Coleção pessoal de HenriqueNV
Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!
Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.
Para levar o homem a um estado de bem-venturança, de modo algum seria suficiente que se o transportasse para um mundo melhor; ainda seria necessária a produção de uma mudança fundamental nele mesmo, que o fizesse não mais ser o que é, mas, ao contrário, o fizesse se tornar o que não é.Porém, para isso ele tem de primeiro deixar de ser o que é.
O Tempo e a transitoriedade de todas as coisas são apenas a forma sob a qual o desejo de viver – que, como coisa-em-si, é imperecível – revelou ao Tempo a futilidade de seus esforços; é o agente pelo qual, a todo o momento, todas as coisas em nossas mãos tornam-se nada e, portanto, perdem todo seu verdadeiro valor.
Num mundo como este, onde nada é estável e nada perdura, mas é arremessado em um incansável turbilhão de mudanças, onde tudo se apressa, voa, e mantém-se em equilíbrio avançando e movendo-se continuamente, como um acrobata em uma corda – em tal mundo, a felicidade é inconcebível. Como poderia haver onde, como Platão diz, tornar-se continuamente e nunca ser é a única forma de existência? Primeiramente, nenhum homem é feliz; luta sua vida toda em busca de uma felicidade imaginária, a qual raramente alcança, e, quando alcança, é apenas para sua desilusão; e, via de regra, no fim, é um náufrago, chegando ao porto com mastros e velas faltando. Então dá no mesmo se foi feliz ou infeliz, pois sua vida nunca foi mais que um presente sempre passageiro, que agora já acabou.
As cenas de nossa vida são como imagens em um mosaico tosco; vistas de perto, não produzem efeitos – devem ser vistas à distância para ser possível discernir sua beleza. Assim, conquistar algo que desejamos significa descobrir quão vazio e inútil este algo é; estamos sempre vivendo na expectativa de coisas melhores, enquanto, ao mesmo tempo, comumente nos arrependemos e desejamos aquilo que pertence ao passado. Aceitamos o presente como algo que é apenas temporário e o consideramos como um meio para atingir nosso objetivo. Deste modo, se olharem para trás no fim de suas vidas, a maior parte das pessoas perceberá que viveram-nas ad interim [provisoriamente]: ficarão surpresas ao descobrir que aquilo que deixaram passar despercebido e sem proveito era precisamente sua vida – isto é, a vida na expectativa da qual passaram todo o seu tempo. Então se pode dizer que o homem, via de regra, é enganado pela esperança até dançar nos braços da morte!
Novamente, há a insaciabilidade de cada vontade individual; toda vez que é satisfeita um novo desejo é engendrado, e não há fim para seus desejos eternamente insaciáveis.
Isso acontece porque a Vontade, tomada em si mesma, é a soberana de todos os mundos: como tudo lhe pertence, não se satisfaz com uma parcela de qualquer coisa, mas apenas como o todo, o qual, entretanto, é infinito. Devemos elevar nossa compaixão quando consideramos quão minúscula a Vontade – essa soberana do mundo – torna-se quando toma a forma de um indivíduo; normalmente apenas o que basta para manter o corpo. Por isso o homem é tão miserável.
No fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida, pois somente eles são entendidos de modo autêntico e completo. Pensamentos alheios, lidos, são como sobras da refeição de outra pessoa, ou como as roupas deixadas por um hóspede na casa.
LEGÍTIMA APROPRIAÇÃO
Copio e assino essa frase encontrada no velho Schopenhauer: "A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental".