Coleção pessoal de patricia_araujo_4

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Permaneci

Estes dias, fomos amor.

A quilómetros de distância, no meio de uma pandemia

Despimos a alma

Deitamos as entranhas de fora, para amar.

Acreditamos estar certo que o longe era, na realidade, perto

e que podíamos germinar.

Apostamos. Jogamos tudo. Por dentro das horas da noite.

Através de plásticos brilhantes

ouvidos atentos e corações quentes.

E achamos que era o verdadeiro eu que estava no centro.

Mas não é a distância que mata. Não é o vírus que tememos.

É a fuga das palavras pesadas que magoam.

É a perda do tino por dentro.

É o confronto gratuito e vazio.

É o desrespeito que poderia ter sido eterno destino.

E então…

estes dias, estive contigo, dor.

Entrei dentro de ti e senti-te a fundo.

Ouvi-te e percebi o que querias dizer.

Ouço-te plenamente. Sinto-te profundamente.

Contudo, não entrarei nas tuas estranhas entranhas, façanhas.

O meu eu permanece. Tu não és o EU.

Eu tenho-te, dor. Eu não sou a dor.

Pela primeira vez consigo te avistar sem me perder em ti.

Saboreio-te, porque és dor de amor.

Talvez a melhor dor de sempre para sentir.

Perdi amor, ganhei dor, mas permaneci em mim.



Patricia Araujo,
Portugal In Antologia "Quarentena-Memorias de um país confinado" - Chiado Editora