Coleção pessoal de JANAFLORES
Leste os meus versos? Leste? E adivinhaste
O encanto supremo que os ditou?
Acaso, quando os leste, imaginaste
Que era o teu esse olhar que os inspirou?
Adivinhaste? Eu não posso acreditar
Que adivinhasses, vês? E até, sorrindo.
Tu disseste para ti: “Por um olhar
Somente, embora fosse assim tão lindo,
Ficar amando um homem!… Que loucura!”
- Pois foi o teu olhar; a noite escura,
- (Eu só a ti digo, e muito a medo…)
Que inspirou esses versos! Teu olhar
Que eu trago dentro d’alma a soluçar!
………………………………………………….
Aí não descubras nunca o meu segredo!
XLVIII
Dois amantes ditosos fazem um só pão,
uma só gota de lua na erva,
deixam andando duas sombras que se reúnem,
deixam um só sol vazio numa cama.
De todas as verdades escolheram o dia:
não se ataram com fios senão com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras.
A ventura é uma torre transparente.
O ar, o vinho vão com os dois amantes,
a noite lhes oferta suas ditosas pétalas,
tem direito a todos os cravos.
Dois amantes felizes não tem fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem,
tem da natureza a eternidade.
As Palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Sem açúcar
Todo dia ele faz diferente
Não sei se ele volta da rua
Não sei se me traz um presente
Não sei se ele fica na sua
Talvez ele chegue sentido
Quem sabe me cobre de beijos
Ou nem me desmancha o vestido
Ou nem me adivinha os desejos
Dia ímpar tem chocolate
Dia par eu vivo de brisa
Dia útil ele me bate
Dia santo ele me alisa
Longe dele eu tremo de amor
na presença dele me calo
Eu de dia sou sua flor
Eu de noite sou seu cavalo
A cerveja dele é sagrada
A vontade dele é a mais justa
A minha paixão é piada
A sua risada me assusta
Sua boca é um cadeado
E meu corpo é uma fogueira
Enquanto ele dorme pesado
Eu rolo sozinha na esteira
Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Dias de Sol
Eu não tenho muita coisa pra dizer
Eu não tenho o mundo pra te dar
Uma canção que faça a rima
Parecer melhor quando você está
Eu não sei porque a gente tem que entender
Se por acaso ninguém precisa explicar
Preciso de um verso apenas pra dizer que com você tudo muda
Dias de sol, só com você
Com direito a horas a mais
E rimas iguais como eu e você...
Dias de sol, só com você
Com direito a horas a mais
E rimas iguais como eu e você...
Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.
Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música.
Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes.
Peso
Quando você está longe
Me arrebata uma incômoda sensação
De dormir apenas com um lençol
Sendo que eu não consigo dormir
Sem uma colcha, algo que faça um certo peso.
Meu corpo não vai descansar
Vou acordar cansado, oprimido
Pelo peso do lençol.
CLANDESTINIDADE
Permanece em mim
como um segredo
e que ninguém escute
teu silêncio na minha boca
nem a linguagem de teus olhos
que em mim se inscreve
como poema
Torna-te clandestino
em meu país sem nome
e desenha em mim
o teu enigma
teu reverso
e teu verso sem tradução
Te exila em minha teia
me define com tua senha
perenizando em meu corpo
o teu mistério –
entre cortinas,
no refúgio exato dos lençóis.
*
CONCEITO
Teu corpo:
um porto
que eterniza
meus navios
um parto
que traduz
o meu avesso
a parte
que arremata
meu desejo.
AULA DE DESENHO
Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.
AMOR
Na véspera de ti
eu era pouca
e sem
sintaxe
eu era um quase
uma parte
sem outra
um hiato
de mim.
No agora de ti
aconteço
tecida em ponto
cheio
um texto
com entrelinhas
e recheio:
um preciso corpo
um bastante sim" a te amar dia todo, todo dia
SEM SAÍDA
E agora, o que faço?
Fujo, tremo, desmaio?
Encaro o meu amor,
Ponto final, reticências ou traço,
Fico ou saio?
Poética
Não sei palavras dúbias. Meu sermão
Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.
Com duas mãos fraternas, cumplicio
A ilha prometida à proa do navio.
A posse é-me aventura sem sentido.
compreendo o pão se dividido.
Não brinco de juiz, não me disfarço em réu.
Aceito meu inferno, mas falo do meu céu
Sonharás uns amores de romance, quase impossíveis? Digo-lhe que faz mal, que é melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.
TECENDO ESTRELAS DE VAN GOGH
Estrelas escorriam da tela,
na solidão do museu.
Aparei gotas de céu em minhas mãos.
Enovelei-as.
Possui por um tempo,
Estrelas abrasadas de loucura
e o azul mais azul que pode o azul ser.
Museu de Nova Iorque
em delírio.
Corre-corre. Alarmes. Vigias.
Não revistaram minhas mãos.
Um céu enovelado que me aquece
e apaga – primaveras sem teus beijos,
invernos de angústias.
Teci um manto azul
de estrelas emaranhadas,
um manto enfeitiçado.
Das estrelas da noite do artista.
Tenho mãos de fada.
e tenho tanto amor,
quanto estas estrelas deslumbradas.
Quando chegar aquele que amo.
Com seus olhos
que são para mim, música;
e para outros, mel.
Quando ultrapassar a escura porta
e se quedar no branco leito.
Eu o cobrirei com o céu.
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco..
Mergulho
Por isso tome fôlego
Que eu vou até o fundo do que posso
Posso bem menos do que imaginas
Posso bem mais do que pensei
Se a superfície é cristalina
Só mergulhando eu sairei
Posso aprender a vida ensina
Posso ensinar aprenderei
Posso enfrentar a minha sina
Posso ter medo mas te amarei
Posso?