Coleção pessoal de indisponivel

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⁠Avisei que ia ter o dia do corre.
E que ninguém ia pegar.
Foragido fica como está.
Quem não tem casa, foge pra qualquer lugar.

Avisei que ia ter dia do porre.
Chutado pra fora, depois das três.
Na mesa a pinga, no chão o rapaz
Já era 13, ainda tava deitado.

Avisei que ia ter o dia da virada.
Do ano velho pro ano do velho
Reclame e memória.
Lembrança de quand(t)o valia viver.

Avisei que ia ter o dia da seca.
De quem não pode nem com o cheiro.
Na memória é a porta fechada.
Gosto só de remédio.

Avisei que ia ter o dia do choro.
Por coisa que até que passa.
Porque se não passa, não tem jeito.
Já foi o dia do corre.

⁠Cabeça baixa
De quem olha o pé descalço
Calo no dedo, costura o furo da calça
Camisa nova só em dia inseguro

Adiante
Até a próxima quadra
Vira a esquina
Te vejo no mês que vem

Liga de orelhão, zera o cartão
Com a foto do rio
Pra onde nunca mais foi
Mal lembra o que viu

Recorde, feito Roberto no divã
Um dos teus nomes
Vou pra casa, esperar a ligação
Esquecendo que você zerou o cartão

Vou atrás do que ficou
No meio da briga de gravata
Adiante
Até o final da quadra

Irmão, guarda o cartão
Tá vazio, mas tem foto do Rio
E você, dá a volta
Nem que seja na quadra.

Dá a volta.
E volta

⁠Mochila velha vazia
Boca seca e uma obra toda pra acabar.
Escapulário enosado
Da mãe que mandou o filho rezar

Espírito de menino na terceira série
Lento nas contas, inerte na tábula
Olhar distante do quadro, virado pra janela
Sem a vontade de ninguém

Pé que afunda na beira da praia
Correndo pra longe do povo, que ocupa toda a areia
Deixaram todo o mar
Pra quem não sabe nadar

Santo chamado na desgraça e esquecido na prece
Deixado de fora do altar
De um nome gritado e lançado
A padroeiro do vazio

Rosto cansado do eterno aguardo
Nunca soube o que era, mas sempre esteve pronto
Pronto.
Pra alguém que pediu a permissão e nunca quis entrar.

⁠Pra quê tanto vidro na porta do mercado?
Entra a luz que não ilumina ninguém
O povo de pé, do lado de fora
Descalço, esfregando o pé no tapete
Até tirar a cor

Pra quê tanto vidro na porta de casa?
Todo mundo tá dentro, sem nunca ter entrado
Como se ser fosse só aparecer
Palco montado, sem turnê
Só pra vizinho ver

Pra quê tanto vidro na porta do peito?
Vai pegar toda poeira que o vento jogar
Quando alguém quiser, vai largar
Deixar só a marca dos dedos
E chuva vai bater, escorrendo feito lágrima.

Pra entrar, tem que quebrar.

⁠na pousada da memória
em cada pernoite
me perdia

⁠quais anos me fizeram?
os que já foram?
ou que nunca vieram?

⁠me lanço no abismo
só pra ver onde o eco termina.
se eu gritar
não volto tão cedo.

⁠da minha voz
calo eu.

⁠cada vez que vou lá fora
insisto na tese
nessa vida
felicidade é trapaça.

⁠dias líquidos
bebo os 30
num só

⁠cresci escondido
mas só depois de moço
fui dado como perdido.

⁠preso aqui dentro
por todo esse tempo
e lá fora
ainda é tudo que eu tenho.