Coleção pessoal de gabizi
O amor é brega
viola uivando pra lua
vela pro santo
nome na macumba
beijo doce
de moça de quermesse
andar de cio
brincando um flerte
beliscão safado
no trem lotado
desejo invadindo
a próxima estação
rima pobre rica de malícia
verso infiltrado na lição
o amor é isso
uma canção do Roberto
um soneto do Vinícius
Alta Tensão
eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
O mais esplêndido não é
a beleza, por profunda que seja,
mas a clássica tentativa
de beleza,
em meio ao charco: a
estrada interrompida, abandonada
quando a nova ponte finalmente entrou em uso.
Ali, de ambos os lados de uma entrada
cuja tinta, crestada pelo sol,
começa a descascar -
dois vasos de gerânios.
Pois entre: em uma das paredes,
pintadas numa placa ornamental,
romãs maduras.
- e, ao sair, repare lá
embaixo na estrada - numa unha,
numa unha de polegar se poderia esboçá-lo -
degraus de pedra subindo
pela fachada toda até, no
primeiro andar, um
minúsculo pórtico
em bico como o palato
de uma criança! Deus nos dê de novo
igual intrepidez.
Há tufos
de roseiras dos dois lados
dessa entrada e ameixeiras
(uma seca) circundadas
na base por carcaças
de pneus velhos! sem outro propósito
senão a glória da Divindade
a qual fez aparecerem
ambos os seus ombros, sustentando
o enlameado lourejar
de suas tranças, acima
das ondas pacientes.
E nós? o vasto mundo inteiro abandonado
sem nenhuma razão, intacto,
o mundo perdido da simetria
e da graça: sacos de carvão
jeitosamente empilhados sob
o telheiro dos fundos, o
fosso bem atrás um passadiço
por entre a lama,
triunfante! ao prazer,
prazer; prazer de barco,
retirada vereda de um domingo
até o livre rio.
A perfeição é horrível, ela não pode ter filhos.
Fria como o hálito da neve, ela tapa o útero
Onde os teixos inflam como hidras,
A árvore da vida e a árvore da vida.
Desprendendo suas luas, mês após mês,
sem nenhum objetivo.
O jorro de sangue é o jorro do amor,
O sacrifício absoluto.
Quer dizer: mais nenhum ídolo, só eu
Eu e você.
Assim, com sua beleza sulfúrica, com seus
sorrisos
Esses manequins se inclinam esta noite
Em Munique, necrotério entre Roma e Paris,
Nus e carecas em seus casacos de pele,
Pirulitos de laranja com hastes de prata
Insuportáveis, sem cérebro.
A neve pinga seus pedaços de escuridão.
Ninguém por perto. Nos hotéis
Mãos vão abrir portas e deixar
Sapatos no chão para uma mão de graxa
Onde dedos largos vão entrar amanhã.
Ah, essas domésticas janelas,
As rendinhas de bebê, as folhas verdes de confeito,
Os alemães dormindo, espessos, no seu insondável desprezo.
E nos ganchos, os telefones pretos
Cintilando
Cintilando e digerindo
A mudez. A neve não tem voz.