Coleção pessoal de Gillliteratura
Habitualmente a poesia me serve de passadio. Dela tiro o alento para manter-me em equilíbrio no dia-a-dia. Por vezes, numa sucessão de movimentos, escoro-me na parede fria do lado de fora da pequena cabana e atino sustentar-me em pé. Desequilibro-me. Por pouco não caio. É embaraçoso. Ouvi falar que o passado foi esquecido. Disseram-me que o futuro não é vivido. Também escutei que o presente, se existente, há de se pedir licença para habitá-lo.
Peço agora
Desejo sair daqui
Dimanar-me
Ir para casa
Ir embora
Adeus.
Mãe não penses em mim como alguém capaz
Saibas que me encubro nos lençóis que tu lavas
Enquanto apresento-me, vergonhosamente, de forma eficaz.
A caminhada é longa
A chegada é incerta
E o destino nos é ofertado
Para fazermos de nossas vidas
Uma grande e relevante cagada.
O presente só serve para lidarmos com as maldições do passado.
O chamado futuro será o presente repetindo o clico infame do que já se foi.
Não me restam mais dúvidas:
Sou uma louca tentando ordinariamente enquadrar-me na mediocridade humana.
Seu coração disse pra sua cabeça, vá, e sua cabeça disse pra sua coragem, vou, e sua coragem respondeu, vou nada, mas sua boca não ouviu e beijou.
Ilusão de Vida
Vivemos da ilusão de sermos capazes de lidar com as 'coisas da vida', por mais simples ou rotineiras que sejam, doando-lhes 100% do nosso tempo.
Então, separamos 'algumas coisas' e para 'essas coisas' vivemos enquanto negligenciamos outras, imperceptivelmente ou com receio de vivê-las?!
Não seria o caso de vivermos um pouco de cada 'coisa' para não passarmos de forma despercebida por aspectos maravilhosos que a vida nos oferece?
A medida para esse 'pouco'?
Caberia a cada um de nós saber, desejar, reconhecer, dentro de nossas proporções, para não chegar um dia e constatarmos: Foi-se.
Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espetáculo que posso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis.
Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa.
Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca.
Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto.
"Entendo que a poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem SE entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo um ser a mercê de inspirações fáceis, dóceis às modas e compromissos'".
Carlos Drumond de Andrade