Coleção pessoal de leticiapiva
Julho se foi, e levou com ele um pedacinho da nuvem de algodão que eu costuma repousar minha cabeça. Sem piscar os olhos, a vi diminuindo no horizonte a medida em que se distanciava. Não tive tempo de me despedir. Em uma caixinha decorada, em retalhos de cetim, guardei o abraço mais apertado, o olhar mais expressivo e o sorriso de felicidade. Guardei também a prosa, a poesia e a música cantada a capela. Quem sabe na próxima estação ela encontre o caminho de volta, e desagua mais uma vez em meu jardim, regando minhas flores preferidas, enquanto eu solto o laço bem trabalhado que usei para selar a caixinha. Mas, ainda é agosto. Acho que devo me agasalhar agora.
Tenho um amor ser dono, vagando em busca de espaço, onde possa se diluir e multiplicar. Isso faz dele inútil.
Que desse meu abismo constante saia letras tradutoras, e de toda minha confusão notas e acordes. Compondo assim a melodia que inspira minhas ações. Inspirações.
Com o tempo a gente descobre que só amor não basta. Ele torna-se apenas uma palavra bonita de contos, quando perde seus pilares. Respeito, carinho, companheirismo, confiança, amizade, entre outros tantos que estrutura esse sentimento tão nobre. Amar é simples. O amor é composto.
Olhos expressivos, estonteantemente verdes, enigmáticos. Tradutores de um silencio revelador. Ainda há dores empreguinadas na alma, de uma ferida de muitas causas e pouca cura. Suspiros involuntários pausam conversas descontraídas, como quem tenta amordaçar lembranças de outrora. Pede em silencio por uma paz nunca experimentada, perdas irreparáveis. Armaduras enferrujadas, e uma fragilidade doce. Menina que as vezes brinca de ser mulher, ser mãe, mas o desejo de ser ainda filha, cuidada, pega no colo estão expressos em seu sorriso travesso. Muleca, levada da breca. Tua fortaleza é fruto de uma sombra. Um divisor de águas. Tua maior Alegria. Tua raiz, teu filho. Mas o que realmente torna-te cativante é a simplicidade de seus atos.
Se não quer, devolva-me.
Pode ficar com todos os sorrisos e abraços. Fique também com os beijos, filmes e gargalhadas, mas deixe aqui a minha voz, minha música, minha essência.
Se não pode ser diferente, liberta-me, fique com tudo o que quiser, mas não me guarde em uma caixinha. Guarde as fotos, as cartas e tudo quanto vivemos, mas deixe-me ver o por do sol. Se o que sente não é mais amor, apenas deixe-me ir, você pode levar todas as lembranças, e até apaga-las se for essa a sua vontade, só não apaga a minha chance de sentir meus pés no chão.
A porta está aberta, você está livre.
Você pode até partir e levar junto meu coração. Se é amor, me leva junto também, e promete cuidar de mim.
Mas se não é amor, devolva-me. Não me rouba de mim.
O tempo não é medido pelo relógio, mas pelo aprendizado, o amadurecimento e toda a bagagem de uma vida. Messo o tempo pelos brinquedos que troquei por um salto, por uma agenda cheia de compromissos e responsabilidades. Pelos valores e prioridades agora mais claros, renovados. Vejo o tempo além do meu cronometro diário que me limita, me prende, me sufoca, percebo é nas mudanças de conceitos, na tecnologia que meus precedentes não acompanham e minha juventude, ontem criança dominam. É pelo distanciamento das pessoas, pela transformação de arvores em prédios, pelas brincadeiras de ruas substituídas por frias máquinas. Mesmo que eu quebre todos os relógios eu não deteria o tempo e suas consequências. Porque o tempo não se passa no relógio, mas no tic-tac da alma. Quanto tempo cabe nessa minha falta de tempo? Reprogramo meus horários, atraso meu relógio e me permito uma visita ao passado, onde eu era "rica, rica, rica de marré, marré, marré", inocente e de pés descansos. Que doces sejam sempre minhas lembranças. Relembrar é reviver. Viva hoje tudo quanto queira se lembrar amanha.
Não são as coisas que penso ou faço que têm maior efeito sobre os outros e sobre a minha própria vida, mas são as coisas que digo. Vendo muitas vezes uma imagem enganosa, que está longe de ser eu, na tentativa frustrante de provar algo pra mim, ou para o mundo, em vão. De que adianta disfarçar com escudos o que minha face de vidro acaba por transparecer. Aprendi que minha maior válvula de escape esta justamente nas palavras, o problema é que são raras as pessoas capazes de entender sobretudo aquilo que fica no meu silencio. Eu digo tudo o que sinto, a minha maneira, estou nas entrelinhas das minhas verdades inventadas, para os bons entendedores, eis-me aqui.
E eu sinto o peso da cobrança constante de coisas que não dependem de mim, e me culpo, as vezes tudo que mais desejo é fugir dessa bagunça que é ser eu, e ir pra bem longe, onde eu não possa me encontrar.
Eu nunca tinha notado como é lindo e perfumando meu jardim. Cheio de cores, flores e borboletas. Perdi muito tempo regando o jardim dos outros.
Canto porque nasci para isso. Não dependo de platéia nem aplausos. Meus holofotes são imaginários, e o reconhecimento que preciso ouvir eu mesma digo, porque o meu sucesso vem daquilo que eu acredito.
Um lindo gira sol brotou no meu quintal. E o mundo ganha mais cores, mais vida, mais brilho. A respiração ainda ofegante, olhos entreabertos, com dificuldade iniciam a adaptação ao novo, ao mundo. Covinha no sorriso, lábios carnudos, que vez ou outra recebe mordidinhas banguelas em busca de sabor. Sussurros baixinhos e espreguiço saldam nossa visita. É um misto de emoções, vontade de chorar de rir, de gritar sem fazer barulho, de apertar pra levar pra dentro sem perder de vista. É parte de mim que acaba de chegar sem nunca ter ido. Todas as luzes foram acessas com sua chegada. Seja bem vindo Matheus, que Deus te abençoe.