Coleção pessoal de isadoramonteiro
Inadequados
Me dá uma alegria pacífica pensar que nos temos assim tão bem e que mesmo nos nossos distanciamentos, não nos perdemos. Temos nossas horas distintas e rotinas adversas mas nos adequamos a isso, mesmo sendo eu e você, tão inadequados. Pela primeira vez eu sinto que a saudade não aperta, liberta. Coisa boa de se sentir. Engraçado porque tudo começou tão estranho, intenso e do avesso mas de alguma forma fomos levando e nos deixando e nos gostando. Posso dizer que gosto muito de tudo o que você me dá e principalmente do que me tira. Perdi a vontade de desistir com facilidade, de ir embora antes de sentir vontade, de abandonar sem saber por quê. Fui deixando de lado os amores e traumas do passado, a solidão exagerada, a disponibilidade para tudo e todos. Deixei o que não me cabia, o que não fazia mais falta e o que doía. Não consigo mais fingir que quero estar sozinha porque seu corpo inteiro me transborda companhia. Do que me foi tirado, das perdas e das desistências sobrou muita coisa: eu e você, inadequados. E essa é a melhor parte.
Querer sem querer
Essa coisa que a gente não sabe ao certo como começou nem onde vai. Se estamos indo ou ficando. Confundindo e gostando. Essa coisa de querer ser e não saber até quando. Invadir sem sufocar, se entregar sem se perder, gostar sem nem saber. Beijar e estremecer. Ser feliz sem gargalhar, chorar sem entristecer. Surtar e enlouquecer. Coisa que se olha e não vê, que fala quando e por quê, que quando toca não crê. Gritar sem pensar, amar sem arder, perder e perder.
Aqui e agora
Peço extrema urgência e atenção: seu veículo lúcido será bloqueado.
Enlouqueça se for capaz e perca-se de si e dos outros. Jogue fora tudo de dentro e entale coisas de fora. Sujo e macio. Aqui e agora.
A morte de si para o mundo e a morte do mundo para o extremo imperfeito. Coisas que acabam antes do tempo, que apagam antes da chama, que clamam e choram antes da lágrima, que corroem espesso.
Peço extrema forma e audição: seu ego será violentado.
Deixe que escorra e mova-se pra frente e pra trás. Faça movimentos rápidos e fortes. Quente e úmido. Aqui e agora.
O que nasce de si para o outro, o que nasce do outro para o próximo.
A noite entrelaça o profano, que a lua ilumina no canto escuro do quarto cenário, de prazeres tendenciosos e gestos do avesso.
Chega uma hora em que a solidão que o outro lhe dá, bate com a sua falta de vontade de permanecer. E é nesse instante que chega a hora de ir embora. Porque nem a presença inteira e crua iria satisfazer ou caber nesse infinito que se criou na espera. E esse todo, que até então era tanto, torna-se nada.
Quantos silêncios cabem no sentimento de não sentir nada?
Mais nada?
Dizem por aí que o tempo cura. Geralmente dizem isso quando estamos precisando que o tempo cure o agora, o inevitável, a falta de esperança. Dizem que a gente se perde com a distância e que esquecemos tudo o que foi construído. E que temos consciência do que estamos esquecendo.
É difícil esperar ou ter paciência para que as coisas se encaminhem. O jeito às vezes, é deixar que o tempo faça sua parte. Por quanto tempo? Não sei. Muitas vezes, apesar das minhas melhores escolhas e intenções, as coisas deram errado. E por outras vezes apesar de cruzar linhas que não eram permitidas, as coisas deram certo. O que eu sei é que hoje, apesar de não ter laços, também não tenho nós.
O tempo estava certo.
Ando me desinteressando pela indisponibilidade gratuita das pessoas, pela morosidade de entender o que é tão óbvio e pelo conformismo de certas conjunturas. Esse estado morno é tão vago e cinza. Logo eu que clamo pelo colorido, preto & branco ou por algum grito que valha o esforço. Eu poderia ficar e tentar entender o motivo desses passos tão lentos e o porquê dessa honraria ao passado. Mas acontece que eu também me canso de decorar os ambientes com tantas cores e afetos enquanto me indicam todos as placas de saída.
Encontro-me assim, ainda sonolenta: na rota de fuga à esquerda, correndo apressada e gritando bom dia!