Coleção pessoal de Oldney
A VOZ DO TEU OLHAR
Sou um sagaz leitor dos olhos teus
Se usas das palavras como escudo
Trazes na fala a pez de densos breus
E pondo-te calada diz-me tudo
Sei ler o que não dizes, quando falas
Ouço o que calas, pelo teu olhar
Não derrames a voz então nas valas
Das tentativas vãs de te explicar
Entre teu doce olhar e a voz aguda
Enxergo em tua fala uma alma muda
Escuto em teu olhar a voz da fada
Na voz improdutiva, o olhar é lavra:
Dizes no olhar bem mais que mil palavras
Com mil palavras não me dizes nada!
Oldney Lopes©
SAUDADE
Saudade, é só você que me acompanha
Persegue, alcança e fica e me atormenta
Parece ardil, ou sutil artimanha
Chegar febril, permanecer cruenta
Saudade, a dor que queima na memória
Impinge ardor, aflige e ensandece
Maltrata e açoita como palmatória
Golpe após golpe, o peito em pranto e prece
Saudade, o corpo sente e a alma chora
Cheia de ausência, plena de vazio
Tormenta que transborda até o mar
Saudade inunde o tempo, afogue o agora
Pois tudo passa, um dia vem o estio
E então você também irá passar!
Oldney Lopes ©
CRIVO
Não meça a vida pela duração
Em anos, meses, dias ou em horas
Mas pela intensidade em cada ação
Que faz do seu viver soma de "agoras"
Pois resta após as voltas dos ponteiros
Da ampulheta esgotada toda a areia
O que se produziu pelos canteiros
Plantios, sementeiras e colheitas
Perceba que em essência amor é vida
E o tempo cronológico é um crivo
Que faz a vida em vão se esvaecer
Então abane o pó, sopre a ferida
Tente viver bem mais do que estar vivo
Cuide de amar bem mais do que viver
Oldney Lopes ©
CONSTELAÇÃO
Sem ti sou um epíteto do nada
Refuljo toda vez que te aproximas
Olhando o céu na noite enluarada
A tua imagem doce me sublima
Quando acordo sem ti fico tristonho
Se te busco no início estás no fim
Se me ponho a dormir estás no sonho
Como fujo de ti, se estás em mim?
Olhar-te como estrela é minha sina
És como o sol que brilha e me ilumina
Como uma lua em todo o seu clarão
Mas não podes, se a noite se insinua,
Ser sequer o meu sol ou minha lua
Pois que já és minha constelação!
NA MADRUGADA
É madrugada, sei que estás dormindo
Talvez sorrindo, alegre, no teu sonho
E me ponho a pensar se choro ou brindo
Se é lindo o teu sonhar ou se é tristonho
Queria estar morando em tua mente
No que sentes ou pensas, no que sonhas
Mas nas tristonhas horas, num repente
A serpente do ciúme me abocanha
Sonha comigo, amor, pois me apavora
Pensar que no teu sonho um outro mora
Sonha sonhos de amor, não te envergonha
Mas como não pedir, neste queixume,
Se até dos sonhos teus sinto ciúme
Sonha comigo, amor, ou nada sonha!
Oldney Lopes ©
ESPADA E FLOR
As palavras, ditosas e benditas,
São também como espadas ou navalhas
Podem ser as derrotas nas batalhas
Ou grande trunfo quando não são ditas
Cultivar o silêncio como flor
E cuidar de calar mais que dizer
Resulta triunfar mais que sofrer
Confere mais alívio do que dor
O silêncio é uma jóia preciosa
Sutil como uma pétala de rosa
Mas firme nas contendas mais renhidas
Assim se escolhe entre ter gáudio ou dor:
Ser do silêncio seu amo e senhor
Ou servo das palavras proferidas!
Oldney Lopes©
DESDÉM
Já não espero mais pelos carinhos
E muito menos peço por amor
Já percebo, nas flores, mais espinhos
E vejo sombra onde foi esplendor
Tudo o que peço agora é atenção
Um "bom dia", um "boa noite", um "tudo ok"
Presença que me extirpe a solidão
Uma resposta, um gesto ou um "não sei"...
Prefiro um rude não ao cruel desdém
Quando só peço um doce querer bem
Rogo atenção e espero, paciente
Mas eis que essa alma, fria como um gelo,
Ignora e menospreza o meu apelo
Nem se cala, nem nega e nem consente!
FUGAZ
Amor de sonho e vida e de esperança
Que por ventura e gáudio logrei tê-lo
Foi sonho e vida que curtí com zelo
Com esperança firme e confiança
Mas triste é amor que morre em tenra idade
Que é de um sonho, quando cessa o lume?
Que é da vida, evolado o perfume?
E da esperança, cessada a vontade?
Percebo deste amor o esvoaçar
Enevoar, perder-se na distância,
E dissipar-se em prantos eternais
É sonho - esvaído ao despertar
É vida - envelhecida já na infância
Esperança - chamada nunca mais!
Oldney Lopes©
INDIZÍVEL
Pobre incapaz, nosso vocabulário
Que tenta definir o que é o amor
Jamais o encontrará no dicionário
Quem nunca houver provado o seu sabor
Amor nunca se explica com palavras
É mais do que a maçã, mais que a serpente
Amor é amo e faz de almas escravas
Amor é servo e serve a quem o sente
Amor é assim: princípio, meio e fim
Raiz e solo, orvalho e flor, jardim
É dupla eternidade em todo agora
Vida de dois em um, da carne ao pó
Dois corações pulsando como um só
Uma só alma, que em dois corpos mora!
Oldney Lopes©
ELA
Ela me afoga, ela me traz à tona
Ela me me mata e traz de volta a vida
Ela me acolhe e cuida e me abandona
Prende, encurrala e mostra-me a saída
É ela quem acende a luz nas noites
E apaga a escuridão no amanhecer
E acaricia-me com seus açoites
E me maltrata com seu bem-querer
É ela a minha musa mais dileta
Ela é meu rio: curso, leito e borda
É ela o meu trajeto, a curva, a reta
Que guia-me nos sonhos e me acorda
Que quando estou vazio me completa
E que quando estou pleno me transborda!
Oldney Lopes©
MANIA
Mania, sentimento tresloucado
Capricho, teimosia, fixação
É loucura ou desejo imoderado
Apego obsessivo, ardor, paixão
Mania, sentimento atroz e intruso
Por dominar a luz da sensatez
É um insistente ser de rude abuso
Que instiga a alma e afoga a lucidez
Provei em ti do gosto de um amor
E de pequena gota este sabor
Virou mania: a gota agora é mar!
Depois de tal amor alienado
Não quero nunca mais deixar de lado
Essa mania louca de te amar!
Oldney Lopes©
ESSÊNCIA
O tempo - essa indomável roda viva
É responsável por dizer quem somos:
Somos bem mais do que essa expositiva
Forma entalhada pelos cromossomos
O tempo - esse mordaz devorador
De orgânicas matérias de carbono
É do destino implacável senhor
Das conseqüência é juiz e dono
Mas temos o poder das atitudes
Temos nas mãos o leme das virtudes
E em nossa mente a luz da experiência
O tempo assim nos faz desde a infância
Tal qual perfume de sutil fragrância:
Corrói o invólucro e ressalta a essência!
Oldney Lopes©
TOLICES
"Todas as cartas de amor são ridículas"
Pessoa bem o disse, com razão
Uma fala de amor é uma gotícula
No mar revolto e turvo da paixão
Pior quando há palavras de ironia
Camuflando os agrores do ciúme
Instigando o torpor de uma agonia
Que surge, imotivada, num queixume
Prefiro então ridículas tolices
Declarações, ainda que mesmices,
Palavras ternas de doce sabor
Então desejo pois de minha amada:
Se para me dizer não tem mais nada
Diga-me ao menos tolices de amor!
A TERCEIRA LÁGRIMA
Se o homem destemido jamais chora
Eu digo que até Deus pode chorar
Pois já que tudo pode, a qualquer hora
Pode também, sentido, lacrimar.
Pois vi, num rosto, a fome da criança
Carente, solitária, numa praça
Todo amargor, toda desesperança
Daquela vida só, fria, sem jaça.
Seus olhos eram vozes a implorar
Era um espelho, a angústia em seu olhar
A refletir, dolente, os olhos meus.
Sem entender o senso do destino
Vi merejar nos olhos do menino
Plácida e triste a lágrima de Deus!
Oldney Lopes©
IPÊ AMARELO
É fim de agosto, o solo está sedento
Pedindo a volta das águas ausentes
As folhas secas, ao sabor dos ventos,
Descem ao chão forrando a terra quente
Mas chega o tempo dos encantamentos
De exultar-se em cortinas amarelas:
Revela-se o ipê em opulentos
Quadros de flores, fulgurantes telas
Vem colorir então qual áurea tocha
No ápice da sua majestade
Ao desdobrar-se em fúlgida beleza
Embevendo olhares, desabrocha
Dando leveza aos campos e cidades
Pintando de amarelo a natureza!
Oldney Lopes©