Coleção pessoal de Melcoelho
Eu estou aí .
Eu estou aí,
como o silêncio está na noite ,
como o som está na canção ,
suave ...
coisas tão óbvias !
Eu estou aí,
como as cores existentes nas paletas de um arco-íris ,
como as notas musicais de um instrumento ,
como um rubor de uma menina que ama ..
Eu estou aí,
como o sopro do vento em noites tempestuosas,
como as nuvens decorando o céu chuvoso,
como o sol dourando a pele em uma tarde de calor...
coisas naturais e tão óbvias...
Eu estou aí,
nas dobras de um lençol,
em um retrato disposto na cabeceira da cama,
no livro rabiscado de sentimentos , nas paredes , nas entranhas ...
Estou no cheiro ,
no toque , no papel,
Estou na velha caixa de lembranças ..
Eu estou aí,
eu estive ai,
vc esteve aqui .....
agora não mais .. coisas que eram tão óbvias !..
Mais um.
Levanto , são 06.00 horas da manhã.
Mais um dia novo se inicia . Visto minha fantasia e saio rumo a meu picadeiro . Chove .
Alguns minutos talvez fossem o bastante para chegar ao meu destino , mas não é. Chega o trem .Eu, fantasiado me disponho em assentos duros e frios mas muitos ainda se prostam em pé ao meu lado com seus corpos esguios.
Não reconheço ninguém, nem ao menos sei seus nomes, idades ,sonhos ou endereços . Olho para eles, olhares voltados ao nada , silenciados em seus próprios pensamentos .Uma multidão reunida em um único espaço, todos estranhos mas a caminho de "um algo"em comum.
O silêncio paira no ar e entre paradas em estações observo já cedo o cansaço estampado nesses rostos em tons de cinza.
Desço na minha estação ,contente por parte do trajeto ter se concluído mas meu trajeto ainda continua .
Já próximo a meu picadeiro , inicio os planejamentos do dia ...diversas obrigações a serem cumpridas mas ao meu ver todas elas desconexas .
Chego ao fim, subo as escadas ,lá estão meus papéis , telefones e máquinas que nunca usarei para nada , objetos que não sabem nada sobre mim.... gente que nem mesmo sei quem é .
Começo a organizar as coisas freneticamente , porque embora longo, meu tempo é curto.
Saio, fumo um cigarro , tomo um café , quem sabe a cafeína não disperte um pouco meus verdadeiros sentidos de vida e as horas corram mais depressa.
O tempo se estende , nada resolvido e eu em meio a confusão de uma vida que não é minha , correndo atrás de um nada qualquer para sobreviver neste mundo que devasta os que não tem anseios .
Tudo tão monótono, frio, mecânico e robotizado . Me sinto mesmo um palhaço !
Hora de partir , digo adeus as máquinas e aos poucos humanos que conheço (ou desconheço) que me cercam durante todo o dia !
Sigo rumo a meu espaço mas o espaço até lá é longo ....
Me predisponho nas fileiras enormes de rostos. Já é noite .
Desta vez o cansaço é claro em muitas faces , a exaustão toma conta dos corpos que suaram mais um dia em busca de sobrevivência e posição social.
Cada um contido em seus sonhos que talvez nunca venham a ser vividos ou em seus projetos que podem nunca sair do papel.
Todos ali, num único espaço, meu espaço temporário também , rumo a coisas sem real significância.
Me levanto , digo a eles adeus em pensamento, não desejo ficar ali por muito tempo....
Agora tenho muito a andar até meu descanço mas meu descaso é maior que qualquer caminhada até meu repouso .
E a chuva ainda chove . Chego a meu reduto já cansado com minha fantasia toda ensopada, tiro meu nariz de palhaço..... agora a fantasia se completa !
Deito , e penso : sou só mais um nesta avalanche de sonhos que dormem e acordam todo dia ...
Tento silenciar minha idéias , mas minhas roupas ali ao lado molhadas me pertubam ..... jogo elas foras. O caminhão de lixo há de recolhê-las .
Adormeço .Sei que amanhã será um novo dia , embora seja sempre o mesmo mas desta vez estarei dispida de meu traje , sem minhas fantasias e penso : talvez este seja um novo começo para ser e fazer diferente !