Coleção pessoal de marianagpena
Levado pela sede, com extraordinário pensamento,
meu amor permeou por todo o meu ser
Espargiu-se pelo contorno do eu
Tomou legítima forma; tomou sua própria visão
[de todas as coisas
Definiu sua própria natureza e tornou-se a evanescer
Formou hifas difusas por toda sua experiência
Não cabendo em si, decidiu se libertar
Desejei-te tanto...
Beijar teu ventre imaculado
À tua boca delicada de menina
Trazer ao teu corpo a pureza do espírito
Digo-vos que a amarei em meu improfícuo amor
Entre teu corpo e eu, e teu corpo
Arcano
O tronco tortuoso tinha casca lisa
que descamava em placas finíssimas
Folhas delicadamente discolores
formavam uma copa tímida, mas persistente
Que se ornará duma frutescência única
Vi flores tão solitárias florescendo em junho...
No nascer do sol
O cheiro da seiva vertendo no floema
A umidade no ar carregado
A calmaria predizendo o último dia de vida
O silêncio arrebentava-se na atmosfera
Irrompendo furioso no espaço conquistado
Perdendo-se no lado escuro da alma vazia
Demônios vestidos de sangue brincam na mata
Sorrindo por uma nova estação enlevada
Soprando injúrias no vento
Porque é preciso morrer
Porque é preciso descer ao mundo inferior
pelo terceiro caminho
pronunciando o nome do inominável
Olhando pela janela, vejo o sol incidindo
Derrama luz na estante, no relógio, na maçaneta
Na ampla sala vazia de cor
A mesa está posta
Toalha branca, límpida, ingênua
Pratos limpos, panos largos, pães, leite
Não há ninguém à mesa
Há o silêncio, o abandono, o não ser
Rastros invisíveis, sombras do vácuo
Tudo passa despercebido e nada é nunca lembrado
É a transmutação do tempo
A natureza sendo absorvida
para que minha sala nunca envelheça
Para que seja embriagada
no meu próprio passado
A pergunta involuntária sem resposta
Provei à cereja ácida
Provei a angústia do momento em que nasci
O início, o vazio, a quitina negra do ferrão
O ponto letárgico onde a alma encontra barreiras tão obscuras...
E não pude seguir adiante
Dissoluto no fundo da morte
encontrei teu viço jovem, infantil, puro
Entendi o que é a paz;
essa alegria distraída de viver
este sopro macio no campo
Um rubor na face macilenta
Um instante estúpido contigo
Eu esperarei por ti
na vida, na morte, na distância
No delírio da febre, na tristeza do pranto
nas noites frias, nas minhas pálpebras fechadas
Nas águas turvas do meu sono
Sufocado no escuro, enlaçado na calada
Sentei-me no chão ouvindo o ruído do nada
Do sangue ascórbico corroendo faminto
Do coração pulsando agudo por instinto
Nega-te o alimento, o sustento diário
[nega-te a vida
Acostuma teu nome ao sinistro obituário
Roga-te a praga, converte-te em semente
E da moléstia, forma-te o carpelo
de um mundo inconsolável e belo,
doses excessivas duma fome demente
E não há mais miséria na aguardente
Nem pudor nas faces coradas
Os braços rasgados de cercas farpadas
O grito à ânsia, o fruto à serpente
As cravinas floresceram entre o joio
Vi as cores mais brilhantes que jamais vi
toquei a água gelada do córrego
toquei uma tal tristeza...
Sentei-me e descansei no riacho
muitos pássaros empoleirados em um galho seco
Choveu muito a manhã toda
chuva forte, densa, persistente
somada a um vento acre
que estremece as folhas largas, carregadas de umidade
Cheguei ao meu limite
Meus olhos... [ faz-se água
Meu amor é frágil;
Deixará passar o inverno à promessa de por toda uma vida...
é contrário a egenerescência da alma alcançando o espaço iluminado
abstrato em carne e fogo
Quando enlouqueci, pus-me no chão
[ para melhor sofrer
me acostumei com a lama
o céu se largueia em grande azul
Fria impassibilidade,
bebeu-me o sangue, devorou-me os ossos
matou-me abstratamente
Uma Elegia Branca
Se soubesses do meu ímpeto
A sede da flor em teu corpo
(e tuas pétalas cor de vida)
Dona do meu amor, tua beleza me fascina!
me matas e me salvas
{Traz-me em cada suspiro a ânsia
e a cada momento a falta}
Meu todo está em ti
e é no teu silêncio que meu sonho dorme
No entanto, sinto meu sonho morrer
Move-se de mim o espírito
e já não ecoa no vento meu apelo inútil
já não pulsa forte meu coração estúpido
já não me vertem mais puríssimas lágrimas
Mas ainda ouço na voz da ausência
todas tuas sílabas inexistentes
Epígrafe
Meu amor verte no mínimo espaço
Em mim, posso te sentir
é impossível não admitir
em cada olhar, em cada passo
Amor como o meu jamais verás
é possível notar - posso garantir!
na ainda vaga felicidade de existir
que a tua existência me traz
Amor,corroa, rasgue,lavre
provoca-me queimadura
queima-me! meu amor aceso
esta enfermidade que não cura
a este amor estou preso
e, ao mesmo tempo, livre