Coleção pessoal de juliseresini

Encontrados 8 pensamentos na coleção de juliseresini

DE MEFISTO

A raça retraída
tão próxima de meu príncipe
tão facilmente degustável
- toco-te? -
lucidez de paralisias.

Hábitos do Limbo da Luz
placenta de ideias recurvadas
Antinaturais.

Teu Deus não te quis
raça em fuga
e minha imensa desgraça
é indiretamente a ti servir
como a mão canhota e definhada
dum demiurgo empalado.

Dormi ao relento das eras
bêbado
rescendendo à cerveja de taverna
e de certa e luz, caída de dor.

Teu deus te quis
desejo que se ensejou carne
canícula do abismo
cisma dos elementos naturais
fratura dos tempos
de onde jorra a voz sublime de mundos abaixo
ocas vozes, cravejadas de atropelos
e de um luto eterno
onde te perderás pelo gosto da Beleza
e da leveza infinita da Coroa
em sua queda.

(de "Kleine Faust")

DE FAUSTO E DO ANJO BOM

Oh, Fausto, amputa tua mão de ganchos
teu olhar de perfuratriz
finge o infinito como uma criança
amassa com as mãos o sonhado
como adolescente de cenho d´espanto
aos pés do imenso
e despreocupando-se!

(de Kleine Faust)

Dois ônibus freiam lentos
e a gente dentro se imobilizou, atenta.
Eu buscava um afeto magro para aonde fora
e voltei de mãos vazias, com sons mais vazios nas mãos.

Cantem as ruas de medo
a noite calada é de fato cínica, dúvida, e o corte no céu foi profundo!

Contei cidades, bilhetes de ônibus, pequenos pães-de-queijo
peço que mantenha-me acordada a vida, ao menos,
e uma fileira de portas de padaria pichadas
tantos nomes lá, incluindo o meu próprio
sobre os filetes amontoados de retângulos cinzas.

Ouvi qualquer voz dizendo: “não sangre tanto”.
e outra, engasgada, que desconfiada de mim
tapava a minha boca com a exausta lama das lamentações.

Ouvir – estou vendo a alta cúpula do Desejo
que minha mão não toca por cansaço.

Deixo-me porque pisar determinada é artifício,
um soluço na câmara lacrada -
toco o vidro e ele se ergue imutável.

Contenho bem pouco em mim
e em redor só vejo o que exalo
um semblante circular em espiral
de uma voz
- só para mim -
sempre incógnita.

Nunca demorei-me num lugar
morei pouco porque morei às voltas
e nunca mobiliei um objetivo.

O apartamento comprado tinha belas texturas
combinando a força dum azul cansado com um áspero rubro
e os dois pareavam sem atenção, flácidos
em paredes de gamas opostas.

Simples janelas de alumínio,
quadradas, respingadas de tinta,
eram no entanto minha casa.

Abri-las e respirar qualquer ar
faziam-me dona de muitos limites
e eis porque viajei até aqui
como se tivesse desterrado
com uma maculada mão cuidadosa
algum fim.

Epigrama


Sim, ser escravo da Beleza –
mais filho do escuro que encontro
do que escrevo da gente
e da contingência.

Procura-se
a custos exorbitantes
a órbita ao menos
da palavra justa
e resta quitar-se ao lado
do quanto a palavra custa.

Desalunada


A lua foi extirpada
em seus ovários e luzes
por mãos escandalosas.

A lua desfigurada
fez-se de esfinge mais e mais
para as mandíbulas dos vales.

Uma lua decorativa, corroída de sulfores
sem metade de sua história.

Uma lua lenta, sem locomoção
essa lua empesteada por bolorentas cobiças
nunca mais encharcou as matas inchadas do verde apodrecido.

Não deu mais o espetáculo pagão de costume
o plenilúnio de ossatura alva e exposta.

A lua fragmentou-se: em postas de poente
em rosas de sangue azul, calvo...

LXXVII

tua volta é desnecessária
deixas comigo este anseio pendulante
é o teu maior presente
é meu prêmio supremo
segurar com a causa indivisa da ausência
este desespero em purificar-se
até que te tornes de novo
aquilo que errava sob minha pele
com uma simplicidade residual
- porém um abraço primevo
e multiplicado na fornalha dos mil espelhos
quebrados vida afora.

o que fica perplexifica-se
em seu absurdo divino
mas esperado.