Coleção pessoal de Klaas_Kleber

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⁠Não há mais volta

Lá se foi mais um dia
e com ele tarefas e aspirações minhas
que já não parecem fazer-me sentido
o que eu tinha a fazer foi feito
Já não há mais volta

Lá se foi mais um dia, redigo
e com ele alegrias e angústias minhas
que mesmo não esquecidas se foram
o que eu tinha a sentir foi sentido
Já não há mais volta

Entrego-me ao sono e descanso
Se o alvorecer me suscitar inspiração
escrevo um poema ou uma canção
exaltando os dias que se foram
Pois já não há mais volta

⁠Atenas

O sopro lírico de Éolo
avança o propileu da Acrópole
e encontra eco entre as colunas dóricas
do grandioso Pártenon

Ode em honra de Dionísio!
Exclamou o guardião dos ventos

Ao pé da colina rochosa
sustentáculo do Templo de Atena
abanquei-me para ouvir os poetas
do Odeão de Herodes Ático

Ode em honra de Dionísio!
Entoou alto e bom som o Corifeu

E ao som suave da Lira
o coro grego, em uníssono
compôs a récita poética
em louvor a Dionísio

Minh’alma, embriagada
encheu-se de júbilo

⁠Chagas

Seja cauteloso,
advertiu a minha intuição
E vencido pelo desejo,
num ímpeto irrefreável,
afundei-me no lodaçal da perversão

Resguarde-se,
advertiu a minha consciência
E fazendo-me surdo a ela,
num êxtase irreprimível,
lancei-me no abismo das sensações

O agravo de um ato bestial
são as chagas que
uma ação incontida
pode nos causar

⁠Minhas mãos

Ao contemplar minhas mãos
de súbito, senti um ardor de sentimentos
Meu Deus! Exclamei em voz branda
Estas mãos são a condição de tudo
são elas que afagam, que cuidam
que abençoam, que semeiam
que criam e que lutam

Instantaneamente uma emoção
contundente e imprevista
preencheu-me por inteiro
fiquei atônito, estacado
com o olhar pensante e sensível
Meu único desejo era captar
a essência daquele momento

⁠Desejar

Quanto tempo ainda me resta?
Pergunto-me às vezes

Que a vida é efêmera e findável
Isso eu tenho consciência

E diante disso não há o que fazer
Se não, desejar

Desejar que o dia outro
não seja monótono e vão

Desejar que o amigo outro
não seja apático e desleal

Desejar que o amor outro
não seja tépido e fugaz

Desejar que o poeta outro
não seja falsídico e indolente

Desejar que o desejo outro
não seja nefando e ominoso

⁠Subsistir

Uma parte de mim
abriga sonhos desfeitos
esperanças vazias
e incertezas

Sentimentos nefastos
de insatisfação
de descrença
e temor

Não obstante subsisto
resistindo ao tempo
ao sofrimento
e à morte

Pois a paixão pelo viver
é a seiva que me nutre
que me faz forte
e audaz

⁠Temor

Viver no temor do fracasso
no temor da miséria
e no temor da morte?

Que sensação penosa
agravar o fardo
do bem viver

Sou senhor
do meu destino
e árbitro da minha sorte

Temor é algo
que só existe
onde não há bom senso

⁠Mais um

Minha solidez de caráter
esconde sob aparências enganosas
a vulnerabilidade do meu ser

Reconheçais como verdadeiro
minha natureza não é assim tão forte
como vós dizeis

Sou apenas mais um a tentar
mais um a tentar
mais um

Libertino

Minha elegância de maneiras
oculta desejos impuros
por prazeres carnais
obscenos

Tenho um jeito lascivo de amar
um jeito devasso de possuir
sem pudor e decência
libertino

⁠Bracara Augusta

Tuas ruas e vielas
retém estórias remotas
que a pobre posteridade
jamais conhecerá

Estórias desprezadas
porém, resguardadas
de glórias e maldizes
da gente desse lugar

Bracara Augusta
coração do Minho
se teus espectros sibilassem
as estórias que tem pra contar

Teus Sacro-Montes
rogariam aos poetas
para que grafassem em versos
as estórias desse lugar

⁠Teus olhos meus

Teus olhos meus Djanira
lúbricos
ocultam desejos voluptuosos

Teus olhos meus Djanira
salazes
incitam o prazer e a sensualidade

Teus olhos meus Djanira
devassos
revelam minha essência explosiva

⁠Isolamento

Entressonhos, desvarios virginais
também existe beleza em tudo
que é indecoroso e causa espanto
Nas incertezas, nos temores e medos
em tudo aquilo que apavora
e que só pela imaginação se pode alcançar

Escancaro as portas do meu cativeiro
as janelas do meu cárcere domiciliar
para que a luz do mundo possa entrar
e tingir de candura a minh’alma

⁠Fênix negra

Os olhos vítreos e bacentos
tomaram a forma de um escudo
pupilas contraídas de morte
o homem vai ser possuído

Tem o rosto empalidecido, cadavérico
seus pulmões empedrados
assassinaram sua alma humanizada
o homem vai ser possuído

A criatura renasce
ressurge das próprias entranhas
traz a força de mil demônios

⁠Alvorecer

Conceição...
que esta se transforme em bem maior!
Exclamou o homem
A senhora do sol talhou uma fenda
Nas sombras habitam almas em expiação
na luz os homens de fé e razão

Conceição…
pela sacratíssima paixão!
Exclamou o homem
A senhora do sol entalhou um anjo
Nas trevas habitam demônios
na luz os arcanjos e serafins

Ouve-se revoadas de pássaros
os pardais entoam cânticos
para o primeiro alvor do dia
Conceição sorri, o homem sorri junto

⁠Rir é algo que me apraz

Rio-me de figuras excêntricas
de comportamentos inusitados
de imitações grotescas
de chacota sobre acontecimentos correntes de histórias engraçadas
de piadas e de caretas

Rio-me de mim mesmo
da minha seriedade
da minha confiança em minhas certezas da minha fraqueza
da minha mediocridade imaginativa
dos meus erros

Rio-me quando me divirto
quando danço, canto e brinco
numa festa, num velório, num motel em qualquer lugar

Algumas vezes rio-me de tristeza, de medo
de raiva e de desespero
outras vezes rio-me da miséria
do sofrimento e da morte

Porque rir é algo que me apraz

ESBOÇO INACABADO

Se me perguntarem
o que é ser um homem
de meia idade
eu direi: não sei
De fato não sei
Mas sei que na minha idade
o homem se torna o que é
Um esboço inacabado
de uma obra dele todo

O JARDIM DOS BADEN

Acalentado pelo outono
o jardim do Palácio de Karlsruhe
exala o seu último suspiro
antes de invernar

O outono resguarda-o
tece-lhe um manto de folhas
em tons vívidos e harmoniosos
como as sinfonias de Beethoven

Sublime por realeza
o jardim do marquês de Baden
será abrigado das nevadas
até o alvorecer da primavera

FLOR MORENA

Vá flor morena, vá!
Embala-te nos abraços
da mulher que te gerou

E nana!

Nana flor morena, nana!
São Cosme e São Damião
hão de vigiar o teu sono

E sonha!

Sonha flor morena, sonha!
Pois a candura dos seus sonhos
tem a beleza de um Querubim

Retirar-se na solidão

Retirar-se na solidão
é estar consigo mesmo
é colonizar seu pensamento
é desencarcerar seu sentimento
é desoprimir sua emoção

Retirar-se na solidão
é conectar-se com o fora
é ouvir o seu entorno
é estender o seu universo
é transcender a sua imaginação

Retirar-se na solidão
não é renunciar a si próprio
não é retirar-se do mundo
não é morrer para a vida
não é perder a razão

A solidão
também tem seus encantos!

⁠Momento fugaz

Espelho d´alma
de ardil transparência
invólucro sensível
do finito tempo
penetra, magoa
o âmago do meu tormento
tudo parece fugaz
o tempo
o aqui
o agora