Coleção pessoal de monalisa_ogliari
De histórias são feitas as histórias. Fragmentos de tempos em tempos. Somos lançados em nossas trajetórias. Uma página em branco. Sem dedicatória. Sede de vida. Peremptória. Estrada de rota indefinida. Caminho que desconhece derrota. Escrituras gravadas em pergaminho. Regras proscritas de uma lei sem rei. Caminho. Seguimos juntos e sozinhos. Intercessões lógicas de um conjunto. Exconjuro. Pago juros. Entro em apuros. Nem eu me aturo. Me atiro. Me jogo do precipício. Viro vício. Me desculpo. Me extravio. Vou de navio. De tanto chorar, eu rio. Desafio. Concilio. Me jogo no vento. É o tempo. Me lanço em você. Me embrenho no pensamento. Concílio do vento. Nebulosa do tempo. Me invento. Te invento. Nos fazemos. Possuo. Desnudo. Mudo grito. Desespero em negrito.
Alegria escalando o Everest. Felicidade incontida. Seria perfeito se não fosse a vida. Escuridão de esperança despida. Duas cabeças esculpidas. Uma gargalha e dança no meio da avenida. A outra cumprimenta a morte. Sua face híbrida. Uma de negros e ameaçadores olhos. Outra festiva. Convidativa. Cada uma com sua forma de seduzir. Digo: Eu vou por aqui. E lanço meus olhos em seus negros olhos. É tarde. Negros são meus olhos. Digo: Eu não quero sorrir. É tarde. E já não sei mais onde é aqui, Onde é aí. Sobrevivi.
Monalisa Ogliari
Em um canto qualquer do oceano, ouve-se uma longínqua voz. Não de linha reta. Mas de oblíqua. Não uma voz certa. Mas sinuosas ondas de espera. Não uma voz livre. Mas uma voz de cautela. Voz nascida antes do universo. Para além do multiverso. Sussurro antes do verso. Da nossa face o inverso. Nosso lado controverso. Nosso fardo subverso. Nosso ser igual. Diverso. Eu me despeço. Cresço. Amadureço. Esqueço. Viro semente. Lembro. Você descrente
Percebo. Escrevo. Não leio. Distribuo papeis em branco com a minha assinatura. Viro escritura. Defiro com firma reconhecida. É preciso encarar a vida. Cansa minha face descrida. Minha face precavida. Impossibilidade de qualquer enlace. Resisto. Insisto. A angústia me abate quando desisto. Vale tudo. Vale o que vier. Só não vale desistir da vida, deitado em uma cama qualquer. Seja homem. Seja mulher. Nem só de pão vive o homem. Nem só de direitos vive a mulher. Debruço-me no parapeito. Eu posso voar se eu quiser. Seguram-me pelo pé. Poderes mágicos, para quem tem fé. Todo colar é amuleto. Todo tempo é obsoleto. Deito-me. Não durmo. Uma nebulosa no meu peito. Rejeito. Enfeito-me. Faço cachos nos cabelos. Arrumo a coluna. Encaro a tribuna. Ninguém me excomunga. Sou água profunda.
Monalisa Ogliari
Nas casas, nos lares, nas ruas. A vida segue. O coração pulsa. A mente raciocina. Até quando? Pergunta que não importa. Segue a vida e seguimos até o quando-será. Os dedos digitam. As mãos cogitam. No ritmo frenético da produção há vida. No silêncio da mente há vida. Nos campos. Nas indústrias. No comércio. E somos muitos. E somos vários. E passaremos, quando a cada instante passamos. Convém sorver a vida, quando somos pela vida sorvidos. O relógio fraciona os instantes. Os instantes ignoram nossa cronometragem. E somos otimistas. E somos pessimistas. E somos nada. E somos tudo. Somos imagem no espelho. Somos imagem do tempo. Somos cosmopolitas. Somos rurais. Somos índio. Branco. Negro. Amarelo. Um ser sem cor. Somos palavras que respondem. Palavras que ignoram. Somos o tempo que demora. E passa rápido. Somos a carne no açougue, cortada em fatias. Somos a verdura do corpo que se crê saudável. Legumes e frutas. Queijos e laticínios. Somos a rosa, com ou sem espinhos. Somos tão vários. E somos tão o mesmo. Sumos de cores variadas. Espectros de luz dos mais diferentes primas. Somos a sede. De vida. Para além das rimas. Somos o ser que fizemos, quando nos fizeram. Somos essa manhã de sol que nos lembra que ontem foi noite. Somos cinza, fluorescente. No pulsar de um neurônio que se acende.
Monalisa Ogliari
A paz
No colorido do sol poente
Nas cores que se entrelaçam
No verde de cada folha
A paz
Sentimento inominado
Da calma que abre espaço
A paz que mora na alma
E chega sem fazer anúncio
A paz
Mais que um sentimento fugaz
A paz que se demora
Nos instantes além da hora
A paz
Que mora n'alma
A paz das palavras
Que se escrevem sozinhas
A paz que me encontra
Quando dela me esqueço
A paz
Que hoje achou meu endereço.
Monalisa Ogliari
Pergunte a si e verás teu reflexo no espelho. Pergunte ao outro e verás surgir uma nova face ali refletida. Pergunte ao tempo e verás a atividade incontínua das marés. Pergunte ao universo e verás a complexidade das galáxias. Pergunte aos homens e verás humanidades. Pergunte a um fisiculturista e verás um corpo com músculos. Pergunte a um monge e verás uma mente que medita. Pergunte a um ator e verás representação. Pergunte a um filósofo e verás novas perguntas. Pergunte à religião e verás orações. Pergunte ao jovem e verás possibilidades. Pergunte ao ancião e verás experiências. Pergunte à natureza e verás que mais uma semente brota. Nada pergunte e nada verás. Porque o tudo é nada. E o nada é tudo. Respire. Fundo.
Monalisa Ogliari
É feriado. É domingo. Segunda talvez. É dia. As cigarras marcam as horas. As formigas carregam os minutos. As abelhas colhem os segundos. Faz sol lá fora. No peito um clima incerto. Cores indicam flores no deserto. Somos desejo. Somos ensejo. Fernando Pessoa e o rio Tejo, que passa no fundo da minha rua. Lá onde mora a gruta. No âmago do caroço da fruta. Nas palavras aleatórias. Na boca que conta história. O vento varria as folhas. A vida cada vez mais cheia. Folhas, lembranças, percevejos. A relatividade em que me vejo. Hoje estou viva na rede que embala. Amanhã serei lembrança na sala. A foto que a câmera enquadra. Um leve estar. Um leve passar. O universo não é triste nem alegre. É uma mão que escreve. Não sou eu. Nem é você. É um átomo que se agita. Eletricidade. Física quântica. Somos os mesmos. O mesmo espaço. Dois corpos no mesmo espasmo. Buraco negro de inquietações. Órbitas anônimas na perfeita equação. Somos o tempo que passa. O tempo que não existe. Somos a esperança que persiste. Sem nome, sem forma, sem porque. Somos dois olhos que veem. Hoje é dia. Somos feriado de datas inventadas. Um dia seremos verdade. Em nosso conto de fadas.
Monalisa Ogliari
Um ano que passa. Um fremir do vento que leva. Dias, meses, primaveras. Tudo é tão vasto. O tempo passa no tempo que fica. Somos esse livro que o vento escreve. Desafio de se deixar levar. E ter na face refletida o tempo ido. Tristezas e alegrias. Nada permanece no espaço. No entanto, somos história. Cada ar que respiramos escreve o nosso tempo. Cada pensamento que temos escreve essa existência. Rajada de uma tempestade colossal. Leve como a brisa. Leve como um passo silencioso na noite. Longo como um dia de sol. Tudo é a mesma essência. Inquietude ou efervescência. Passar e permanecer é a lei. Tudo recomeça. Não no calendário. Nossas almas recomeçam a cada instante. Basta um sentimento e já não somos os mesmos. As palavras tentam reter os ponteiros. Mas o relógio é como a ressaca no mar. Sutilmente leva o que tentamos deter. Vivemos, sonhamos, sentimos. Escrevemos cada página do nosso livro. Em cada imagem da retina. Tudo existe e nada passa. Nada é estático. Mas nada se esvai. Viver é aprender a ser e não ser. A arte de estar. Quando tudo passar. Hoje faz sol e faz frio. Neva e queima. Hoje somos além. Tudo é o mesmo sumo. Somos eternos em nossa fugacidade. Em um ponto qualquer da cidade. Um ano que passa.
Monalisa Ogliari