essas coisas acontecem e chegamos a dizer o que se sente de verdade, acredite, isso é verdade. Levantei do chão depois de alguns meses e foi muito difícil não te ligar, não te pegar pelo braço e sentir seus cabelos em minhas mãos. perdi alguns quilos que me fizeram bem, conheci pessoas novas e li livros incríveis, descobri que tenho tempo pra pensar no que vou fazer amanhã. Estou com a sensação de ter pulado de um penhasco e esse frio na barriga do novo me faz querer continuar acordar todas as manhãs de sexta feira.
Cito a inveja como a pior das moléstias, porque ela dilacera a face, desmorona a espontaneidade e corrompe a coisa certa a se fazer.
Sinto uma energia que sobe dos pés à cabeça e move meu corpo até outras direções. Passaram os anos e eu ainda não havia observado como seus lábios envolvem os meus de uma maneira subliminar e desesperada. Fazer nada ao seu lado tem tido um gosto de novo e a ansiedade me consome até esperar que a lua se deite e o sol me transcenda. As conversas são tão intensas que me encorajam a dizer sobre feridas e risos. Percebi que você é desastrado como eu, porque, já amamos mais aos outros do que a nós mesmos neste verão. No seu toca fitas quase todas as músicas que escuto são as que tenho e as diferentes me despertam interesse em ouvir. O medo de segurar suas mãos trêmulas me ensinam como é confiar nos planos que o destino fez e assim sentamos no chão do quarto, em direção a janela do décimo segundo andar e de forma desconhecida respiramos fundo, como se quiséssemos falar algo, mas seria desnecessário e vão tentar traduzir o que estava acontecendo conosco, pois, já esperei demais pra ter você aqui, do meu lado.
Eu te desejo paz de espírito para enfrentar a escuridão que lhe encobre. A caminhada é solitária e andar sem prever o próximo passo, é um jeito de viver sem muitas expectativas. Erga sua cabeça e o ombro também, reinicie tudo e reze por um amanhã menos cruel. Esse é o seu papel, não o meu. Me limito ao campo das vibrações positivas, pois, o resto vem, como um bumerang azul.
Permaneço deitado no chão frio, descongelando comidas prontas, bebendo destilados e fumando cigarros baratos. Por que agosto me dilacera? Tenho medo dos sinônimos e das mãos quentes sobre estas nuvens vazias. Há um foco de luz divino sobre o seu rosto na sala de estar que me faz ficar te olhando até a cegueira sair pela porta dos fundos. Seus argumentos soam em tom de acusação, como se quisesse encontrar motivos para justificar a razão da qual ainda estou aqui. A chuva já não acalma a ira do cotidiano e um abraço não resolve o inferno que se instalou entre nós. Não me diga palavras de dicionário, fale apenas o que preciso ouvir e seguir. Talvez eu queira que isso tudo aconteça e assim me libertar das minhas próprias escolhas. Então eu danço e transpiro amor próprio pelos poros e pelos, eu senti outro lábio sobre o meu e foi tão divertido, houve amnésia temporária. Não ando negando que você ficou no passado, pois, o seu cheiro me remete ao presente e creio que os sentimentos se transformam surpreendentemente, porque, já o deixo ir e ser feliz mesmo sem mim.