Coleção pessoal de herfergom
AMANHECER APAIXONADO
Venha pescar o desejo em minha boca,
Enquanto, na penumbra, me olha nos olhos.
Venha, com a quentura de lava,
Sem palavras, me dizer com o corpo
O que somente a vontade sabe ler.
Venha, com riso indecente, me tomar e me beber
Enquanto me contorço de prazer
E sou só garras para que não me fuja.
***
O céu está mais baixo,
O sol nos visita em bom dia
E já somos íntimos para sempre.
Todos temos dias cinzas, de silêncios de chumbo, de choros escondidos debaixo do chuveiro, por trás dos óculos escuros. Sim, todos temos dores inconfessáveis, frustrações que se acumulam pelos cantos da alma. O que precisamos fazer é afogar tudo isso, por mais que não se possa, com truques de mágica, fazer sumir esses escombros de nós. Passemos, portanto, nossa vassoura, nem que seja timidamente, nessa sujeira. Não acumulemos nossas lamúrias; não transformemos nossas angústias em bibelôs de estimação, nem exibamos nosso sofrimento só para mendigar um carinho qualquer. Não existe luz em nós quando nos cobrimos de sombras. Mantenha os óculos escuros, chore sozinho debaixo do chuveiro e mate suas dores de desprezo! Sempre existirá fagulhas de esperança e força no nosso íntimo, capazes de nos despertar para o inconcebível de nós mesmos.
Ao revirar tuas saudades, procura valsar nos recantos onde teu coração aprendeu a ser feliz, para que teu desejo queira novamente reencontrar esse itinerário guardado na memória indelével da tua alma.
Então eu corro para o mar quando amanhece. Eu respiro fundo diante da praia, porque essa imensidão me abstrai e dilui meus quebrantos no balanço das ondas. Sim, é preciso lavar essa tristeza antes que ela transborde; é preciso esvaziar o salão para quando a felicidade chegar, encontrar tudo limpo, com luz de verão e sabor de maresia.
Quando eu remexo nesse baú de lembranças, eu sou feliz novamente. Meu coração se acende em arrepios de alegria e isso é a melhor constatação de que estar vivo vale a pena, de que poder reencontrar velhos amigos, surpreender-se com amores do acaso, aventurar-se como adolescente... tudo isso é o que dar cor ao mundo, é o que justifica nossa natureza pura.
Agora há pouco no supermercado, deixei-me seduzir pela beleza, maciez e perfume de uns pêssegos. Comprei alguns. Em casa, cheguei ávido por devorá-los. Mordi um, decepcionei-me; o segundo, não foi diferente; o terceiro, por fim, desanimou-me por completo. Os pêssegos todos eram amargos, imprestáveis. Doeu-me jogá-los ao lixo; mas valeu a reflexão que eles me deixaram. Acho que foi Moreira Campos quem disse em um dos seus contos que, às vezes, "desejar é melhor do que possuir". Algumas pessoas passaram em minha vida e tiveram o fraco feitiço de me impressionar apenas pela beleza. Tantas eram imprestáveis em essência. Bom seria se pudéssemos antever o gosto das coisas, o íntimo das pessoas. Iguais aos pêssegos, certas pessoas não têm nada mais além da opulência da carne. Em alma, são amargas, vazias e fúteis. Fiquei pensativo...
Porque, meus amigos, tudo passa tão rápido que, se procuramos traçar um perfil metódico para toda a nossa existência, num lampejo veremos que de nada adiantou tanta cautela, tanto medo, tanto senso em se guardar quando, na verdade, tudo o que provamos foi um prato insosso, doente... E aí já não há mais tempo, tempo pra nada; nem mesmo pra curtir sua eternidade, já que você não acredita nela.
O nosso exercício diário deve ser o de vencer o egoísmo, a intransigência, o orgulho. O ser humano, infelizmente, está fadado a supervalorizar os erros, tropeços e vacilos que nos atingem e esquecem facilmente das alegrias compartilhadas, das vezes que alguém nos consolou com uma palavra de conforto, com o ombro emprestado. Perdoar, reconhecer os erros e mudar são exercícios da alma e, por isso, mais difíceis de se executar.
E tudo terá valido a pena
Se consegui guardar bem as sensações,
Além das lembranças que nenhuma fotografia estamparia,
Além das portas que se fecharam, que se abriram
Durante minhas caminhadas...
Porque nada me pagará o calor desta manhã,
A atmosfera de perfume deste tempo...