Coleção pessoal de Lilio
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não é racionado nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais rápido.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um", duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos. Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Ninguém nos disse que chinelos velhos também têm seu valor, já que não nos machucam, e que existe mais cabeças tortas do que pés.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que poderíamos tentar outras alternativas menos convencionais.
Nunca esqueça de sempre ageadeçer a Dues por tudo
que acontece na sua vida,
pois afinal de contas a sua vida não é sua,
é dele, e é ele que dicide o que fara com ela.
Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
Procura-se um amigo
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
Mais Um Adeus
Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho
Mais um adeus
Uma separação
Outra vez, solidão
Outra vez, sofrimento
Mais um adeus
Que não pode esperar
O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar
Contraponto
Olha, benzinho, cuidado
Com o seu resfriado
Não pegue sereno
Não tome gelado
O gim é um veneno
Cuidado, benzinho
Não beba demais
Se guarde para mim
A ausência é um sofrimento
E se tiver um momento
Me escreva um carinho
E mande o dinheiro
Pro apartamento
Porque o vencimento
Não é como eu:
Não pode esperar
O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar
PARA VIVER UM GRANDE AMOR
Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...
Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.
Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Soneto do amigo
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
Se você quer ser minha namorada
Ai, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarzinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porquê
Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.
A rosa de Hiroxima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Soneto a quatro mãos
Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.
Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.
Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
Chega de Saudade
Vai, minha tristeza, e diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe, numa prece, que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade, a realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Mas, se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim
Não quero mais esse negócio de você viver assim
Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim
Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser está tudo terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados.
Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
O VELHO E A FLOR
Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.
Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:
O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.
Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Como dizia o poeta
Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai
Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não
Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão