Coleção pessoal de Nissiguti
O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas o hoje é uma dádiva. É por isso que se chama presente.
Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar.
A verdade é tudo aquilo que o homem precisa para viver, não pode ganhar nem comprar dos outros. Todo homem deve produzí-la sempre no seu íntimo, se não ele se arruína. Viver sem a verdade é impossível, mas não exagere o culto da verdade. Não há um único homem no mundo, que não tenha mentido muitas vezes e com razão.
Eu, o vento, que sou calmo e violento, sou vendaval e brisa que a mercê da vida, às vezes sou conforto, às vezes incômodo. Às vezes paz, às vezes caos.
Eu, o vento, que sou incolor e frio, sou calor e sangue, que a mercê da vida, às vezes sou dor, às vezes rotina. As vezes sou morte, às vezes vida.
Eu, o vento, que sou órfão e só, sou carinho e carente, que a mercê da vida, às vezes sou colheita, às vezes plantio. Às vezes sou notado, às vezes esquecido.
Eu, o vento, que sou força e anemia, sou opressor e vítima, que a mercê da vida, às vezes sou vento, simplesmente.
Quero lhe implorar
Para que seja paciente
Com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar.
As perguntas como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira.
Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las. E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora.
Talvez assim, gradualmente, você sem perceber, viverá a resposta num dia distante.
Quando meu filho nascer, não façam desta vida um estandarte, nem acenem para ele com esperanças de melhores tempos.
Quem garante?
Amor é quando é concedido participar um pouco mais.
Amor é a grande desilusão de tudo mais.
Amor é finalmente a pobreza.
Amor é não ter.
Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor.
E não é prêmio, por isso não envaidece.
Não, não deixes teu pescoço aos grilhões da sorte. Mas deixa tua mente destemida cavalgar triunfante sobre todos os azares.
Quando morto estiver meu corpo, evitem os inúteis disfarces, os disfarces com que os vivos procuram apagar no morto o grande castigo da morte.
Não quero caixão de verniz nem ramalhetes distintos, superfinos candelabros e nem as discretas decorações.
Quero a morte com mau gosto!
Dêem-me coroas de pano, flores de roxo pano, angustiosas flores de pano, enormes coroas maciças como salva-vidas, com fitas negras pendentes.
E descubram bem a minha cara.
Que vejam bem os amigos a incerteza, o pavor, o pasmo. E cada um leve bem nítida a idéia da própria morte.
Descubram bem minhas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, o que fizeram, em que sexos demoraram seus dedos sabidos?
Meus amigos, olhem as mãos que mentiram a vossas mãos!
Foram esboçados nelas todos os gestos malditos: até os furtos fracassados e os interrompidos assassinatos. Mãos que fugiram da suprema purificação dos possíveis suicídios.
Descubram e exibam todo meu corpo, as partes excomungadas, as partes sujas sem perdão.
Eu quero a morte nua e crua, terrífica e habitual.
Quero ser um tal defunto, um morto tão acabado, tão aflitivo e pungente, que possam ver, os meus amigos, que morre-se do mesmo jeito como se vão os penetras escorraçados, as prostitutas recusadas, os amantes despedidos, que saem enxotados mas voltariam sem brio a qualquer gesto de chamada.
Meus amigos, tenham pena – senão do morto – aos menos dos dois sapatos do morto. Olhem bem para eles. E para os vossos também!
O tempo é um rio que leva ou afoga. Nesse rio, se nada. E nele, ninguém manda.
Os grandes homens foram os que entenderam bem os seus tempos.
Entenderam que não amanhece porque o galo canta, mas que o galo canta porque amanhece.
Os ciumentos não precisam de motivo para ter ciúme. São ciumentos porque são. O ciúme é um monstro que a si mesmo se gera e de si mesmo nasce.