Coleção pessoal de fuadcaetano
Lobo
Lobo cinzento de pelo turvo e olhar de vigia
Com sangue entre os dentes e alma sombria.
Lobo que ladra, morde e mata sozinho
Criatura maligna que cruzou meu caminho.
Lobo cinzento de olhar fosco e amarelo,
Me amedronta e apavora de jeito sincero.
Lobo que perfura, rasga e devora,
Lupino profano que só teme a aurora.
Me amaldiçoa com escárnio e prazer,
Me transforme em Lupino do submundo.
Da matilha agora o mais novo ser,
Lobo cinzento de jeito imundo.
Sem sol, na lua, renascerá o homem caído,
Chama calada, forma lupina, toque ardente.
Seja brilho e guia de mais um perdido,
Chamando meu corpo, uivo. Alma que mente.
Poço
Os arranhões na parede do poço
Mostram como tentou subir um dia,
Não conseguiu pela culpa, embora moço,
Poderia chorar até transbordar, e sairia.
Sucumbe aos delírios da solidão,
Cansado, machucado e um dia caído,
Busca ao longe ajuda, sorriso ou mão
Alguém que lembre que tenha vivido.
E na corda que poderia subir
Resolve apertar o nó do pescoço,
Mas a tristeza não deixa voar e cair.
Transbordando as lágrimas de desgosto,
E os arranhões na culpa do moço,
Mostram a parede, embora no poço.
Lar
Se a casa é onde nos sentimos bem,
Faço ao seu lado minha morada.
Jamais passarei fome ou frio, além
De estar no coração de minha amada.
E pelo seu feitiço deveria ser queimada,
Tal qual as bruxas há anos atrás.
Fez-me um servo em sua jornada
Sou um escravo, mas vivo em paz.
Quando quiser me assassinar, se despeça
Não consigo viver sem teu carinho.
Mas me mate, e que não seja depressa,
Prefiro ser torturado, que estar sozinho.
Ninguém
Sou o grito mudo no vazio,
Nada pode acalmar a dor.
Ninguém.
Pode.
Sou o sorriso amarelo no escuro,
Busco na sombra o afago.
Ninguém.
Vem.
Sou o escárnio da nobreza,
Vivo pelos becos da miséria.
Ninguém.
Espera.
Vê?
Ninguém.
No fim se importa com nada.
Sou o tempo perdido angustiado.
Hineni
Glorificado e abençoado seja seu nome,
Santificado e eterno seja o seu perfume,
Mil velas acenderei, o fogo não consome,
Prefere o silêncio, como de costume.
Hineni, minha Deusa!
Com olhar de luxúria, insisto.
Eu cobiço, confesso e conquisto.
Vou até o fim, não resisto.
Eu luto, me entrego e desisto.
Hineni, minha Deusa!
Cobiçado e amaldiçoado,
Coberto de ódio e horror,
Vilipendiado e satirizado,
Eu estou pronto, meu amor.
Hineni, minha Deusa!
Morto
Sinto que perdi um pedaço
Talvez
É difícil manter o quebra cabeças
Montado
Sempre exibido a todos.
A moldura não é firme
As peças não se seguram sempre
As pancadas, toques, quedas
Fotos
Desgastam a forma completa.
Fecho os olhos e
Cubro meus ouvidos
Vejo e ouço meu interior
Vomito
Sou muito podre para meus sentidos.
Uma parte de mim morreu hoje
Tentei reanimá-la
Sem sucesso
Acho que perdi minha melhor parte
A parte que me amava.
Tentador
Meu amor é pecaminoso,
De jeito sagaz e sedutor,
Alguns acham desvirtuoso
E tantos outros tentador.
Avanço com língua e letras,
Escorro entre dedos e boca,
Além de papel e canetas,
A paixão rompe como louca.
Como a maçã do paraíso de Eva,
No calor e aconchego do leito,
Seja claro, penumbra ou treva,
Amor proibido clama meu peito.
Cuide
Cuidando se mostra o quanto ama,
Então me deixe tocar sua pele macia,
Cubra-me entre teu ventre e tua cama,
E traga luz nesta página sombria.
Ilumine essa forma perdida,
Floresça e me banhe de perfume,
Adoro seu carinho, como de costume,
Complete-me e sempre me dê vida.
E nas linhas curtas de amor puro,
Faça-me sorrir e crie meu reino.
Nos seus braços me sinto seguro,
És radiante, como sempre veio.
E no toque simples e carinhoso,
Ame e cuide de jeito virtuoso.
Migalhas
Assim torna-se impossível o simples ato de dizer
Palavras não são ditas, os beijos não são dados,
Os amores são perdidos e os corpos velados,
Nada mais que cinzas, dores e prazer.
Lágrimas adoçam o amargo da boca,
Nos jogos de Deus, eu vadio, tu louca,
A timidez se vai com uma taça, e
Em nosso leito o que é puro se desgraça.
Como dois não dividimos apenas o manto
E as migalhas brilhantes do céu impuro,
Mas compartilhamos planos e amores do futuro.
Quando cai o alvorecer rubro no firmamento,
Você lua tímida nega-me o sorrir,
Eu como sol me vou, só admiro o que queria sentir!
Malus
Meu amor é como a alvorada,
Inevitável, vermelho e sedutor.
Busco ao longe minha amada,
Como o sol no horizonte sonhador.
Meu coração é negro como a noite,
Envenena da forma mais fatal.
Sua ausência é como um açoite,
Profanando essa forma carnal.
Meu toque é frio como inverno,
Matando esperanças por prazer.
Sigo com deboche pelo Eterno,
Dissipando o que Ele fez crescer.
Meu pensamento é como fogo,
Destruindo todos ao meu redor.
Sou a matilha de um lobo,
Devorarei a carne até do menor.
Sou os sete pecados todos unidos,
Irrompendo amores a toque de fole.
Me elevo à desgraça dos perdidos,
Beberei teu prazer até último gole.
Divertiu-se com o mal errado,
Subestimou o demônio principal.
Torturarei seu futuro e passado
E esta será a lembrança de teu final.
Devaneio
Eu me tornei demoníaco e cruel,
Perdi as chaves de nosso céu.
Quebro os portões ainda com esperança,
E destruo cada vez mais a confiança.
A busca de poder dominou a carcaça,
Antes o que era homem, hoje desgraça.
Sou o péssimo exemplo julgador e
Sigo com meus pecados, sem amor.
Mais um copo tragado com ansiedade,
Dos menos tolos, aprendi com a idade,
Aguardo que quem sabe um dia,
Possa ser metade do homem que seria.
Tempos Idos
Ainda uso a coroa de espinhos quebrada
Lembrando-me dos bons e velhos dias
Aqueles que tivemos durante a jornada
Antes de nos perdermos por estas vias.
Me diga, por favor, o que aconteceu?
Estou acabado e tomado pela dor.
Se o homem que fui se perdeu
E restou somente este triste trovador.
Tentando recuperar meu velho amor,
No labirinto secreto do esquecimento,
Me calo em meu próprio rancor
E me guia somente um pensamento:
No brilho dos teus olhos, como arrebol
Eu sempre te amarei, faça chuva ou sol.
Gotas
Vivo neste mundo em branco e preto,
Iluminado somente pela tua luz charmosa,
Deixe brilhar em mim tua gota formosa
E colora com graça esse soneto!
Voz macia e pele em mármore talhada,
Olhos como mel, simples corpo formoso,
Com lábios finos e de traço estiloso.
Fujamos de nos mesmos, preciosa amada.
Gotas cálidas de orvalho diurno,
Chama preciosa de Círio sagrado.
Sejas meu anjo, sempre abençoado,
E cobrirei seu ventre de amor soturno.
Olhos nos olhos, pele na pele, boca na boca,
Embriagar-me-ei com teu prazer, gota por gota!