Coleção pessoal de Kristien
Raramente utilizo o trem em meus deslocamentos, mas hoje por necessidade peguei a composição rumo a Central do Brasil. O vagão da linha Belford Roxo, envelhecido pelo uso e ausência de manutenção sacolejava como era de se esperar por conta do atrito com trilhos.
Estava faminta, a corrida entre os deslocamentos e as obrigações faz a fome surgir e ser distraída até se tornar insuportável. Mas é certo que algum ambulante passaria oferecendo um biscoito ou qualquer besteira para disfarçar o apetite.
Sentei e entre a minha presença e a porta havia mais uma pessoa.
Uma, duas, três estações, ele chamou dois rapazes que estavam ao redor para ajuda-lo a descer. O vão entre a plataforma era alto e o espaço suficiente para uma pessoa cair ou se machucar.
Antes da saída nos olhamos e eu sorri com os olhos. Na verdade eu fiquei curiosa pra saber se era um atleta. O vestígio olímpico ficara em mim. Mas não encontrei vestígio nenhum, era somente um bilhete único e uma blusa colorida.
Ele desceu e depois disso passei a reparar nos vãos. Alguns mais altos, outros mais baixos. Crianças, idosos, pessoas com mobilidade reduzida, seres distraídos feito eu, qualquer um estava suscetível a ter dificuldades em transitar pelo trem.
Inevitável lembrar os turistas sendo incentivados a usarem o trem como forma de transporte até as dependências esportivas de Marechal.
Hoje nem um mês após ao encerramento Olímpico não é mais possível enxergar os legados prometidos e endereçados aos cariocas.
Os heróis paralímpicos continuam por aí, atravessando ruas, subindo escadas, insistindo e resistindo. O rapaz que pediu ajuda para descer me sorriu sem saber. As rodas são suas pernas, as mãos são seus pés.
Eu levantei da cadeira, ele transita pelo mundo sentada em uma. A cidade precisa acolher seus moradores. Somos todos cidadãos necessitados de um Rio saudável. O esporte se foi, mas ainda temos muitas medalhas a conquistar no quesito urbanidade.
Carinho
Abrigo
Frio
Comigo
Me
Mim
E só comigo.
Não dá para seguir só
Vem.
Se
Si
Consigo.
Eu não sei ser só.
Não contigo.
Te
Ti
Sem artigos, sem pronomes.
Deixa estar conosco e indefinido.
E mesmo que oculto
sejamos abrigo.
Carinho neste caminho
Não é caro, minha cara, é estima e afeto.
Fato que aperta nossos passos:
Não há espaço para o amor
Se não derretermos o frio da solidão.
Juntos.
Só? Não mais.
Juntos somos mais do que os mesmos.
Quando escrever menino,
Faça-o de forma espaçada
Permita o vazio entre os vocábulos
Há espaços que mesmo no papel
Não necessitam de preenchimento
Quando coincidir se torna prática, compreendemos o valor da permissão.
Não é uma mera negociação pós embate,sim uma escolha durante o encontro.
Colidir é verbo do passado. Conversão explica parte do presente.
Estou na igreja sentada, hoje é dia de vigília. Ultrapassar o passar das horas. Se manter alerta, atento.
É, de certa forma, sacrificante. Visto que a semana útil se arrasta desde segunda e deságua sexta sobre os ombros operários.
A carne roga por descanso. Mas o convite espiritual é suave e vem ao encontro de um término. Entendo como um convite para encerrar uma etapa e começar uma nova. Deus me faz assim. Me traz nas mãos e arrebata meu coração para sua presença.
Tenho a agradecer. Reservei essas poucas horas para agradecer.
Sou menina e os dias não me consomem, mas me tornam mulher. Amadureço, mas ainda não quero criar casca. Sem enrugar, desejo o cheiro de juventude por mais um tempo.
Guarde o que há de bom. Deus é grande, mas me aparece nas pequenezas da vida. E é isso que entendo por grandeza.
Permanecerei acordada até amanhã. Desperta, para pensar sobre minha existência, meus valores e princípios.
Vou falar sobre você para Ele. Que as providências que me alcançam também te encontrem . Amenizem seus terrores incômodos e medos. Calma repouse sobre ti nesta madruga.
Escravizados sois vós que se rendem à volúpia do descanso.
Entregues aos caprichos da carne, deitam e gozam sonhos. Acordados se entregam a fantasias e creem enfáticos na força do ócio para manutenção da existência.
Filhos bastardos do sossego,
Por acaso não sabeis que o excesso de prazer é desfeita? Relembro portanto que todo ócio além do necessário reside em mero capricho da vossa decisão.
Atentai vós para o combate rígido e ávido ao que é chamado de preguiça. Não negligenciem vossas obrigações.
Escrevo hoje , tenho escrito diariamente, mas releio os meus textos antigos, me parecem melhores e um pouco mais incisivos. Talvez eu possua os temas, mas não todos os motivos. Enquanto não defino meus tons de escrita, fixo no exercício contínuo.
Desafinado
Escreve e não lê.
Falta coragem para rever seus papéis,
Deposita as letras em qualquer canto.
Garranchos intelectuais , nenhum caderno de caligrafia acertaria aquela mente disforme.
Letras desleixadas não deram conta de suas inquietudes.
Poeta romântico das palavras imundas.
Não sabe onde reside a sordidez,
Trata enfermo sobre belezas exóticas e paisagens nubladas.
Chegou um dia,
Quase noite.
Se deu conta do seu tom.
Agudo.
Uníssono.
Em seus discursos as entrelinhas eram opacas.
Pecava: não permita subentender cousa alguma.
É preciso dizer por si, definir. Porém é sabido: mais importa que o outro leia o que você esconde do que o óbvio dito em teu escrito .
Um texto sem segredos é como uma mágica descoberta, está entregue ao tédio e envolvido nos panos quentes do esquecimento.
Desperta enquanto há tempo. Reserva nas suas sentenças a própria absolvição.
Permita ao teu leitor o julgamento e o ato de recriação por sobre o teu sopro inspirador.
Reside nele toda paz do silêncio, ao lado de agudas perguntas.
Tem curvas escorregadias que desencaminham trajetos. Fia percursos tecendo estórias . Registro contemporâneo da História.
Curandeiro das almas.
Através de um olhar fraterno cala desavenças e contradições da existência.
Em seu passo as memórias se multiplicam e as vozes ressoam.
Seu abraço espaçoso refugia temores e defende pecadores.
Razão precípua da devoção que move.
Motivo da militância juvenil
Fulgura da política genuína
Assunto emergente nas academias
Objeto subjetivo das ciências
Vida prima das obras artísticas
Esse alguém chamado Homem, que denomino Outro.
Nos faz, nos completa, esse ser incompletamente complexo. No Outro, e somente nele, é possível ser Eu.
A bondade é silenciosa
Graça oculta
Desnudam ao nascer da manhã.
Na mão de quem acaricia
Nos olhos de quem sorri
Nos lábios de quem abençoa
Nos corpos dançantes
Embalados na valsa das folhas.
Há maldade, o terror se espalha bolorento.
Tomam o tempo, bebem as horas,
Ladrões
E essa tentativa frenética de catalisar a beleza da existência.
Atenta pois, ocupa-te em perceber o que a correria te faz distrair.
Pausa o relógio e adianta os sentidos.