Coleção pessoal de KellenVasques

Encontrados 8 pensamentos na coleção de KellenVasques

Insônia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.

As lentas nuvens fazem sono

As lentas nuvens fazem sono,
O céu azul faz bom dormir.
Bóio, num íntimo abandono,
À tona de me não sentir.

E é suave, como um correr de água,
O sentir que não sou alguém,
Não sou capaz de peso ou mágoa.
Minha alma é aquilo que não tem.

Que bom, à margem do ribeiro


Saber que é ele que vai indo...
E só em sono eu vou primeiro.
E só em sonho eu vou seguindo.

Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos
Longe de ti não há luar nem rosas
Longe de ti há noites silenciosas
Há dias sem calor, beirais sem ninhos

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas
Abertos sonham mãos cariciosas
Tuas mãos doces, plenas de carinho

Os dias são outonos: choram, choram
Há crisântemos roxos que descoram
Há murmúrios dolentes de segredo
Invoco o nosso sonho, entendo os braços

e é ele oh meu amor, pelos espaços
fumo leve que foge entre os meus dedos.

Desalento

Às vezes oiço rir, é ’ma agonia
Queima-me a alma como estranha brasa
Tenho ódio à luz e tenho raiva ao dia
Que me põe n’alma o fogo que m’abrasa!

Tenho sede d’amar a humanidade…
Eu ando embriagada… entontecida…
O roxo de maus lábios é saudade
Duns beijos que me deram n’outra vida!

Ei não gosto do Sol, eu tenho medo
Que me vejam nos olhos o segredo
Que só saber chorar, de ser assim…

Gosto da noite, imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!

Sou o que quero ser, porque possuo apenas uma vida e nela só tenho uma chance de fazer o que quero.
Tenho felicidade o bastante para fazê-la doce, dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana e esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas,
elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.

Diamantes não se moldam, lapidam-se, limpam-se suas arestas, dá-se polimento, mantendo-se as suas características mais preciosas.
Os verdadeiros diamantes não são formatados ao bel prazer do mestre joalheiro, pelo contrário; é a maestria deste que faz com que perceba a forma final da pedra com a qual trabalha.
De um diamante, retiram-se os excessos, respeitando o núcleo da gema preciosa que se tem nas mãos. A forma já é pré-existente, é apenas estimulada a surgir em sua plena beleza.
Ao contrário de um vaso de barro, os diamantes não admitem ser moldados ao bel prazer do artista, afinando ou engrossando as suas paredes, acinturando ou dilatando o seu bojo.
O diamante já existe por si, não é fruto da manipulação de uma matéria prima disforme.
A argila, nas mãos de um brilhante oleiro, ganha formas magistrais; nas mãos de um artista, ganha cores e desenhos intrigantes, quando o barro é cozido, vitrificado, envernizado, etc, criam-se verdadeiras obras de arte de imensa beleza ou singeleza funcional.
O valor do vaso é fruto da perícia do artista, de sua habilidade em tornar a matéria prima bruta em um objeto de valor agregado.
Os diamantes, ao contrário, já tem seu valor por si mesmos, independem das mãos do artista para que tal valor exista. O que o artista faz é simplesmente extrair do diamante o melhor de si, tornando-o mais brilhante, polindo suas arestas, lapidando-o e incrustando-o em jóias delicadamente trabalhadas para receber a pedra preciosa.
Se, da argila, faz-se ao mesmo tempo vasos de fina porcelana ou rústicos e funcionais tijolos ou blocos, ou ainda, apenas se abandona num canto a matéria prima, até que se encontre utilidade para ela; dos diamantes não saem senão diamantes. Ninguém deixa um diamante descansando num canto,… antes se valoriza a pedra bruta que se tem nas mãos, trabalha-se sobre ela até extrair o máximo que sua beleza pode oferecer.
Vasos, por maior que seja seu valor e beleza, quebram-se, descascam-se, lascam-se, perdem a cor e o brilho…diamantes jamais se partem. Diamantes são eternos!
Podem ter seu brilho embotado pela poeira do tempo, as jóias onde estão incrustados podem partir-se, mas o diamante sobrevive, sua essência persiste.
Os seres humanos, em sua magnífica diversidade, são blocos de argila ou diamantes brutos. Reconhecer o que se tem nas mãos é tarefa que só pode ser plenamente desempenhada por quem tenha em si a capacidade de ver com olhos atentos.
Quando nos falta a sensibilidade e a perícia para perceber a diferença entre um e outro, muitas vezes procuramos pegar um diamante e tentar moldá-lo às nossas exigências. Ora, como um diamante não se molda dessa maneira, com essa facilidade, acabamos por confundí-lo com um pedaço de argila impuro, e o descartamos como algo de pouco valor.
Pessoas manipuladoras, via de regra, preferem trabalhar com argila, `a qual, com algum
esforço, tornam úteis aos seus objetivos mais imediatos, moldando-a à seu bel prazer.
Já o mestre joalheiros, acostumados a compreender que a beleza vem de dentro para fora, precisando apenas ser desvendada, não tem pressa em seu labor, e não se importam se o diamante trabalhado, ficará ou não em suas mãos, o seu propósito, do mestre, é fazer brilhar a jóia, sua satisfação é a de realizar um trabalho bem feito, sabe que o fruto de sua dedicação não repousa nas vantagens imediatas que seu trabalho possa oferecer, e sim no brilho próprio da gema que passou por suas mãos.
Diamantes ou argila, oleiros ou mestres joalheiros, opções de papéis que podemos exercer em nossas vidas.
Quando assumimos o nosso papel, e deixamos de lado as opiniões, nem sempre isentas de interesse, de outras pessoas, passamos a caminhar pelo nosso próprio caminho, com o coração leve e sereno, livre dos falsos sorrisos e do peso de abrir mão de nossa felicidade para agregar os aplausos do mundo ou parte dele.
Nem sempre é fácil a caminhada, mormente diante de opções que nos façam escolher entre fazer parte dos vasos expostos em uma galeria, reproduzindo o que todos fazem, ser mais um entre outros tantos, recebendo o aplauso comedido dos iguais, ou preservar conosco os diamantes que a vida nos oferece, vez por outra, em sua forma bruta e que desistimos de lapidar, às primeiras dificuldades, ou por que não nos sentimos capazes de tal tarefa, ou por que não percebemos seu valor, ou ainda por que nos importamos demais com as aparências e com que os outros possam achar de nossa insistência.
Oleiros há muitos, não é preciso muito para se fazer tijolos, um pouco mais para se esculpir o barro. Mestres joalheiros são mais raros, mais especializados, assim como os diamantes são mais raros do que a argila.
Deus não põe diamantes nas mãos de oleiros para que sejam lapidados, se um diamante te cair nas mãos, saibas que tens a capacidade de lapidá-lo.
Não trate diamantes como argila! Saiba ver o seu brilho escondido; aprenda com ele, e por certo, ao mesmo tempo que lapidas a pedra, tua própria alma sofrerá as transformações necessárias para o teu próprio crescimento.
Mas, se desprezas o diamante, e a riqueza da experiência, preferindo ser barro ou oleiro, pode ser que , nunca mais, tenhas um diamante em tuas mãos.
Já, a argila…

Velhas árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

A Vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo" Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!