Coleção pessoal de FLAS2014
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
– para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida, assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
PEQUENO ESCLARECIMENTO
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio..., este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.
SIMULTANEIDADE
- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"
SEMPRE QUE CHOVE
Sempre que chove
Tudo faz tanto tempo...
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!
DA DISCRIÇÃO
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
Três amores... Quem me deu
Tão estranha sorte assim?
Três amores, tenho-os eu
E nenhum me tem a mim!