Coleção pessoal de naenorocha
PRESO
Como eu poderia ter-e em minha boca
Para o beijo e para o verbo,
Se o sabor de tudo isso sentido
Continua a ser detrás,
Daquele tempo que não se parte.
E para atender estes teus olhos
Cor da clara noite, lanternas acesas.
Como posso? Dos meus olhos
Deixados lá, nas encostas de orvalho
No vidro límpido que debaixo dele
Viajam peixinhos graçapés.
A minha boca ficou no desejo
Das frutas doces de eterno gosto.
Salvo meu beijo, que não o dei,
Na menininha irrequieta e tímida
Na forma de nuita ansiedade,
Por minha vontade que não se expressava.
E até o beijo da minha boca
Ficou solidificado, nos lastros das árvores.
Nas mãos dos meus pais, dos meus avós
E de meus padrinhos, na santa devoção
De estar beijando também outro pai.
De onde tirarei de mim para te entregar
Por este amor sentindo em mim
E que há em mim somado
Ao que deixei do que eu era todo
Retidos de ternuras
Que foram desta maneiras
Tocados pelos meus olhos,
Entretidos nos corpos de seda
Das afeições, caminhos, não resolvidas
Mas que em mim, detidos
Repassam a mim as fragrâncias e o desejo
Que preteri, em vez de fazê-lo.
Pegar minha baladeira e sair
Depois de uma chuva de inverno.
O LEITO DA ESTRADA
A curva da encosta de barro e grama
É quem contorna o rio.
E o rio fica e as suas margens
Abraçam, num movimento alto e leve
A distância de todos os dias
Suas beiradas quem invadem os caminhos.
Os peixes andam pelas encostas e no areial distante
Nos vales lisos que superam o rio.
Eu entro no rio e atesto o seu estado de inércia
E fico horas, dias, nas mesmas águas
Vendo mudarem as estações
A razão do florescimento e de lugares ermos
O rio se solidifica na demência dele
E os arvoredos vão lentamente passando.
O rio fica onde está e as margens
Mergulham no oceano de sede eterna
E o mar transborda
E as estradas secam
Os peixes que não se misturam
Agarram-se à água
Enquanto garranchos e areia e
E raízes, esteios, pedras se mostram,
No derramamento das paisagens..
Além de quem
Na perturbação do que cumpre a natureza
Que avança para se renovar
Assim tão modificadora e veloz.
NAQUELE ONTEM
Um dia
Dos dias da minha infância
Eu desmontei a fechadura do quarto de meus pais.
Naquela noite, já de noite,
Eles dormiram de costas um para o outro
Naquela noite não houve a luta
Não teve coberto nem cobertor
Ninguém fatigou-se
Porque a fechadura desmontada
Estava comigo, na minha rede.
Uma noite,
Nessa noite eu não dormi
Contando, por minhas mãos no escuro
Pelo contato dentro de minha rede
O quanto eu encontrei
Da máquina daquela fechadura desmontada
E contava:
Um revólver
Uma mola propulsora
Que esparzia longe a pinguela
O pino que ficava no meio
Uma carrapeta que dançava
Uma chave que passava solta
No buraco dela entrar
De qualquer distância, para o alvo.
Eu me armei até os dentes!
E planejava a guerra já para a manhã, mais cedo
Contra os calangos, os preás, os galos do terreiro
A pessoa do meu amigo,
Os pássaros que me avocavam do alto
Das frondes cheias.
COMO NEGAR
Como negar o poema
Se só uma página rabisquei hoje
E na folha que o escrevi
Eu deixei marcado com a caneta
Que o escrevi, com preguiça
Como teria não sido eu
Se os versos impressos
Não fluem na, como na alegria de outros?
Basta que se ponha bem perto
A lupa do maior tamanho
E verão minhas impressões digitais.
Como dizer que foi outro quem o fez?
Se a vida que se relata é a minha.
Se o amor que foi embora
Era o meu.
Se a tristeza que se aproxima
É toda minha.
Se a individualidades são da minha pessoa
Se os lamentos são do meu costume?
Se ele saiu assimétrico, sem rimas
Como só eu faço
Se o alívio de terminá-lo
Está impresso no meu rosto.
Prá que confirmar o que não gosto.
Eu quero ter uma mulher
Uma só, que me entretenha em seu olhar
Que me adoeça em vê-la
Por seus carinhos quando estou assim
Das minhas tristezas escolhas
O tanto que pode me ajudar
Dividindo tempo, amor, sem contá-lo.
Sendo no seu cuidados a falar por mim
Fazendo o trabalho em ouvir amigos
Que venham nos visitar
E servi-los café a esses que se citam meus irmãos
Que cheguem em nossa casa.
Uns por Deus, outros pelo café com bolo.
Eu quero uma mulher
Com quem eu possa de gestos baixinhos
Pensar nas bondosas partes de cada dia
E nos sugerirmos planos,
Mesmo aquele que malogrem ainda no preparar..
E sempre sabendo que é Deus, por tudo
A quem confiamos tudo nosso.
Eu quero uma mulher
Que me dê na boca beijos saborosos
Que cuide como um pastor no ensinos
De comer e beber do seu leite
Todos ainda necessitando dos afagos dessa mulher.
Quero uma mulher que me ame
Como eu venha a amá-la
Que quando tropeçar em algo solto no assoalho
Que caia dentro dos meus braços.
Quero uma mulher para minha outra vida
E que ela seja em tudo igual a ti
Mas não vos apressais Jesus Cristo
Eu ainda tenho a minha
Desses jeitos iguais aos que Vos falei.
Eu estou findando um poema e quero
Que quem o leia, decida por Vos pedir
É só no caso apenas no caso em que Vós decida
E na de outros, e que estes
Tenham o prazer de usufruir desta mulher precisa.
Pois todas as mulheres têm o olhar angelical
Pode ser que não seja uma santa
E ser uma mesa posta
Que grite na hora que almoço tiver na mesa
TRINDADE
Meu Deus, se Vos ofendi foi por não saber
Que o mundo e todas as suas quantidades
Foi tudo criado por suas mãos profícuas
E sem saber que o Verbo era a citação
Do homem, vosso Filho
Purificado, amor que vim a saber
No tempo em que me permitistes vê-lo.
Esse homem é a razão de tudo
Até dos sacrifícios que fiz sem notar.
Ele e eu agora temos uma intimidade santa
Afeição do tempo da morte
Do filho amado e merecedor do amor dEle.
Por todas as estações de quedas o tropeços
Não sabia que me sagrando por Ele
O aceitando dividindo comigo
O amor que dividiria com todos igualmente
No meu rosto comum, até aí.
Me soltei dos comandos de mim mesmo
E implorar que de Vós tudo caminhasse.
Meu Deus foi necessário punir alguns
Para saber que o perdão é que é a gesto
Beijá-lo será a negativa da distância.
Citá-Lo em seus pedidos, em tudo a nós
É a única ação verdadeira, igualmente depois de tudo.
Pai, a quem eu careço depressa chamar de Pai?
A Vós, o mentor dividido, pelas entradas do céu.
A ELE, canonizador, descobridor dos puros.
Em suas locas, no jejum de pão e água.
Mas não paira dúvidas agora em meu juízo
É o Próprio Deus, o próprio Pai, que ao Mesmo Filho
Provedor de nossas vidas.
Me resta falar com glória!
Orar o Vosso perdão.
PRESO
Como eu poderia ter-me em minha boca
Para o beijo e para o verbo,
Se o sabor de tudo isso sentido
Continua a ser detrás,
Daquele tempo que não se parte.
E para atender estes teus olhos
Cor da clara noite, lanternas acesas.
Como posso? Dos meus olhos
Deixei lá atrás nas encostas de orvalho
No vidro límpido que debaixo dele
Viajam peixinhos graçapés
Que por minhas mãos nunca consegui prender.
Um só sequer. Apenas um para tê-lo em casa
Já numa arca de embalagem
Transparente pressenti-lo de perto
Em carícias por ele pelo lado de fora.
A minha boca ficou no desejo da manga rosa
Dos cajus no seu tempo, onde experimento
Qual o mais doce ou qual o mais acre.
Salvo meu beijo, que não o dei,
Na forma de toda a ansiedade
Na menininha irrequieta e tímida
Por minha vontade que não se expressava.
E até o beijo da minha boca
Ficou solidificado, nos lastros das árvores.
Nas mãos dos meus pais, dos meus avós
E de meus padrinhos, na santa devoção
De estar beijando também outro pai.
De onde tirarei de mim para te ofertar
Por este amor sentindo em mim
E que há em mim somado
Ao que deixei do que eu era todo
Retidos no azedume das frutas ruins
De ternuras que foram desta maneira
Tocados pelos meus olhos,
Entretidos nos corpos de seda
Das afeições, caminhos, não resolvidas
Mas que em mim, detidos
Repassam a mim as fragrâncias e o desejo
Que preteri, em vez de fazê-lo.
Pegar minha baladeira e sair
Depois de uma chuva de inverno.
NOSSAS PARTES IGUAIS
O teu olhar previne o levado da procela
E adianta o tempo bom e serenando
Flamejando, os teus olhos são duas velas
As duas como uma consagração ao santo amado.
Teu coração tem um batimento que é do meu
E o meu no imprevisto faz de papel o teu
Idealizo o que falta desta, que ainda não se deu
Se já nos nossos abraços e velos beijos meus.
O teu colo é o lugar mais quente e plumoso
Que ao meu descanso depois das aventuras
De amor e sonho, quando o gesto é faltoso
Me chama teu coração, do meu delicioso.
O meu olhar são duas paredes limpas ao brilho
Que ao meu não faz, não se permite assim
Ser só o que reflete da tua luz, fogo do dia
Da minha face larga, uma tela de linho.
Abre todas as portas e que dá para toda entrada
E que se propaguem na minha alma o que já houve
O teu cantar que é pra Deus, tão delicado
Abrange a tua boca e em tudo a minha cala.
Meus olhos não te dão abrigo
Não, não, eu quero os teus
E assim não me davas, assim não farias
Por ti, por mim, teus olhos são meus.
Estes remédios, dessas partes tuas
O teu olhar que na noite brilha de se encantar.
O teu colo que amortece a mim da luta
Não que tenha vencido, nem que tenha lutado.
O teu beijo de todos os gostos que já provei
Tem um dele que nem fruta lá de longe
Me arremete ao céu parecido com o céu
E de ter o teu corpo e me aliviei
Bem no meio de mim, sândalo marrom.
PENSO
Prá mim falar é encostar os olhos
E esquecer e durar o tempo do escuro
Mas ninguém pode fazer no tempo
A escuridão, porque a claridade
Se persiste o dia
Ela dissimula os lados de entrar.
E os enigmas da coexistência com coisas adversas
Não são relevados nem na sombra nem na clareza
Cabe na imaginação a pressuposição
E concluo por pensar na anti luz.
No reflexo dos preferidos por mim, os próprios olhos
E não consigo pensar em nada.
Porque a luz são adequados os pensamentos.
E deslembrar é uma claridade que nos distrai
O sol se presta no escuro a atrapalhar visões
As inferências a que podia se chegar.
A sol a cada dia se desengana, como eu
Por não saber do que fazer
E isto é comum nos dias de claridade.
Luzes se adéquam à noite
E penso e esqueço no mesmo tempo
Da intensa máxima verdadeira.
A luz não refaz verdadeira aquilo
Que distinguimos muito bem na noite.
PORQUE SE DEU
Depois do lugar entre o céu e a terra
Alongada de Deus toda obviedade
És tu quem eu mais quero.
Ajustamento de não ser
O que sem ser o que quer
Gritos de independência flâmulas ao vento
Sinais de puberdade, não de sabedoria ainda
Agora mais cedo que a noite do dia.
Eu quero ser desta abadia
Porque em notar primeiro as tuas razões
Imprudências óbvias, canais de outros
De onde retiras a água de gosto ensaboado.
Depois de chegar a minha casa
Falarei a ti do próprio mundo
E vexado direi não sou o homem adequado
Que viaja no tempo e se redime disto.
Depois de Deus de longevidade a me perpetuar
Em contas que dizem os anos
Amo-te, amor de Deus, sou unido a ti e aos ramos
Que enfeitam a casa das conversas
Abordando em torno de ti
SONHO A LUTA
Me vi poeta, de um esquecido ritual
Na pedra rubra na ilusão de haver feito
Uma honraria desmerecida. De sonhar
No momento em que minha vida, estreito.
Incluí um em mim esta verdade, estar
Fazendo a coisa certa... iludi, julguei
Hoje me cobram, os tais ancestrais
Que do tempo não digam, ancorei.
Maltratei as rosas de minha volúpia
Por trazê-las nas mãos, as mãos que te dei
Com tudo arrumado, começo e fim.
Voltar ao sonho,
Já não distraem os poetas.
Tantas vezes dei o lugar foco, da lei
E ao transformar-me no comum, se esvaem
Momentos impossíveis, pedaços que não sei.
O emblema rebrilha, forçado contra-mão
Contra o dia, tempo que resvala o sol
E derrete-se na fornalha, o meu coração.
Se nisto não vejo sentido, os outros nós
Que pela vida pontilhei varandas até no chão
Tentarei se encontro nas rachaduras secas
O sentido que sou, o que recolhe a mão
Sou alguém, e se já me perca.
BENS DO AMOR
Sabes do amor a paciência
Ungido por ele, conta, restaria
De tudo, a salvação, que mandaria
Em tê-lo como fiança, a profecia.
Do que te embebedas, na falta da penitência.
Quanto calculas o amor de quem querias
Nem tudo arrumas tê-lo desde a inocência
Quando nem tu nem ele não correrias.
A essência no meio vem de afluência
E o meio era o fim que amanhecia
O gesto que fazia por sua ausência
Ou por ver os sinais de calmaria.
Mesmo guardava por outros lugares
Por lembranças de amores também deixados
Que ele encarnou, por ti andares
Ainda só, completa muda a desejares.
O amor do seu altar de onde se sabe
Ele ocultou-se para ainda cintinuar
E ficar posto no lado da emboscada
E aliançou em teu por te adoçar.
ASSIM, ASSADO
Talvez não sendo eu
E nem sendo tu
O ser demasiado, eu
Em suas juras, tu
Por acaso em mim.
Eu e por oportunista, tu
Escolhemos nossos lugares
Próprios. Os mesmos
No mundo onde corremos
Das nossas esperanças rejeitadas.
Tu com mais chances que eu
Eu menos audaz, por tu.
A gente podia falar no mundo
E ele se sacudisse para esperar
A seqüência de placas
Mostrando-nos meus erros, tu
E a ti encaminhando, eu
Além, onde se sabe,
O melhor estar.
Talvez em tu arranjado
E acomodado, eu
Ainda busque as flores
E dê também os espinhos, tu
Fica a minha face
Assim, triste, assim de dar pena
Porque o choro, se não é por não querer,
De alegria, o choro de águas
Mais densas e mais salgadas
Dão sinais de cheias
De motivos e confortos
Para que eu continue assim
Ainda na retífica de espírito
Da funilaria do couro
Do desembaraço dos cabelos
Enquanto dure minha maquiagem.
JOÃO PAULO II
Quem seria capaz de repetir o acto,
De uma noite densa reinventar o claro,
E de um caos profundo, num amor tão caro,
Dar como obreiro do Divino amor, e amar.
Amar na intensidade do primeiro amor sentido,
O amor nunca remido, posto que só o bem criou,
Só o bem plantou, e na mesma intenção desmedido,
Dar-se inteiro, vasto corpo, do cosmos inteiro, feitor.
Quem se atreveria com perigos agora mais evidentes,
Atrofiar as horas, acalmar o vento, refazer o temo?
Qual o humilde, e tudo podendo, os clamores sente,
E refaz o mundo no mesmo modelo e as gentes,
Deixar constrangido, frente ao amor sentido, puro
E não se abater de sua fragilidade, e quis e fez,
Uma outra história, um movo tempo, para o futuro,
Se pensar o passado, se fazer no presente, que esse refez.
Um rei que do seu trono desceu, e não maos sentou-se
E fez do mundo uma casa maior e mais promissora
Que perdoou setenta vezes sete, e até mais perdoou,
Por ter atinado: os decretos de Deus não são dez, nem dois
O DIA TODO É TEU
Hoje só crer de ti me ofertarei
E já terei corrido a folhinhas do Sagrado Coração de Jesus
Que agora são o que faço
Ler destemidamente
Abancar os dragões com minhas mãos
Faço a cabeça da bruxa a amealhar tua beleza
Quando ela e eu emudecemos ponderamos
No alto volume de nossas almas.
Hoje ainda não estarás restituída
Mas o meu cantar baixinho
Algum fado, meu desafeto
Ou outra música que me é própria
Ouvir cantando pelos passagens
Enquanto eu vou à cozinha
Preparar a mesinha
Certo que hoje só beberás.
Não de mim, sacrifício não é
Às vezes, mesmo nada ocorrendo
A gente pensa imobilizar quem se ama
Mas que isso não conta como tortura
Ou algum tipo de conflito
Imutável das caneta dos justiceiros.
A gente só quer ver o corpo inerte
Mas com a saúde boa
Com a audição perfeita
Ouvindo o que se diz de ti
Longas declarações de que há dor
No meu colo onde te dormes.
Apagas da tua visão
Meu batom carmim
E te verei campina
Verde toda direção
Entre os montes cimo
Os teus seios deslizantes.
Eu sorvo toda a tua pele
Toda, tudo tão inteiro
E tudo será como eu quero
Como um beijar primeiro.
E onde em mim tu tocares eu
Serás como Midas
Mas não no ouro
E serei, por mim conduzido.
Te elevarei ao poço
Da minha vida
Rainha por um tempo bom
E eu terei caído.
Amor, amor, amor
Te chamarei, querida
Me sugarás teu beija-flor
Todo equilíbrio
Uma canção dos ditos
De Moraes Vinícius
E musicarei os versos
De Neruda, em vida.
NAENO - com reserva de domínio
Traz amor, flores do vento
Meus olhos se servem dessa cor solar
Não se perde em tua linda
A mais bem feitinha,
alguém deste lugar.
Sabe bela eu venho até aqui
No momento certo de te ver chegar
Da janela, e só dela presto
Pra te ver, tão linda
E pelo fim passar.
Sabe o beijo que enfeitava a tua
Minha a boca de tanto beijar
Vamos quantos nossos lados juntos
E estas flores são pra te entregar.
Nunca à frente ligeiro ou demoro
Naves longe hão de nos levar
Me recordo o beijo apressadinho
Nos levando pelas portas do mar.
PIANO
Na sala principal da casa da direita, jaz um piano,
Em quem ninguém toca,
Nem a displicente mariposa nele toca,
Pra não dizer que nada, absoluto, lhe toca,
Toca-lhe a flanela leve, até por seus teclados.
Do que vale um piano inerte, fechado,
Como se houvesse dentro alguém calado,
No ponto já de seguir o cortejo.
No meu quintal resistem dois ipês antigos,
Que já nasceram como gêmeos, irmãos parecidos,
Qando é noite que o vento afoito balança sua fronte,
Eu ouço, do ranger dos galhos a mais suave melodia.
Por isso não vejo a necessidade de um piano
Em minha sala, as teclas se grudariam,
Porque eu não toco,
E pra que serve um piano que não toca.
MUDANÇA
Como um vasto campo, nesta estação, sem nada
Assim meus olhos surpresos vêem agora,
A campina que nas primaveras de outrora,
Refletia o melhor da vida, as flores, alagadas.
E o que terá havido que o tempo não conta,
A vez de outras campinhas de outros lugares,
Verdejarem enquanto a essa se desmonta,
Pra virar um deserto onde só se ver barro.
Permutam as estações, umas suaves, outras não
Umas que trazem alegria e festa, outras estéreis
Uma que se enchem de flores, como era a vez desta.
Mas em se perpetuar assim, esta, a vida muda a razão.
Ah, primaveras de outros tempos, e que ninguém tocou
Quem se atreveria sequer pensar, mudar, o absoluto,
O tempo que tão astuto, faz de si o que se notou,
A forma, o jeito, como ele faz, isso nunca se revelou.
NÃO SEI
Eu que tantas vezes chorei, tantas vezes ri,
Eu que tantas vezes sem saber, o fiz
Sem saber o porque da lágrima,
E só me derramava em mim, calmamente.
Eu que tantas vezes chorei
E tantas vezes achei que chorei mais que ri.
E se isso for verdadeiro, menos olhei
E mais eu vi.
Por que o mundo é infecto e cheira mal,
Ás alturas em que se está, vê-se um final,
Que não nos agrada ir, antes ficar.
Quantas vezes chorei por alguém chorar,
Quantas vezes estanquei meu choro,
Ao ouvir alguém cantar.
Mas o fétido mundo,
Também produz um barulho,
Que só os surdos pra suportarem.
Por isso chorei em demasia,
Pois as pessoas que eu sabia chorarem,
Por ver lágrimas em seus olhos,
A essas fui solidário, e me derramei.
E eu que tantas vezes chorei e tantas vezes ri,
Não ri mais do que chorei,
Nem chorei mais do que ri, de mim,
Sabedor do mundo, do seu querer profundo
Que a gente chore muito mais.
naenorocha