Coleção pessoal de h4yllon
Desejo que um dia me vejam como veem Clarice Lispector, tão humana e igualmente etérea, unindo em si o sensível e o inteligível, como se não houvesse sangue correndo em suas veias. Espero muito que me descrevam como outrora a descreveram, com os mesmos adjetivos ambíguos: seu olhar aparentemente triste, porém sempre atento e sábio, de quem não espera nada de ninguém, nem mesmo do mundo. Entretanto, o próprio mundo parecia se desdobrar diante de suas palavras, tão difícil é defini-la, pois ela não se encerra em si mesma, continua em mim e em tantos outros filhos. O verbo de Clarice, tão celeste, materializou em texto palpável os sentimentos mais indecifráveis; ela escrevia com a destreza de um anjo os mistérios que só o divino conhece.
Como desejo a sombra daquele olhar de quem consegue enxergar além das cortinas, desvendando o próprio e perverso cosmo, que recaia sobre mim o mesmo dom dos céus, a mesma intimidade com o pensamento e a palavra. Como pode ter existido um olhar tão efemeramente fatal quanto o dela? Como seu grande pupilo, só posso esperar que um dia conquiste sua beleza, pouco compreendida por olhos despreparados. Poucos são os que compreenderam sua verdade. E te coloco em devoção, pois fui salvo por tudo o que desaguou de teu ser.
Não me tome como um usurpador, mas, ao me tornar à tua imagem, quem sabe eu encontre o acalento de um coração que lamenta não ter te encontrado, que cesse a saudade e a culpa de não ter te encontrado em vida. Pois não haverá no mundo ninguém com seus olhos hipnóticos e demoníacos.
Não sabemos a maneira correta de levar a vida, mas tenho tendências a acreditar que viver não é estagnar-se. Correr a procura de um lugar confortável para descansar a cabeça e permanecer ali para sempre. Não mesmo, quem me dera fosse tão simplista.
Viver é estar em constante mudança. Assumir ser uma metamorfose ambulante, como pontuou Raul Seixas. Pois viver, viver de verdade é um ato revolucionário. Levantar todos os dias com o desejo de ser uma pessoa melhor já é uma grande revolução. Pois as revoluções começam dentro de nós.
Não que as gigantescas manifestações não tenham importância, elas tem! E muito. O mundo como conhecemos hoje foi moldado por causa delas, pessoas que levantaram bandeiras e sacrificaram-se pelas causas em que acreditavam. Nós não precisamos participar de eventos históricos para isso. fazemos revoluções todos os dias, no simples ato de dizer bom dia para uma velhinha que varre a rua todos as seis da manhã, ao ser gentil, e até ao tratar bem que diz abertamente não gostar de você.
Revolução é estudar e aprender equações matemáticas, é o aperfeiçoamento diário. Revolução é escrever, pintar, dançar com os pés doendo e cantar, mesmo que desafinado. É ter convicção dos seus ideais. É não estar satisfeito em cruzar a linha de chegada quando existem pessoas perdidas no meio do caminho. Podemos sim mudar o mundo, fazendo uma revolução por dia.
Meus avós me olham diferente, como se as coisas que digo não fizessem muito sentido para eles e por isso não são dignas de sua atenção. A modernidade muito os incomoda e pouco se importam com o ano do meu nascimento, devo ser criado como um rapaz nascido há 80 anos atrás, no fim das contas o mundo está louco, não é mesmo?
.
Meus pais nunca param pra me escutar, pois eu sempre estou errado, não é? É coisa da idade, daqui uns anos eu vou entender, ainda não vi nada da vida... É tudo que ouço.
.
Eles me mostram as suas cicatrizes, os seus álbuns de fotos, me contam suas histórias, eu me pergunto, por que os mais velhos abominam tanto a nossa juventude? Qual a razão para privarem todas as nossas descobertas? é compreensível que não queiram que nos machuquemos, mas precisamos ter nossas próprias cicatrizes, guardar nossas próprias fotos e escrever nossa história.
.
O problema é que quando se é jovem eles assumem que você não sabe de nada, e há tanto pra saber sobre a vida, que acho que nem os mais jovens e nem os mais velhos sabem muito sobre ela, mas adoramos pensar que sabemos, que somos muito maduros e inteligentes, só que maturidade tem pouco a ver com quantos aniversários você vem colecionando ao longo da vida, pelo contrário, é aprender com a vida dos outros, por que viver é um verdadeiro estudo antropológico.
.
O mundo muda, as pessoas mudam, e eu sinto muito papai e vovó, suas histórias são lindas, sinto por suas cicatrizes e sempre revejo aquele velho álbum de fotos, mas todas essas coisas falam sobre quem vocês são, não se trata de mim. Eu sou jovem, mas sei tantas coisas, vocês saberiam se me escutassem.
Vamos ser verdadeiros, honestos, sinceros e quaisquer outros sinônimos que a palavra honestidade possa ter, acho todos lindos, podemos até criar palavras se esse for o caso, criar convenções se você não se sentir confortável. Sim, eu me preocupo com seu conforto, não quero lhe assustar com meus pensamentos irascíveis. Serei honesto com você, lhe confessarei todas as loucuras que minha mente há de perpetrar, e em troca só espero o obvio, não, reciprocidade não. Honestidade, apenas.
Sente-se, quando quiser falar, fale, enquanto não, continuarei a ditar como quero que seja nosso amor. Seguindo de onde parei, peço que seja honesto, e a honestidade nem sempre vem com a ausência da mentira, talvez seja até impossível que o ser humano e a mentira sejam separados. Por isso, doravante, eu permito que minta para mim, que me engane se quiser, desde que eu saiba que eu estou sendo enganado. Algumas ilusões, eu faço questão de sentir. Então, você poderia me vendar com seus elogios, dizendo-me que sou único no mundo, e eu me sentirei único no mundo também, ainda que nós dois saibamos que isso não passe de grandes falácias. Não somos únicos, não somos raros, não há exclusividade em nós. Somos reciclagem de traumas e historias, nossas e dos outros. Mas continue me chamando de único amor de sua vida, eu gosto. Só não me faça de palhaço, já abandonei o picadeiro, sou um palhaço fugitivo que se tornou ator, que descobriu seu lugar no palco da vida. Agora sou ator, pois fingir é o que nós, seres humanos, fazemos de melhor.
Eu queria ser como você, eu queria que tudo não fosse grande como é na minha cabeça. Que essas coisas não fossem tão complicadas, tão difíceis, estratosféricas. Eu não queria complicar tudo, eu não queria pensar demais, eu não queria, mas minha cabeça vai além. Eu só queria ser como você… Porque para ti o mundo, no mundo, não há tantas nuances, branco é branco, azul é azul, preto é preto. Mas eu enxergo tudo diferente, pra ti vermelho é vermelho, um beijo é um beijo, um abraço é só um abraço. Um até logo nem sempre quer dizer um até logo, não te interessa o tom de voz, as intenções, não há intenções, pra ti tudo é como é.
Nem tudo é o que se ver, mas eu penso muito sobre o que não se ver, sobre o que não se é, sobre o que poderá vir a ser, o que isso se tornará? Ou o que já foi?
Se tu fala meio baixo, é por que desistiu no meio do caminho? é por que não se importava se eu gostaria ou não de te ouvir. Você parou de me beijar, por que se arrependeu? e só foi pra longe de mim por que ficou entediado. cansado. por que isso era isso e aquilo era aquilo.
Só que pra mim não é tão simples assim, tudo tem um por que. E se há um porque eu preciso saber, eu preciso que me conte, eu preciso que me falem e quando me falam, será se mentem?
Quantas intenções as pessoas tem escondido de mim, por que que pra mim o preto não é só preto, o branco não é só branco? Por que que há tantas nuances entre o que se é e como eu vejo?
Há tantas possibilidades, e se eu não pensar em todas elas eu não estou preparado e eu tenho medo do que eu não sei, eu tenho medo do qeu eu não consigo pensar e eu penso em tudo, a cada segundo.
Por que você disse isso pra mim? qual valor tem as suas palavras? Só disse isso pra me conquistar? para me ter? pra quantas pessoas tu tem dito eu te amo? O amor pra fazer tem o mesmo significado que tem pra tu?
Eu queria que um beijo fosse um beijo, um abraço um abraço, um adeus, apenas um adeus, e eu conseguisse desistir, com muita facilidade e aceitar que aquilo não é o que eu queria que fosse.
é, eu não sou como você e quão leve seria minha vida se eu fosse, talvez eu aproveitasse a vida e não pensaria sobre ela, inveja eu tenho das pessoas que vivem, por que acho que sou o tipo de pessoa que pensa tanto que esquece de viver, criando medos, inventando barreiras.
Sigo preso na minha cabeça barulhenta, em um lugar onde eu não gostaria de estar. Eu gostaria de ser salvo de mim, mas eu não vou ser, preso em uma bagunça que não conseguirei arruma no tempo de uma vida.
Eu quero lhe dizer adeus, meu amor, mas sem que eu precise pronunciar tais palavras sofridas, sem que eu sinta em minha boca o azedor de um substantivo dissílabo. Tão pequeno e tão pungente. Por isso o evito a todo custo e ao que custar. Porém, hoje será nossa despedida, mas não lhe avisarei que estou de partida, lhe entregarei mil beijos eternos, que ecoaram no tempo por anos a fio. Passarei horas a cantar teus ouvidos feito um passarinho, te cobrirei com mel enquanto cruzamos a nossa curta e última noite.
Ontem meu ego foi esmagado. Acordei com dores fortíssimas e nem me refiro a ressaca, essa, por incrível que pareça, é o menor dos meus incômodos, e olha que tenho tantos. Mexi no vespeiro, cutuquei a onça com vara curta, magoei a ferida. Tudo por que eu precisava ver o menino que eu conheci. Já tinha dito a mim mesmo “ele não é tão bonito assim”, “É página virada, eu já superei”. Bonito todas as formas que encontro de me enganar, mas é preciso tirar a prova dos nove para saber quantas mentiras conto a mim.
Assim que o vi, tudo caiu por terra, um vendaval de desespero percorreu meu estomago. Ali estava ele, o sorriso mais lindo do mundo. Admito ter ido aquela festa estranha com gente esquisita só para vê-lo e provar para mim mesmo que o peso da ausência do seu amor não me incomodava, eu não carregava esse fardo.
Mas ao chegar, meus olhos procuraram por ele por todo canto. Só que me ver, para ele, nunca foi uma prioridade. Estranho pensar como nossa mente atribui valores as pessoas, e com toda certeza eu não tinha valor algum para ele. E isso me doeu, me doeu muito. Porque eu só queria sentir um olhar de: você é importante, estou muito feliz em ver você, eu queria tanto que você viesse.
Isso não aconteceu.
Em nenhum momento.
Ele passou por mim, ou não me viu, ou fingiu que não viu; o problema é que eu o reconheceria em meio a um mar de pessoas, porque era por ele que eu procurava. Toda essa situação é patética, eu sei, me coloco em situações patéticas com certa frequência. Me perco em ideais que não defendo mais, agora mesmo, penso que: se ele não quisesse me amar, poderia, pelo menos, deixar que eu o amasse.
Mas nada importa, isso não importa, escrevo por que não é importante, para que eu releia mais tarde e veja o quão estupido fui comigo, escrevo para amenizar a dor da minha ressaca moral.
É ano de copa e o que isso me lembra? É uma boa pergunta. Gosto de lembrar que meu amor, antes de ser vermelho, já foi verde e amarelo. Ao caminhar pelo centro da cidade e vislumbrar chuteiras penduras e camisas da seleção, lembro-me de uma antiga época que não me parece tão distante, em que podia viver de exageros.
Sempre gostei de circos, teatros e livros, por isso nunca perdia uma oportunidade de me fazer de palhaça, atriz e de Emília, boneca de pano tagarela. Saudades de ser menina outra vez, de me descabelar, chorar por dias pelo término de Britney e Justin ou de quando sonhava em ser a jade da novela “o clone”. Saudades de uma copa do mundo em que o Brasil foi o grande campeão, mas quem entrou em campo mesmo foi o amor.
Consigo me lembrar da pequena Carlinha, que viu seu ódio por futebol se transformar quando o primeiro amor esbravejou, inocente, balançando uma bandeira verde e amarela, nos gritos de um menino travesso. Parecia que um estádio inteiro gritava na boca do meu estomago. E só tinha uma grande certeza, o amor poderia ganhar de goleada naquela tarde.
Sinto saudades de como as coisas eram simples, enfeitávamos a rua com bandeirolas e parecia não haver diferenças entre nós. Os vizinhos pintavam suas casas com as cores do Brasil e lá estava eu, apaixonadinha pelo neto da vizinha, dona Maria. Ele se chamava Ronaldo, exatamente como o nome do jogador. Eu, menina, que não entendia nada, me fiz de sabida. O brasil foi campeão naquele ano, e eu ganhei um amor de copa do mundo.
Assistimos juntos a França passando vexame, a Turquia fazendo o gol mais rápido da historia. Quase tão rápido quanto o nascimento do amor, no coração de uma jovem menina de 12 anos. Ronaldo chorou no embate Brasil x Alemanha e eu, prestativa, segurei sua mão durante toda a partida e Jamais me esquecerei do abraço que ele me deu quando a vitória foi anunciada. Não sei o que a vida fez de Ronaldo, que se mudou com a avó logo depois, mas toda copa do mundo eu me lembro dele, e reascendo no peito a esperança de encontrar o meu amor balançando uma bandeira verde e amarela.
Quando mais jovem era pouco apegado as coisas, pessoas, memórias. O torpor da juventude às vezes nos permite certas ignorâncias. Nada era digno de ser lembrado, nem todo mundo era tão especial assim. As coisas mudavam rápido demais e não havia tempo para me conectar a elas, e acho que nem mesmo queria me conectar a algo. Pelo menos não me lembro de questões como essas brincarem com meus pensamentos. Quando se é jovem o tempo parece quase infinito. Não lhe faltarão coisas ou pessoas. Quem tinha tempo para o apego na época em que nada era estático. A voz outrora fina, mal equalizada.
E cresci completamente alheio, mas se engana quem acha que assim fiquei. O sentimento que tenho ao notar que cresci é o medo, o medo do fim, por que o fracasso é o destino final de todas as coisas.
Percebi esse novo apego em casa, sozinho. Na bagunça do meu quarto encontrei tantas coisas, eu em todas elas. No simples ato de dobrar minhas roupas desenterrava memórias. Como no dia em que encontrei minha melhor amiga na praça, usava essa mesma camisa listrada. Por um breve momento senti seu cheiro, escutei o barulho da sua risada e por mais que houvesse tantas outras roupas como aquela, a minha seria única no mundo.
Com o tempo, sobretudo nos últimos meses, venho descobrindo que não há problema algum no apego, muito pelo contrário, encontrei grandes preciosidades depois que me aceitei apegado. Quando se envelhece e o tempo já não soa infinito, percebe-se que a história das coisas é o que as torna especial. Então, se não há a que se apegar, é porque não houve o quê viver!
Levei meu sobrinho para passear comigo, há tempos ele vinha me pedindo, animado, seriamos só nós dois. Crianças abaixo de cinco anos nunca foram meus favoritos, só venho lidando com crianças de vinte dois anos ou mais.
Só que pensei ser uma boa oportunidade, saímos e eu descobri uma inveja dessa energia juvenil, a gente perde tanto quando cresce. Tudo bem, não digo perder, sacrificamos muito para conseguir zelar por nossa sobrevivência. E nesse exato momento, eu almejava um pouco dessa vitalidade que a vida me tirou. Mal me lembro da sensação de ver o mundo pela primeira vez.
Voltei meus olhos para o meu sobrinho e ele pulava, sorria, caía e levantava sem muitas preocupações na vida. Tudo o que tinha era o presente e só isso bastava. Os frutos do futuro não lhe interessavam. Essas preocupações cabiam aos seus pais, este é único período da vida em que temos o direito de entregar nossos destinos nas mãos de outros, todavia, conheço adultos que ainda insistem em fazer isso. Tolos, não sabem que depender dos outros é um luxo que não podemos nos dar. Porque a vida maltrata com socos no estômago. Quando crescemos, o presente é invadido por possíveis futuros, a maioria deles irreais.
Somando todas as invejas que senti de meu pobre sobrinho, aquela foi uma das mais marcantes. Pensar na maneira como já tive o presente e perdi fez dessa a maior perda de uma vida. Agora mesmo, enquanto meu sobrinho brinca nos brinquedos do parquinho, eu checo meu celular pela quinta vez, procurando por pessoas que definitivamente não estavam ali. Preocupando-me com compromissos que ainda virão. Já não sei como recuperar o luxo do presente e só. A vida te pede para ficar.
Então voltamos para casa. Caminhamos por entre as pessoas, ele grudado no meu braço, e me puxando para que cessasse meus passos, como se toda a sua vida dependesse disso. Meu sobrinho queria voltar, pois algo lhe roubara sua atenção, algo no mundo era digno de seu afeto. Queria pegar uma tampinha de garrafa dourada no chão.
— é só uma tampinha de garrafa. — disse eu.
— eu nunca tinha visto uma dessa cor.
E foi aí que eu me dei conta que crescer é uma grande perda e me dói saber que meu sobrinho logo será um adulto como muitos outros, lamentando a perda de quem foi um dia.
Muitas vezes pego-me a observar-me, como se fora um outro, um terceiro, até mesmo um fantasma assombrando a si próprio. É um sentimento estranho, outro dia, enquanto conversava com uma amiga sobre nossas experiências sexuais, eu não parava de me perguntar internamente o porquê de estar fazendo aquelas escolhas de palavras, não seria as palavras que eu falaria se eu fosse realmente eu. Não é estranho esses momentos em que percebemos que deixamos de ser.
Ali, de repente, fui tomado por um outro, a quem fui observando de longe, um outro que eu não conhecia, mas que ainda acho ser eu em algum espectro, alguma nuance. Um eu reprimido.
Outras vezes que percebo esse fenômeno é quando me apaixono por alguém, abandono-me fácil de mais. Meu espirito sóbrio foge do meu corpo, como em uma espécie de projeção astral. Mas meu corpo não fica oco, logo trata de si preencher e penso, falo e ajo de um jeito absurdo, clamando pela atenção de estranhos. Por isso não gosto muito de mim quando me apaixono e isso tem acontecido com certa frequência, digo que conheci um menino na segunda e na sexta não paro de pensar na nuca de um outro. É repugnante me assistir agindo dessa maneira, se apaixonando por puro tédio e se convencendo de que esses sentimentos são reais. E chega a ser patético me ver me humilhando assim.
Quem sabe esse não seja um problema a ser resolvido, tenho que aprender a conviver com essas versões espaçosas de mim.
Vi o amor hoje, dessa vez é real, eu juro! Não é mais uma falácia de um jovem perdido escritor, eu vi o amor, brevemente, mas eu vi. Ele passou do meu lado em uma sexta-feira, umas 14:20 da tarde mágico. Vi o amor de relance e fico pensando que se tivesse me distraído um pouco que seja, talvez eu o tivesse perdido, passaria sem que eu o tivesse visto.
Foi engraçado, porque eu nunca pensei que encontraria o amor voltando de uma ida rotineira ao supermercado, suando, sob o sol escaldante de uma sexta-feira. Se eu soubesse teria me arrumado, me preparado para encontrá-lo, como faço sempre que vou ao bar ou a uma festa, sempre imagino o que pode acontecer por lá, quem sabe o abor esbarre em mim por "acidente"? Preciso estar minimamente apresentável, vai que o amor não goste de mim. Enfim, preocupações vãs, todas elas. O amor não precisa de grandes apresentações, espetáculos, grandes estruturas, não é como nos filmes. Ele se revela silenciosamente, escondido na rotina dos dias, você mesmo já deve ter passado por ele e nem o notou, o quão triste o amor deve ter ficado?
Então, eu vi uma moça, com duas crianças, parecia aborrecida, mas antes que eu pudesse conjecturar qualquer coisa ao seu respeito, quantos anos tinha, qual faculdade fazia ou se fazia realmente uma faculdade, eu apenas abri um sorriso meio que involuntário ou não, movido por um espírito saudosista que a mim, pelo menos, não era estranho e percebi um certo constrangimento da parte dela, o constrangimento de ser notada, percebida, alguém viu você através do véu da rotina "como se comportar?"
E ela riu para mim, como reflexo de seu constrangimento, talvez? Mas não me importo, não me importaria nem se ela não tivesse rido. Não seria amor se eu esperasse algo em troca além do que se era sentido no momento em si.
Não trocamos número de telefone, endereço, redes sociais, apenas compartilhando um momento em que dois estranhos percebem a existência um do outro, sem nomes, sem máscaras ou preconceitos. Não tivemos tempo de cultivá-los, o amor apareceu de repente e se foi, como um grande e inexplicável fenômeno, e assim foi ela, foi embora, voltando para a sua vida e eu segui com a minha. Eu vi o amor hoje, fenômeno raro nesses dias, os homens pensam que são deuses. Hoje me sinto mais humano, entendi que fenômenos são feitos para serem vivenciados e admirados, nunca possuídos ou explicados.
Sou alma infinita, minha alma se fará perpétua depois de minha morte, meu cheiro, meu rastro, meu legado são eternos. Eu estou em todo lugar e onde eu pisar deixarei um pedacinho de mim, meu toque reverberará por outros seres. Minha história me manterá vivo por décadas, pois sou infinito e hei de existir infinitas vezes, me misturando com o vento, tornando-me parte dessa terra sofrida, retornando ao pó. Quando eu realmente partir, espero que não sintam minha falta, pois de fato sou infinito, e o universo está cheio de mim. A finitude dessa vida é ilusória, tudo que um dia existiu, há de existir pra sempre, no passado, agora e no futuro. Hoje sou completo, por compreender a complexidade da infinitude, não mais me permitirei que me limitem, pois se sou capaz de quebrar as barreiras de minha existência, não me prenderei em mentes finitas.
Daqui a alguns anos você será outra pessoa, apenas observando as cinzas de quem tu eras no passado, velando um cadáver que não é mais teu.
Aos poucos eu vou reconstruindo o meu castelinho de areia, prometi a mim mesmo que não te farei mais rei, lhe expulsarei desse trono brilhante que fiz especialmente para ti, e tomarei posse dele.
.
Brinco com a areia da praia de meu coração partido, devagarzinho vou construindo torres para me proteger de você e te afastar de mim, com o passar dos dias, me dedico veemente nesse projeto arquitetônico, para proteger os meus sentimentos, construindo meu frágil castelinho de areia da superação.
.
Espero que você, por pura maldade, não agite as águas do teu oceano, pois basta olhar nos seus olhos ou te encontrar na rua, para o meu castelinho de areia desmoronar, e eu sentado no trono que fiz para ti, morrer sufocado pela areia da praia de meu coração partido.
A vida não se importa com todos os nossos planejamentos e metas de ano novo, ela não dá a mínima para aquela viagem que pretendemos fazer nas próximas férias e pouco se importa com essa nossa mania irritante de esperar o momento certo para enfim fazermos as coisas, na verdade, a vida solta uma gargalhada estridente toda vez que assiste alguém passar pela espera angustiante do momento certo, uma espera sem fim, pois esse momento certamente nunca chegará, talvez você morra antes do momento certo. O tempo que temos é agora, e é tudo que a vida nos dá.
.
Nós agimos como se fôssemos donos do nosso tempo, tudo bem, aos organizados e bem planejados, admiro toda a sua disciplina e perseverança, mas saibam que a vida irá adorar frustrar todos os nossos planos, acho até que esse seja o seu maior passatempo, mudar tudo em cima da hora, como uma criança birrenta que faz o que é errado de propósito.
.
Nada contra aqueles que fazem grandes metas no final do ano, mesmo sendo incapazes de realizar as metas que fizeram no ano que se passou, ainda assim olham pra frente, esperando dias melhores, quando na verdade, a magia do fim de ano não são as chances de recomeço e mudanças, recomeços e mudanças são oportunidade diárias, a magia do fim de ano não é esperar pela milagrosa transformação futura, é notar a sua metamorfose presente, o quanto você mudou durante um ano inteiro, como esse processo lento vêm nos transformando em lindas borboletas.
.
Devemos criar o hábito de olhar para trás vez ou outra e contemplar o abismo que nos separa do nosso eu do início do ano e o do final. Essa é a única mudança que temos.
Sinto-me pouco, me sinto muito. E foi nesse sobe e desce, no ciclo sem fim da minha inconstância que encontrei o meu maior vício. Talvez eu mude de ideia no fim desse texto, ou quem sabe no meio dele, mas quem se importa? A vida é breve demais para se cobrar constância de alguém e achar que as ideias não mudam, hoje por exemplo, levantei da cama determinado a fazer todas os meus exercícios pendentes, mas estou aqui escrevendo mais um texto sem sentido.
.
As coisas mudam muito rápido, é a água de um rio que passa por todos e que nunca mais volta pra você, ou talvez volte, sabe? Mas eu não lhe darei essa garantia, então, se quiser se molhar, se molhe agora. Duas coisas nunca acontecem do mesmo jeito na vida, é impossível, tudo muda e você não será o mesmo para sempre.
.
A vida é feita de vales que nos deixam na dúvida se valem ou não a pena atravessá-los, e eu sou louco por querer cruzar qualquer caminho escuro que eu encontrar, já me disseram isso. Entrei em um estado em que já não ligo para dor, para traumas. Sou imprudente comigo mesmo, e não aconselho nenhum de vocês a viverem como eu, mas é assim que vivo, preso na inconstância a qual me afetei e até gosto, por que a vida é breve demais pra que eu fique preocupado se vou me foder ou não.
.
Não me importo com a tristeza, porque ela passa rápido também, o que não passa rápido? A vida em si é ligeira, quero viver tudo o que tenho pra viver e viver até o que não me era preparado, mas que por teimosia acabei pegando emprestado. Quero me lançar nessa estrada infinita que acaba de repente. Essa é a vida que eu escolhi, porque no final das contas o meu maior vício é viver, e sinceramente, vivo por mim.