Coleção pessoal de natyparreiras
Devaneios
Me transporte para a sorte de desvendar os teus devaneios.
Ligeiro o toque,
Infinito o desejo,
Barata a morte,
Caros são teus beijos.
Morte sem o toque ligeiro do teu infinito desejo.
Sorte...não ter a morte para duelar com os devaneios.
Devaneios,
Desejos de morte,
De ser apanhada,
E com sorte,
Te desvendar primeiro.
Verdes Olhos Vedes - A Garcia Lorca
Verdes caminhos
Vedes?
O ressoar do sino nas paredes
Blem blem por ninguém
O ressoar da saudade
Sem tua sede
- Redes -
Bem, porém
Ela não tem.
Rende-te
Minhas linhas já não sentem
Fúria e fogo rasgam rente
Mas não as correntes
Apenas eu,
Carente.
Entre!
Me tire desse aguardente
Sem entes,
Nem frentes
Doente
Enfrente!
Vedes verdes olhos
Verdes olhos, vedes?
Não vedes o verde
Nem verde tu vedes
Só preto e branco
Por dentro
Tormento
Aguento
E não vedes, olhos verdes
Não me vedes
Nem me viste
Mas em teus olhos verdes
Minha sombra existe
"Preta e branco"
Cor de pranto
E tão triste...
Verdes olhos, por que persistes?
FATAL
O vazio
De tantos corpos
- Inelegíveis -
Ao acaso...
Qualquer que seja
A desventura
Eu pairo olhos
A disparar sinos de vento.
Eu busco
- A contento -
Um pouco do pão
Em divino código
Sirvo-me da sangria
Vitrificada na espera
E no desamparo.
Dos teus medos
Eu sou a deusa
Que era
Eu sou o fato.
POEMA PRETERIDO
E se eu te escrever
Um poema
Que não for teu
Mas capaz de restaurar
O silêncio que exalta
Nossas memórias ressequidas?
E se eu for capaz de te amar
Mas nunca mais
Capaz de te escrever
Poesia alguma?
Como fica?
MAREMOTO (AMAR É MORTO)
Amar antes
Que a dúvida
Que a vida
Ávida
Escorra
Como única
Gota
De uma maré
Mansinha.
O mar é morto
A maré
Vinda.
CAPITAL
Sabes
Eu invejo o teu sono...
Como te toma e ampara
Nas hastes invisíveis do fantástico.
Como recobre teus olhos
De pálpebras súbitas e inalteradas
Tantas tais poucas as asas
de um poema.
Teu sono repousa minhas vestes
E me condena
A permiti-lo à espera
No desejo a salvo
Insone, meu apelo é um leigo
A guardar-me no enleio
De teus largos braços.
TAL VEZ
Sabe
Que de sonhar
Um dia
Penso
Esse espelho
Esse outro
- idêntico -
Dentro do mesmo
Que se quebrou
- Foi o texto -
Não foi real
Foi por extenso.
SOFISTICADO
Eu te retiro
Dos direitos adquiridos
De todos os sábados
Dias santos
E domingos
Eu miro
E atiro
Meu amor é um cínico
Alvejado no rosto
E com um sorriso torto
Caído ao chão
Do sofismo.
CULTO AO AUSENTE
Se queres me deixar
Me deixe
Este feixe de luz
Não é corrente
Flui e se finda...
Na ausência
O que seduz
É fonte etérea
Não é matéria prima.
DOMÍNIO
Se de me olhar
Me enxergasse
Não precisaria irromper
Vestígios de saudade
Extrema.
Em seus olhos
Há poema
Investidas tão torpes
Quanto anímicas estrofes
- Tão nobres -
Mas enfermas.
A poesia escorre
Não há tema...
Por mais que eu tema à morte
Ouso a overdose
Da ausência.
MÚLTIPLA DE TI
Meu amor,
Não tome meu zelo como autômato
De quem crê portar o visto
Do que, alheio a tudo,
A tudo viu.
A começar por ti
Estréia concebida apenas na usura fantástica
Da minha imaginação.
Não...
Essa assimetria toda combinada
Calhou de me emudecer
E na ausência de um tipógrafo
Prefiro não tipificar cadências
Tímidas
Tão pouco
Avassaladas
Em mútuo estado de contingência.
Mas me diz
Conter por quê?
Se cada letra que cravo na vida
Me parece ter sido bem disposta
À tua espera?
E não que não seja
De perecer
O usufruto do nosso tempo
Disparado e vertido de ausências
Mas não posso
(nem quero)
Viver de cronometrar despedidas
Ou derreter a parabólica
Dessa nossa curta metragem de amor sem medida
Assim tão óbvio
Erguido em terreno inóspito
E entregue em cada (tão terna)
Premissa!
Não hei de estender o poema
Pudesse amplificar paradigmas recortados
De realidade
Não penso
Que quero
Ao que sintas
Desejar-te
Posto que já te tenho
Curvo e aliterado
Sem sombra
Suor
Ou sílaba
(Saussure)
Que sussurre...
Ou Sartre
Sorte
É estar
E eu
Estou na tua
Nu(n)ca
Repartida
Em todas as outras infantes
- Tuas musas de antes -
Mas eu sou
A branca
- Bem rubra -
Eu sou a única
Que fica.
AUTÓTROFO
Há cansaço em existir...
Nula,
Desisti de todas as querenças.
Só
Quero regurgitar o veneno
Sistêmico
Do dia a dia
Expor o caos à exceção
Me fantasiar de tempo
E passar incógnita
Por cada ruela do esquecimento.
Eu morri à míngua
E o sol
Solitário e ambíguo
Tornou-se repouso à sombra
De uma lua qualquer.
Assombro-me da crueldade
Inanimada em olhos fixos
Distraídos do instante
Em que foram passíveis
De ver.
Cala-te boca
É o calabouço que te acorda
Subterrâneo
Ima translúcido de teus dedos
Metais de vidro
A atrair fragmentos ao vento.
Eu duvido
Que aceite o reflexo
Como ato involuntário
Do que tende a ser
Espelho
Desespero
Perto
Aperto
Não há pleito algum em quem
Esqueceu-se de reivindicar.
Fraco
A corda arrebenta do lado
Mais fraco
Mas apto à fraqueza
De arrebentar.
Só sei
Que só
Tenho aptidão para sobreviver.
E enquanto existo
Há uma naja sibilando
Dogmas em línguas febris
Contorcendo-se inebriada
Pelo claustro do próprio sufocamento
Por entre mágoas.
Agora vai
Troca de pele
Digere essa presa
Que abala o vazio
A fome
A finitude do ser
Que era
Antes do bote
E sobrevive.
APRESSE
A lua tem gosto
Súbito
de silêncio
A propagar distâncias.
Falam-na plena
Em seu altar adjacente
Mas o teto de vidro
Quebra-se aos olhos de estampido
E ensurdece.
Aos notívagos
Serve aos mais vagos e vastos motivos
Todos eles, santos
Todos eles, tantos...
Mas a deusa da clausura
Estanca os ouvidos
E ausculta cada prece
Até corar a noite
Em dia amanhecido...
Ser poeta
É ser bicho
De nenhuma espécie.
MILENAR
Quando disse
Eu te amo
Da última vez
Quis dizer ainda
Entre tanto...
Tenta agora
Calar a voz
do tempo...
Já tem mil anos.
SONATA INSONE
Difícil dormir sentindo que você está na sala...
Teu olho procurando na sintonia fina da TV
Qualquer noção programada da tua vinda...
Vaga...
E no “top” de cinco segundos
A recaída.
Difícil dormir com a tua saliva
aguardada na cozinha e na cama
Lambendo meu sono em doses profundas
que me gozam em semi-coma.
A mesma canção que me sona
Sintetiza teus efeitos audiovisuais em meu leito de sintoma!
Não durmo, não durmo!
Mas distorço o cúmulo cumulativo tal drummoniana!
E assim te minto em meu dom e dramo teu tom
Em insônia...
Mas tem sono e som,
(e também tem Drummond)
Quem nem sempre sonha.