Coleção pessoal de flavio_jose
"Ando só", conforme a música de Engenheiros. Mas não porque fui esquecido por todos: simplesmente me fiz esquecer para muitos.
A minha nova turma não frequenta bares. Na verdade, foi por essa galera que parei de beber e de ir a bailes.
É um tipo bem peculiar de amizade, da qual não espero retorno, e minha satisfação é exclusivamente servir.
Não sei se posso chamar a isso de relação. Porque o que há, de fato é uma simbiose: minha existência tem por objeto a vida de minhas filhas.
Talvez a isso eu deva chamar amor.
Chega o dia em que percebe que não é pessoa tão especial;
que não passa de mais um no tabuleiro da existência humana;
que é passível de qualquer tragédia
e desventura;
que não chorarão seu choro
nem sentirão sua falta.
Constata finalmente que os mocinhos quase nunca vencem;
que honestidade não compra seus sonhos;
que nada nem ninguém acontecem de graça;
que os amigos só duram o tempo do seu sorriso;
que a mulher - que nem sempre o amará - não será para sempre amada.
A vida, então, lhe parece tudo isso de decepcionante...
mas você ainda poderá apreciar a chuva
e brincar com o cachorro.
Das boas coisas da vida, com certeza o café fica entre as primeiras da relação. É ótimo comer e necessário tomar água; mas beber um cafezinho é ato divino.
O cheiro do café, pela manhã, é um bom-dia à vida; oxigena o cérebro e chacoalha a alma.
E não seria exagero dizer que o almoço só tem graça se houver um café após a refeição.
As tardes, mesmo as mais quentes, sempre pedem um bom café.
À noite, então, cadeiras na calçada e uma garrafa de café nos faz esquecer que é tão penoso viver.
O café pertence à ordem do "frui" de Santo Agostinho e está na caixa de brinquedos de Rubem Alves. O dinheiro, por exemplo, é do grupo do "uti", ou seja, é útil. Já tomar um cafezinho com sua mãe na cozinha é algo que não tem preço.
A satisfação de deliciar um café é tão grande que não cabe em um "cafezeiro" só. É por isso que quem gosta de café sempre insiste em que outra pessoa aceite uma xícara.
É gratificante preparar o café, servir o café, beber o café. Até perguntar ao amigo se gostou do café é agradável.
Portanto, tenha o café em todos os momentos da vida; e, antes de morrer, garanta que no velório não falte o saboroso e velho cafezinho.
Viver é uma obrigação. E nesse labor que é a vida, temos que bater o ponto todos os dias.
Não há salário. Pelo contrário, é o trabalhador que tem que pagar pelo emprego.
Caso o serviço não lhe agrade, greve não resolve. Vai ter, portanto, que encarar a jornada e encontrar uma solução que não seja a perda do cargo.
Mesmo no cansaço, deve aguentar,; porque quando as férias acontecem, elas nunca terminam. E não fazer absolutamente nada também não é agradável... nem aconselhável.
Sendo assim, é importante manter a saúde, pois atestados e licenças são definitivos.
Na fábrica da vida, aparentemente há níveis hierárquicos, e alguns funcionários se arrogam mais ilustres que outros; porém todos carregam, em algum momento da labuta, pesados fardos.
E esses eminentes servidores - apesar de ostentarem condição de trabalho melhor do que a de indivíduos comuns - estão sujeitos, como qualquer outra pessoa, a demissão com ou sem justa causa.
Nascer é o início do contrato que você não assinou. Mas já que a rescisão é inevitável, exerça com o máximo zelo suas atribuições e garanta, pelo menos, algumas promoções, como sentir, sonhar, amar.
A fome nossa de cada dia
Na infância, eu tinha muita fome de comida. Quando me queixava, minha mãe dizia: "Vai dormir, que passa". Não sabia eu que teria na vida muitos outros tipos de fome.
Fome de dinheiro, pois no Brasil se trabalha quase seis meses para o Estado.
E, sem dinheiro, padece-se de outra fome: a de respeito.
Fome de justiça, pois o que se vê é político desviando recursos públicos para locupletar a si, a seus familiares e apaniguados.
Fome de dignidade; visto que, sem recursos suficientes, não se pagam as dívidas nem se realizam sonhos.
Fome de reconhecimento, porque só são importantes aqueles que integram determinados estratos.
Fome de oportunidade: a condição financeira não é o bastante para custear cursos preparatórios, para fazer uma viagem ou para montar um negócio.
Fome de pessoas, pois nada nem ninguém acontece de graça.
Até mesmo fome de amor, quando a mulher amada resolve "colar" em alguém que possa lhe proporcionar mais conforto.
A vida é um prato vazio. Alguns terão condições de enchê-lo; outros mal terão o prato. Aqueles vão se empanturrar de satisfação e alegria. Estes terão como abastança somente peleja e angústia.
É possível que o amor morra. Mas há também a infeliz certeza de que os restos ficam dentro de nós a nos assombrar. Não passamos, pois, de cemitérios ambulantes.
Aprendi a duras penas que ninguém nos pertence. Ou as pessoas morrem, ou nos deixam (o que também é um tipo de morte). E não há nada que possamos fazer quando isso acontece, senão sobreviver ao luto.
Em ambas as situações também morremos. E a nós nos parece que um tipo pior de morte - ainda que saibamos que haverá vida um dia.
E quando mortos estamos, a verdade é que os outros não se importam. No máximo um lamento, uma lembrança, uma postagem no insta, um torrão de barro sobre o caixão.
Saber que a vida, ou a morte, da outra pessoa persiste sem nosso consentimento não é motivo de angústia - mas de conforto. De igual maneira, nosso tormento não cativa aos demais nem dói além de nós mesmos...
Porque a vida segue; e a morte, também.
Você tem dúvidas de que há um grande amor na vida de cada um?
Vai chegar o dia em que terá certeza de que aquela pessoa é esse amor.
Quando estiveram juntos brigaram muito, desconfiaram um do outro, choraram. O coração apertava se sabia dele(a) com outra(o). Todas essas vezes você quis sair definitivamente do relacionamento sofrível. E um dia você conseguiu.
Nas baladas e em conversas com amigos(as), tentava se convencer de que fez a coisa certa e de que a liberdade era muito gratificante. Então saiu por aí beijando muitas bocas, conhecendo outros corpos e dormindo em camas diferentes. E você foi feliz durante um tempo, ou quase feliz.
Mas aí, de quando em quando, você se lembra do(a) ex; sente vontade de compartilhar algo com ele(a), uma bobagem (um filme, o Oscar, uma luta UFC, algo da política); desejaria lhe contar do curso que está fazendo, da viagem, da chateação no trabalho ou da briga com o(a) melhor amigo(a).
Essas lembranças vão passar, e o alívio de não estar mais com aquela pessoa vai novamente lhe fazer bem. Entretanto, depois de uns dias ou meses, ou anos, um simples lanche vai fazer você se lembrar de novo da figura. Você terá uma e outra noite maldormidas sonhando com ele(a) e o resto do dia com uma sensação muito incômoda.
Compreende a enrascada em que se meteu desde que conheceu tal pessoa? Vocês estavam predestinados a envelhecer juntos; porém, em algum momento, um achou que podia viver sem o outro.
E de agora em diante, é isso que deve acontecer. Cada um segue seu caminho. Vai bater saudade, vontade de ouvir a voz e de dar um abraço. Mas não há mais nada que possa ser feito.