Coleção pessoal de nanacae

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Eles se despem ondulando desesperos por entre buracos na estrada, tapados com terra-sangue de crianças desnutridas de amor.

Você desafortunada repousa em pianos, como se cada arpejo morresse depois dos toques terríveis de seus dedos.

Eu ainda temo, porque o que passa é sempre literatura que não da pra vender, então as jogo a frente, pra ter onde pisar e não cair em abismos.

Ela pergunta o que estou fazendo respirando, como se fosse tomar por charme o seu próprio ar.

Minha boca dói porque você não soube trazer torneiras pra dentro desse quarto. Pedi por água, qualquer gota de cuspe seu. Continuo meio sedada, sentada, quase caída, melhor dizer descansada do que esgotada no canto em que você escolheu. Melhor dizer, do que sonegar, chorar pra você abrir minha boca selada com esse nada, cola de vazio, zíper de ódio, deixar parecer que está fazendo um grande favor.

Espremo os lábios feito feridas infeccionadas, pra ver se abre algum espaço e dali sai minha língua feito pus. Mas só aparecem ratos, espasmos condizentes de horas a mais de horror, fragmentos esponjosos que confundo com pequenos poros, buchas que ponho sobre a pele, esfregando como se fizesse um som de isopor, rangendo qualquer superfície a ponto de esticar os pêlos, arregaço então mais as mangas, os puxo feito elástico como se esticassem a dor.

Enquanto você inventa personagens e se espelha neles, sou apenas um reflexo dos meus. Não consigo criar mais nada assim calada, não sei imaginar algo sem ler em voz alta, o que acaba secando minha mente. Preciso de algum líquido mais forte, conhaque ou vodka, que preencha de vez os cômodos, infiltre as paredes até que elas se encharquem e me tussam para fora dessa casa.

Tingi de negro, entre as letras já escuras, como se fosse necessário as esconder, de mim, de você, do nós.

Molhei com leite seus manuscritos feito bolacha maizena como se fosse mais fácil assim os digerir.

Bati sua cabeça no tanque até todo sangue escorrer pelos olhos, enchendo dois baldes azuis e um anil.

Pintei as paredes de vermelho como pediu, pena que não está mais aqui para ver o esforço que fiz por você.

Sua graça não caminha pela casa
Se move blindada em abstrações
Irrelevantes são as coisas
Da cabeça
Estantes
Livros esquecidos
E todos os outros móveis que continuam no mesmo lugar
Assim como eu
Aqui
Onde a cama ainda é cama
E a TV televisão
Na sua ausência digo seu nome baixo
Não ao teto ou ao quebrado espelho
Mas à porta
Cristalizando ali sua presença
Te vendo em cada prisma
Refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
Numa perplexidade boba e infantil

No fim das pontas há pedaços de durex pra que elas passem com facilidade entre os pequenos buracos do tênis e mesmo assim continuo a pisar, no cadarço, em pessoas por aí. Esse parece ser o melhor modo de aquecer os pés, em vez do chão frio fico por cima delas, são quentinhas que nem bauru feito na hora.

No fim das honras, em ocasiões especiais, me arrisco a andar descalça sobre as costas de algumas pessoas, principalmente quando você diz que vai dormir comigo, como poderia subir na cama com pés gelados? Logo cedo eles derreteriam e com o lençol encharcado poderíamos morrer afogados.

No fim das dobras ainda sou naife, quebro duas ou três costelas em que vou pisando enquanto esquento o calcanhar, elas emborcam para fora como farpas e me arranham. Tenho acordado sempre com vergões, amanhece, finjo que fui eu mesma e ainda penso ‘preciso cortar as unhas’, sendo que o ideal seria o corpo todo, acabar com essa aflição.

No fim das contas não há números, e mesmo que houvesse, eu nunca fui boa em calcular. Só sei que você faz falta, não me pergunte por quanto tempo, são tantas horas seguidas a cada dia.

Quando você não está por perto deslizo pelas ruas com meus pés de gelo fingindo ser um elegante patinador.

Arranco pedaços da minha pele como se eles não precisassem de mim, em poucas horas começarão a se decompor no chão. Arranco tanta gente, roupas, tecidos velhos costurados com linha de anzol, puxo com firmeza os braços que não me interessam mais, debaixo de sol, chuva ou tempestades em copo d’água. À noite finjo que durmo, fecho os olhos, deixo que escorram todas as lágrimas criadas durante o passar do dia. Quando acordo, torço meu travesseiro em um bule, das lágrimas faço meu café, não te ofereço, nunca, até nisso sou egoísta, mesmo tendo sido você quem me fez chorar. Compro amendoins e cocadas pra te suprir daqueles vários outros modos que não consigo, não sei, mas acho que oferecendo comida e dinheiro, eu possa melhorar no que sou. E eu me contentaria apenas em pensar, não conversar com ninguém, exceto com você, contar o que sempre fica girando na minha cabeça, me deixando tonta, fazendo vomitar naquelas ruas tão limpas, asfalto feito de azulejo de piscina, em que deito, brinco de me afogar, enquanto engulo alguns litros de piche, azul.

No teto você dança uma canção distraída, adormece pelas quatro pontas do quarto, faz das cortinas edredom.

Tenho medo de entrar na sua casa, ficar tonta, não saber acompanhar seus passos, girar de cima até o chão.

Te procuro então por aqui em tantos textos, rabisco diariamente umas quatrocentos imagens nossas através de palavras.

Ainda me esforço para emendar o cansado órgão com versos pesados e retalhos do que restou da sua quase despedida.

Como era complicado encerrar algumas ligações, brincar de contar até três pra dizer logo adeus.

O grande problema é que eu sempre sofri muito, por tudo, as vezes até mesmo por estar bastante feliz.

Recebo as correspondências, mas nunca você na minha casa.

Você pede, não espera que eu responda, logo concede, por mim, por deus e todos nós. Divide as posses e sentimentos como potinhos com algodão, água e feijão, esquece que mesmo se fossem assim cresceriam no máximo centímetros e nunca iríamos transplantar esse verde dali, não valeria a pena amadurecer, trocar todo o tom.

Eu tento dividir a saudade em partes, me sentir mal apenas durante as manhãs, dar desculpas como insônia, péssimo humor, mas não sei ser justa, não há igualdade em mim, só egoísmo e um pouquinho de rancor.

Estou cultivando amor juntamente aos fios do meu cabelo, me disseram que assim seria mais fácil. Não me assustam as proporções exageradas quando paro na frente do espelho, estão crescendo, você vai ver, mesmo me cegando durante vários momentos, os deixo ali, quase me tapando a visão. E quando sinto as pontas batendo em meus olhos, jogo a cabeça para a direita, deixo a saudade espremidinha em um pequeno espaço, aquecida, envolvida nos tufos de cabelo.

Não entendo sobre minhas caras, aquelas que você insiste em dizer que fiz. Não compreendo sequer sobre a distância da sua cama para o abajur, eu não estou aí.

Deixe então que eu pratique diariamente com você meus dramas, o que mais, além disso, eu poderia fazer?

Continuo lendo seu único email até conseguir dormir. E mesmo que o poema não seja seu, encarno o personagem, te coloco bem ao meu lado, como em todas as noites deveria ser.

A pessoa tem a faca e o queijo na mão, ela escolhe cortar meu coração.

A pessoa tem a faca, o queijo e a minha vida na mão, mas não me oferece nem uma artéria pulmonar podre pelo seu cigarro.

Colocando no bolso todas indiretas como se elas esquentassem os músculos, de cada perna, para caminhar até o local que você apontou.

Não sei se são rachaduras ou frestas que abri com os dentes, festas em que tentei sorrir. Para cada mandíbula um latejo.

Não sei se é você que vai chegar ou eu que vou partir.

A única coisa mais impossível do que ficar agora é abandonar.

Destruição é presente, oportunidade para iniciar corretamente onde se errou.

Nem toda piada é um drama, nem todo drama é tristeza, pode ser comédia, deve ser articulação para te envolver.

Espero que um dia consiga ver a força que há em você, além da beleza, todas as palavras duras, que joga na cara da vida e ela insiste em aceitar, recolher, guardar e depois partir.

Suas verdades são doloridas, acho que assim como sua vida, que culpa tem você de existir?

Não sei ao certo o que me agrada, as brigas posteriormente com mancadas, dos seus passos tortos que te fazem estranha, te fazem perdida, mudam a rota do caminho sem você perceber e no fim é só se iludir.

Não sei o que relata, qual parte é mentira, qual é imaginação, comedida, ou exagero de atuação.

E se tudo que escreve é com inspiração no sofrer, me desculpe, mas não acho que merece então ser feliz.

Não sei se cresci, ou se foi a carne dura que aumentou aqui sobre mim. Não precisa me jogar dentro de uma das suas receitas, não há motivos pra tentar me cozinhar, amolecer as partes em tempero forte, melhorar o meu sabor, é sério, estou bem, sei que falando assim, sei que eu lendo o que estou escrevendo aqui não me soaria tão bem assim, equilibrada, feliz, aqueles estados de espírito esperados pela nossa facha, mas me desculpe, infelizmente estou bem.

Estou pedindo desculpas por que as vezes não me parece certo estar bem, não parece certo fugir daquilo que eu achava correto anos atrás, não me pareço com o que pensei.

Estou cansada desse laço
Isso que une a gente
Esse minúsculo espaço
Entre
Que de pequeno não tem nada
Sufoca
Acho melhor mesmo de vez você ir
Pode deixar que eu me viro por aqui
Dou adeus antes que isso se desfaça