Coleção pessoal de MarceloEvangelista

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⁠APRENDENDO A BOIAR


Aceitar-me como um todo
Impossível
Estava ainda molhado e trêmulo
Do meu último mergulho
Resolvi então
Secar-me por partes
E observando cada detalhe
Na busca de encontrar
Por menor que fosse
E em algum lugar
O belo
O qual eu tentara sempre afogar
Para isso agarrei na afirmativa
Que todos somos filhos de Deus
E não usando a arrogância
De que teria de me aceitar
Por ser ele
Meu Pai
Mas sim
Acreditando na beleza de sua criação
Primeiro enxuguei meus olhos
E confesso que demorou
Já eram muitos anos de água
Porém precisava que eles estivessem
Claros e vivos
Bem longe da cegueira habitual
Sequei minhas mãos
Perfeitas
As duas
Bonitas e fortes
E prontas
Para segurar ou largar
Acariciar ou bater
Escrever ou rasgar as páginas
Dar adeus
Ou
Em parceria com meus braços
Não menos belos
Abraçar
Sequei minhas pernas e pés
Pois agora já conseguia
Enxergá-los inteiriços
A possibilidade
De ir e vir
Fugir e voltar
Voltar atrás
Deixava-me excitado
Sequei então
A cabeça
O rosto
A face
As orelhas
O nariz
Lindo
Tudo lindo e perfeito
Minha boca
Nossa, minha boca
Antes motivo de tanta vergonha
Por ser grande demais, beiçuda demais
Agora era poderosa
E sua beleza não estava só na forma
Mas no que ela passaria a dizer
Precisei me ver em partes
Para enxergar
A beleza de um todo.
Como eu amava meu cérebro
Naquele momento
Agora eu poderia
Nadar com meus braços e pernas
Ou
Com minha boca pedir socorro
Ouvir a chegada de um resgate
Respirar consciente
E melhor
Nadaria na direção certa
Com meus olhos como faróis
Que não fosse na direção ideal
Para os outros
Ou mesmo para mim
Mas que pelo menos eu achasse
Eu tentasse
Até uma direção contrária
Mas
Eu.

⁠CARNAVAL FORA DE ÉPOCA

Acho que foi nesse período
Percebi-me e não gostei do que vi
Não era o que esperavam de mim
Assustei-me, chorei e comecei a morrer
Calado, com medo e com dor
Dor na alma, nos olhos, no corpo
Solitário, perdido, sem respostas
Diferente, tornei-me indiferente a mim
Meus desejos eram contrários e contraditórios
Como meu corpo e mente
Meus beijos impossíveis
Meus abraços duvidosos
Meus olhares maliciosos, vindo de olhos
Que deveriam ser arrancados
Tentava respirar num mar cada vez mais profundo
E turvo e turbulento
Um turbilhão
E morri no maior dos meus medos
Que hoje eu entendo
O mar
Sempre achei que tal temor vinha de outra vida
Mas hoje consigo enxergar que morri nessa
Aos sete anos de idade
E para continuar
Tive que renascer respirando outra essência
Que não era minha
A minha era proibida e ainda malvista
E condenada
Pelos que te matam
Sorrindo
Aceitando
Fingindo
E rindo
Da tua dor disfarçada
Muitas vezes numa alegria forçada
Numa roupa fantasiada
Num gesto sinuoso, ridículo, engraçado, exagerado
E provocante de defesa
Não me mataram
Me mal-trataram
Mas não me mataram
Fizeram com que eu me matasse
Tirando deles a culpa
Disfarçada em palavras amigavelmente mentirosas
Por mais que alguns pensaram estar sendo verdadeiros
Foram sempre traídos pelos olhares questionadores,
Reprovadores
E na sua grande maioria disfarçados para não magoar
Porém cortantes e risíveis
E generosamente cortantes
Assumo
Ninguém me matou
Eu não me matei
Fiz pior
Deixei-me matar
E renasci
Com medo
Receio
Raiva
Pena
Vontade
Sonhos
Desconfiança
Insegurança
Força
E máscara.

⁠ABSOLVENDO NARCISO

Joguei fora o meu espelho
Afundei-o nas águas
Pra mim e pra tudo
Passei a não me ver por fora
Para aceitar-me por dentro
Cabelos desgrenhados
Roupas maltrapilhas
Dentes
Unhas
Imagem
Abandonadas
Fiz da repulsa meu escudo
Pouco ria
Mal falava
Nada questionava
Só a mim
O que eu estava fazendo
Ali e comigo
Mutilava-me
Envenenava meu corpo literalmente
Mesmo desprezando o espelho
Ainda via meu reflexo
No fundo das águas
Nos outros olhos
Eu não agradava
Não me agradava
Não me enquadrava
Sentia-me sujo
Coberto por uma pele
Em putrefação constante
Por dentro e por fora
Cada vez que ousava pensar
Em mim
Nos meus verdadeiros
Sonhos e desejos proibidos
Ainda que meus
Uma eterna sensação
De renascer sempre
Para a morte
Mas eu insistia em respirar
Mesmo me tapando
Eu
E os outros
Agora me tornara um bicho
Fiz de mim um monstro
Um coitado
Um bosta
Feio
Estava de mãos dadas com a solidão
Fiz com que o espelho envergonha-se
De me refletir
O meu espelho
Perdido
Quis meu reflexo de volta
Como fosse
De qualquer jeito
Maneira
Senti que precisava ver
Pra me ver
Senti que as flechadas
Doíam mais pelas costas
Precisava receber de frente
De peito aberto
Na cara
Assim poderia
Eu
Desviá-las
Quebrá-las
Ou devolve-las
E sem que ninguém percebesse
Resgatei meu espelho
Do lixo
Do fundo de minhas águas
Com muito medo
E força
E mesmo sem saber nadar
Tomei-o de volta
Meu.

⁠O dia e a noite sempre exitiram, compartilhando o tempo e o espaço de forma igual e respeitosa. Em plena harmonia.
Mas quando o dia pensa em supremacia, vem a noite com o eclipse para mostra-lhe o seu poder e colocá-lo em seu devido lugar.
É a natureza mostrando para a humanidade como as coisas podem e devem ser!

Marcelo Evangelista