Coleção pessoal de hidely_fratini

Encontrados 10 pensamentos na coleção de hidely_fratini

⁠A extorsão de prazeres infelizes

A dor partiu o meu ser em nada,
Que se deixou paralisar em tramas várias.
A extorsão entrou pelas janelas sem pedir licença.
Esmurrou as portas,
Penetrou os cômodos
e se deitou calmamente em minha cama.

Foi mais fundo...
Estagnou os corpos, as mentes e as almas.

Permaneceu fincada no vazio
Para instalar-se no meio de todos os presentes.
Ditadora barata, mas que sabe o que fazer e onde quer chegar...

Vieram mais dores,
Maiores ainda que o primeiro round,
E, com elas, prazeres delirantes
Por suposta síndrome sem fim!
A dor escorria pelos braços,
Percorria pelas pernas,
Afundava o coração nas sombras.
Palpitando, este voava sem destino,
Asas quebradas e sem razão.

Dia a dia, puxando cada fio,
A teia toda revelou-se inteira.
Clarão nos olhos:
- iluminaram-se a razão, a mente e todo o ser!

Enfim, uma decisão podia ser tomada!

2021

⁠Retinas e vidraça

O dourado do pôr do Sol ficará retido em minhas retinas e memória.
Todas as imagens juntas.
Desde que nasci, ainda menina,
Sentava no chão e, ao pé da cama de meus pais,
privilegiada visão do todo me invadia.
Olhos fixos na vidraça e muito além,
Sob o astro rei que reluzia -
eu confirmava, ainda pequena:

__ É redondo como uma laranja; enorme como o fim do mundo e o começar dos tempos!

2021

⁠Dor no peito
(visão da morte e seus prenúncios)

Dor literal, não literária!
É no coração mesmo, no real.
Começou do nada,
quase sem sentir...
Foi aumentando devagarinho,
mas sem parar um segundo.
Tomou a parte superior do peito.
Adentrou as costas.
Respiração parecia até normal...
Um incômodo.
Uma tristeza.
Um ai...
Como se fosse partir
sem ter, ainda, onde chegar.

2021

⁠Outro no lugar

Quem pôr no lugar daquela que se foi?
O que colocar no vazio formado por ausências?
Tantas histórias enterradas
e saudades reveladas no dia a dia!
O tempo ameniza as dores,
mas não substitui pessoas!
Quisera partir de mim,
quisera.
Quem ousaria me substituir?

abril/2021)

Sonhos, pensamentos e visões

Estranhos...
ou
Distópicos?

Sonhar poemas e escritas, que vão:
além-túmulos,
além camas e divãs.
Além, além, muito além!

Firmes e acabadas,
as palavras são criadas enquanto durmo,
mas fenecem ao raiar do Sol,
logo ao me acordar.

Então, matuto:
__ Para onde foram, afinal?
__ Seguem para um mundo paralelo?
__ Ou para outra dimensão de mim mesma,
... para, assim, esculpidas no sutil,
permanecerem gravadas na minh'alma?

. . . Pontos interrogam.
! Exclamações ! advogam e me perguntam (?)
, . As vírgulas e o ponto final, calados, não se expressam.
Mas, todos juntos, compõem, em surdina, vários mundos entre si!

abril/2021

⁠L.e.m.b.r.a.n.ç.a.s
Brincadeira literária com palavras e expressões pré-escolhidas

Ainda menina, corria pelas ruas, pés no chão.
Brincava muito; pulava; pedalava bicicleta com guidão alto que atrapalhava o roteiro de minhas andanças.
Quantas vezes, distraída, estatelava-me por cima de pedras e tijolos. Resultado: esfoliação dos joelhos, além da luxação de dedos e tendões.

Tudo isso acontecia em frente à casa da vovó, que dizia ter nascido longe, muito longe. Num lugar muito frio, cheio de mares e de gente feliz!
A cidade em que nasceu se chamava – e ainda se chama -, Copenhagen, dizia vovó sempre contente.
Sua especialidade na cozinha remete-me às melhores lembranças. Lembro de seu inesquecível bolo de chocolate molhado, assim chamado por seus netos.

O bolo foi adaptado com ingredientes da nova terra, dizia.
A calda que recobria o bolo era levemente picante – sua marca inconfundível, cujo segredo nunca fora revelado às suas curiosas comadres, aos parentes e vizinhos.
Quando, nas noites frias, era indagada sobre tal feito, respondia sorridente e com seu sotaque inesquecível:

__ Hej, godnat, tak (1) pur perguntar, ér u cheirrú dáo ’Dinamarrk (2) ki tragú cómiga i, sempre kipóossuû, ponha’ um pitadãñ nu cardã di chucollate’ parra trazerr meo paisse maiss prróximuû...

Para trazer sua Dinamarca mais perto ainda, e brincar com seus ouvintes, emendava umas palavras dinamarquesas, deixando-as mais longas e à moda alemã, como:

__ Speciallaegeprakisplantaegningsstabiliseringsperiode!!!

Todos riam sem entender nada e, provavelmente, naquela altura de sua vida, nem minha avó querida!

(1) Olá, boa noite, obrigada...
(2) cheiro de Dinamarca

Agosto/2022

⁠Poesia espelhada ao contrário do poema Negra, de Carlos Drummond de Andrade. Um exercício...

Branco

O sinhô branco tem tudo
o sinhô branco manda em todos:
__ Negros, vão carpir arar
aguar
extrair carregar estocar no celeiro
empacotar
subir paredes
rachar lenha transportar
limpar os sinhozinhos
fêmeas para servi-lo
parir.

O sinhô branco manda em tudo
tudo que seja tudo tudo mesmo
até o minuto final de vida de seus escravos
(único tempo que têm para se libertar)
enquanto o sinhô branco desde sempre
libertado está!
Agosto/ 2022

⁠Menina Ana e suas divagações

Era dia de sol forte.
De repente, o tempo fechou e a chuva caiu, tão intensa, que lavou o corpo da menina que caminhava pelas ruas de seu bairro.
A água levou tristezas e decepções de um coração que mal sabia das ruindades das pessoas - próximas ou distantes.
Ainda ingênua - característica que nunca deixou seu ser -, Ana acreditava em todo mundo. Ouvia os lamentos das amigas, enxergava os preconceitos, corria a dar a mão às rejeitadas.
Acompanhava de longe as órfãs do internato que limpavam, lavavam, cozinhavam; que choravam, riam... riam muito também, e brincavam com suas bonecas imaginárias.
Ana nunca falava de si, de seu mundo de segredos e mistérios. Na verdade, não tinha consciência dessas coisas... Vivia seu dia a dia sem saber, ao certo, quem era.
Era ingênua, boa ouvinte e observadora...
Certo dia, depois daquela tempestade desabar em cima dela, Ana resolveu partir para nunca mais voltar.
Pegou uma folha de seu caderno...
Rabiscou umas palavras no papel: "Estou indo embora para sempre.Adeus!"
Fixou a folha com um arame na maçaneta do portão que dava para a rua.
Abriu o portão e saiu com a bolsa da escola a tiracolo.
Mal saiu à rua, a visão turvou-se...
O mundo apresentou-se tão vasto e sem limites que Ana esqueceu de si, do bilhete e da sua vida de mistérios.
Seguiu direto para o colégio.
Aguardaria dias melhores para fugir!
outubro/2021

⁠A menina que falava muito (Tributo à vovó Maria)
Da série "contos curtos"

Quando criança, Rosina falava demais
O que será que ela encobria ou escondia? Talvez nada de nada, somente a curiosidade a guiasse...
Emendava um assunto no outro, sem dar trégua à língua.
Certo dia, bem mais crescidinha, já na faixa dos 12 anos, foi revisitar a vovó Maria na antiga casa da Rua Paulo Barbosa, no Ipiranga.
Toda faceira ao lado de sua vó, a menina - agora bem maior de tamanho -, foi visitar a vizinha Norma, a portuguesa carioca.
Ao ver a menina, Norma não se conteve e falou, quase num grito de encantamento - ou de horror:
__ Mâria, esta é aquela gaja, sua netinha, que quando vinha à sua casa falava muito? Aquela que não parava nunca de falar? A escutava do meu quintal...
Ninguém se constrangeu com a fala de Norma, que não tinha " papas na língua" - como se dizia...
E a avó, rindo, respondeu:
__ Pois é, Norma, é aquela menina mesmo. Agora ela fala menos porque passou a ler muito e a escrever mais do que falar!
Assim cresceu aquela menina dos cabelos pretos e lisos em que os grampos teimavam em escorregar da cabeça: também sem “papas na língua”! Ops, sem "papas" nas escritas!
Por que será?
Porque cresceu ao lado de uma sábia avó analfabeta das letras, mas que sempre se admirou e aceitou as novidades e descobertas do mundo. Julgando menos e aceitando mais as pessoas!
junho/2024

⁠Estações do ano e as mudanças do tempo

Bem-aventuradas as estações que se misturam o ano inteiro.
Diante de tantas tragédias climáticas, as quatro estações não representam mais as transformações regulares da natureza.
Nunca as mudanças são efetivas, estação a estação, como a metodologia humana insiste que pensemos, pois sempre se misturam nas pontas ou limites do processo de mudança...
Atualmente não temos mais quatro estações, nem a mistura nos seus limites; hoje são diversas e ainda não nominadas: diversas no ano, nos meses, nos dias que irrompem a cada nascer e pôr do Sol.
Estações que se misturam no dia a dia de meses que se encurtam, apesar dos dias sucederem-se um a um.
O sentimento de precipitação do tempo é mais forte que a realidade das horas, dos minutos e dos segundos do relógio universal e do relógio humano!
E um grupo de cientistas ainda teima em nos alertar sobre o Relógio do Juízo Final dentro do qual vivemos os últimos segundos da existência tal qual a conhecemos hoje!
E as tragédias sociais, políticas e ambientais nos distraem, apesar do enfrentamento diário a que temos que passar.
A hora de mudar não é mais agora, passou...
Perdemos o bonde da estação do tempo que se transforma e nos leva de roldão para paragens nunca dantes imaginadas!
A Mãe Natureza é sábia:
- Ligará o foda-se e implementará o “Fora Humanos” sem cartazes e passeatas, sem gritos ou parlamentos, justiças e governos;
- Agirá por conta própria; aliás, como sempre faz!
- Nos porá para fora sem uma única palavra, sem pedir ou suplicar, sem dó ou piedade!
- Sua consciência cósmica é de outro naipe e de outros tempos, muito diferente do nosso tempinho desumano, antissocial e predador.
Somos seres adaptáveis, por isso chegamos até o Século XXI, mas conseguiremos suplantar a tragédia que se anuncia?
O perfil de adaptação, no entanto, não combina com o perfil predador e consumista que nos persegue -ou perseguimos- e insistimos em manter!
Qual postura será mantida ou superada? A do predador ou a da adaptabilidade?
Para tudo há um limite: por isso, torço por mais Mujicas, Gandhis e São Franciscos de Assis do que por Elons Musks, Trumps, Fords e Marçais da vida!
Hidely Fratini
set/2024