Coleção pessoal de filhadoamor

Encontrados 15 pensamentos na coleção de filhadoamor

Andarilha

Chegou como um pássaro noturno
Em plena sombra da escuridão
A princípio uma andarilha
Vestia preto com cabelos desalinhados

Olhar perdido preso ao passado
Disse-me que era voluntária
Trabalhava com os filhos da ilusão
Seu nome era Ana como a avó de Jesus

Morava num bairro afastado da cidade
Tinha um crucifixo preso entre as mãos
E não se preocupava com a solidão
Sentia-se amparada por abençoadas mãos

Pediu licença, puxou a cadeira
E sentou-se ao lado do meu coração
Contou-me muitas histórias antigas
E libertou a criança da infância reprimida

Falou de fé, cura e libertação
Do poder da chave de Davi
Para expulsar dores e cicatrizar feridas
Transmutar mágoas de um passado infeliz

Hoje, sozinha, caminha na noite sem destino
E agradece quem ouve o seu lamento
Seu sorriso indecifrável é mais uma súplica
De quem perdeu a memória e segue sem direção

Do livro:Extasiada de Infinitos

Palavras

Gosto de ver as palavras
Brotarem das minhas mãos
Sentir o pulsar de cada fragmento
Construindo coreografias
Para compor letras de poesias

Depois que as escrevo
Guardo-as no útero ou no coração
Para amadurecerem com amor
Espero dias, meses ou anos
E continuo engravidando de imaginação

Poeticamente sou uma mulher parideira
Tem dias com muitos partos
E outros que me entrego às brincadeiras
Por sorte tudo na vida é inspiração
Que preenche de luz a minha solidão

Gosto muito de falar dessa magia
Mas vou ter que protelar
Tem fragmentos de letras ansiosas
Disputando as rimas das minhas poesias
Na esperança de conquistar o melhor lugar

Do livro: Extasiada de Infinitos

Feminicídio

Maria também se foi
Levando no coração
Muitos sonhos inacabados
Tinha na alma o desejo de liberdade

Sua história de amor acabou
Como a ilusão dos contos de fada
Era frágil e não se sustentou
Por sorte ela tinha voz própria

Conversou, disse adeus e se foi
Ser pássaro em outras moradas
Com fé e esperança seguiu seu caminho
Recomeçar sempre, agora com maturidade

Entre tantas escolhas prometeu se amar
Na intensidade que seu ser merecia
Assumiu o compromisso de ser feliz
Sem traições, ilusões ou vaidades

Na inocência sequer imaginou
Que no caminho havia emboscada
Prenunciando o fim do início da sua jornada
Sem direito a defesa, foi brutalmente assassinada

Numa fúria patriarcalista de insanidade
Ele desferiu dezenas de facadas
Seu corpo tombou sobre o chão ensanguentado
Estampado no jornal que ele tomou rumo ignorado

A noite chegou fúnebre e agoniada
Com chuva de lágrimas pela fatalidade
Era mais uma vítima do feminicídio
Que Nanã receba em amor o seu corpo destroçado

Do livro: Extasiada de Infinitos

Poesias aguerridas

Mulheres que se confundem
Com a paisagem da caatinga
Que trazem na própria face
O mapa da terra ressequida

Mulheres que expõem as cicatrizes da miséria
Vultos invisíveis das favelas
Que regam a terra com suas lágrimas
Onde a semente germina desnutrida

Mulheres expulsas do paraíso
Deusas cruelmente excluídas
Cuja gratidão é silenciosa oração
Debilitadas vencem dias de provações

Mulheres que geram na dureza do sertão
Estrelas cadentes por falta de opção
Suas faces denunciam a indiferença
Do poder que oprime com a força da ambição

Mulheres estrelas das noites de escuridão
Trazem dentro de si a nobre constelação
Por serem filhas do ventre da terra
São poesias aguerridas a fecundar este chão

Do livro: Extasiada de Infinitos

Estou grávida de Marias

À Querida Maria Taquara, minha irmã, meu anjo alado...

Estou grávida de Marias
Maria Estelar de doçura sem igual
Maria Solar de beleza universal
Maria Alegria acorde de melodia
Maria ousadia força motriz da magia
Maria Taquara eternidade de toda seara

Maria passado, presente futuro
Maria liberta de toda grade de todo muro
Maria feminina eterna flor que fascina
Mas há mentes doentes que inventam e profanam
São meros e insignificantes mortais
Construtores de moralidades insanas

Suas calças compridas tinham rendas e babados
Suas blusas floridas provocavam olhares embasbacados
Seus turbantes africanos tinham cores indecifráveis
Era pura alegoria, mulher que inspirava filosofia
Nasceu para ser rainha e iluminar travessias
Maria que transcende toda mera fantasia

Quando chegava às margens do rio para o banho de alquimia
Era reverenciada pelas ondinas do reino da sabedoria
Para demonstrar sua gratidão convocava a ancestralidade
Olhava para o céu, dobrava os joelhos e estendia as mãos
Entoava lindos cantos de amor, carinho e devoção
Até as águas paravam e rendiam a tamanha encantação

De volta, subia a avenida com sua sombrinha dourada
Era tão bela quanto Oxum com seus decotes ousados
Seus olhos misteriosos provocavam um rebuliço danado
Ah se alguém achar que estou mentindo
Convoco para um desafio com meu cajado enfeitiçado
Mas ninguém mexe com Maria, minha irmã, meu anjo alado...

Do livro: Deusas Aladas

Sou mãe biológica de poesias

A Inês, minha amada sobrinha

Tenho comigo que sou mãe e não sabia
Sim, sou mãe biológica de poesias
Como tenho as portas da alma aberta
Elas chegam de mansinho
E se abrigam no meu útero com carinho

Nascem naturalmente, sem dor, sem fórceps
Sem traumas e sem gritarias
Não escollhem o horário e nem o dia
São libertas de qualquer imposição
São repletas de amor, esperança, certeza e gratidão

Nossa comunicação acontece por intuição
Nos momentos de exaustão elas me arrastam pelas mãos
Tagarelam em meus ouvidos e provocam confusão
Deixo tudo que estou fazendo para lhes dar atenção
Às vezes invadem minha privacidade e se vão

Para algumas eu conto com a magia da parteira
São arteiras, dão cambalhotas dentro de mim e se escondem
Dizem que tem medo da realidade desse sol que arde
Querem ser eternamente a inspiração da minha vida
Mas ao fazerem a travessia se expandem na alquimia da poesia

Do livro: Deusas Aladas

Adormecer

Tenho vivido todas as vidas
Sofrido a dor de todas as mortes
Chorado a saudade de todos os amores
Hoje sem fisionomia e sem nome
Mas presente a oprimir meu peito vazio

Tenho padecido de uma crônica e longínqua dor
Localizada em tudo e em lugar nenhum
Que me dilacera sem piedade
Como um punhal sutil e afiado
Que corta e faz jorrar sangue sem deixar cicatriz

Infinitas vezes eu nasci e morri
E essa inquietude ronda e esmaga meu existir
Trama sangrenta que insiste em me acompanhar
Rasga e expõe minha alma a soluçar
Memória triste e chorosa contida em todo lugar

Vivo a espera da grande travessia
Meu desejo é repousar na eternidade
De encontro aos meus próprios retalhos
Registrados na memória do tempo
Para na completude do meu ser em paz adormecer

Do livro: Quando a vida renasce do caos

Alma Ensolarada

Cheia de encanto e com a alma ensolarada
Saí a cantar pela madrugada
A procura da sutileza da tua luz

De mãos dadas com as estrelas
Atravessei a passarela com a certeza
De encontrar-te sonho meu

Sorridente a percorrer todo o universo
Descanso nas nuvens pra escrever meus versos
Quando a saudade baila ao meu redor

Com meu vestido desfiado pelas andanças
E o coração apertadinho de lembranças
Eu busco força nas canções da minha infância

Quantas luas tenho passado a tua espera
Pintei todas as rosas do jardim na primavera
E dei outro tom à parede da sala de inverno

Passo dias e noites reinventando outros caminhos
A colorir minha rotina com brilho do olhar divino
Quando o dia desabrocha me inspiro no canto dos passarinhos

Mas sei que a noite da incerteza há de chegar
Então adormeço na cadeira de balanço com tristeza
Mas minha alma acorda revigorada e jamais perde a beleza

E com o passar dos dias a idade chega
Com ela a poética da maturidade e a leveza
Então deixo pra ti flores na janela com nobreza

E os dias passam rápidos como a efêmera dança da vida
Pressinto que é chegado o dia da eterna travessia
Entrego-me com serenidade e sei que por ti serei recebida

Do livro: A Última Valsa

Diante da Rainha!

A Valentina

Diante de ti eu entrego
O fruto açucarado do ventre de luz
Que hoje habita este continente
Com a beleza rara da flor
E a essência lúdica do amor

Com as águas sagradas do teu útero
Lava o corpo e a alma deste pequeno ser
Que viajou por infinitas noites
Como a mais sublime poesia estelar
E trouxe luz ao amanhecer

Que tuas ondas prateadas inspirem teus sonhos
A viver com real formosura em todo canto e lugar
Que teus dias sejam firmes com a força do teu abraço
E o reflexo dos teus olhos sobre o mar
Repletos de suavidade para inspirar a família e o lar

Esta é a tua pequena menina-sereia
Que dança a magia das noites sobre a areia
Balançando nos movimentos das águas
Iluminada pela ternura da lua cheia
Em reverencia a ti mãe de bondade rainha-sereia

Retira dos teus caminhos o sentimento enganador
Torna-a perfeita sob o aconchego do teu amor
E no bailado destas águas em beleza
Envolva e afina teus sonhos com a certeza
Que a estrada a percorrer é de ternura e leveza...

Do livro: Deusas Aladas

Eu sigo com meus sonhos e meu violão

Foste embora da minha vida
Jurando amor sincero e infinito
Inebriaste-me em seu perfume paradisíaco
Com poéticas declarações de amor
Mas eu sobrevivi naquele jardim, agora sem flor

Desejava conhecer o mundo dos desenganos
E feito cigano partiste sem nenhum apego
Ao encontro do vazio das reticências
Peito aberto de encontro ao vento tempestuoso
Se aventurando na sorte da imaturidade

Seus negros olhos perderam-se na cor da noite
E nessa obscura fusão deixaste sangrando meu coração
Levaste na bagagem apenas a coragem, nada mais
Queria para si o indecifrável talvez um pingo no i
Quando a noite desce sobre o sol ouço soluços algures

Hoje absorta em tantas reminiscências
Invade meu sonho repousante para falar de amor
Enquanto o dia me deixa em estado de vigília
Velando contra os pensamentos de outrora
Que faz de mim refém de uma inacabada história

Deixa pois, esta sôfrega alma voar pelo azul
E retecer uma nova história de amor
Cujo personagem central não tem medo de ser feliz
E pintar o recomeço com todos os tons e oferece nova cor
Enfim, sobreviver longe dos riscos, desafios e desamor

Se ainda continuo viva é pela arte da reinvenção
De alimentar o sonho de ser estrela em outra constelação
E deixar nascer à flor no terreno ainda árido desse coração
Não volte, por favor, um dia saíste livre seguindo seus passos
Por Zeus deixe-me em paz repousar no meu regaço

Não perturbe o silêncio das minhas madrugadas
Reinvente seu mundo e seja muito feliz
Eu sigo com meus sonhos e meu violão
Feliz na estrada compondo belas canções
E na linha do horizonte darei novo alento ao meu coração

Do livro: A Última Valsa

Estrela da minha poesia

A Maria Taquara!

Mulher vestida de mistérios da lua
Grávida de estrelas a dançar nas ruas
A sinfonia universal das noites sem carnavais

Tinha no olhar a iluminação e a força solar
No coração a conjugação perfeita do verbo amar
Muito além da compreensão de meros mortais

A alma composta de poesias, inspirava alquimia
E os viventes imperfeitos, produziam ironias
Mas era musa esculpida de barro sagrado e nada lhe atingia

Feito deusa alada, trazia seus sonhos sobre a cabeça
Em sintonia com o céu seu espaço de realeza
A adornar lindamente a paisagem cuiabana, com certeza

Destoava do cotidiano corriqueiro e trivial
E esculpia seu itinerário com argila surreal
Seu mundo era livre, indefinidamente atemporal

Hoje deslumbrante, desfila na Via Láctea
E entre divas reluzentes, superou a estrela Dalva
Maria que brilha, Taquara que guia a estrela da minha poesia...

Do livro: Deusas Aladas

Recordações

Hum… cheiro de infância no ar
Pássaros brincam nos fios de alta tensão
Libélulas coreografam o bailado da vida no quintal

Da janela do quarto eu contemplo o visual
O beijo quente do sol aquece a rotina
O azul-celeste envolve minha alma

O cheiro alquímico de café inebria a sala de estar
Tardia é a hora do desjejum matinal
Minha mente vaga entre filosofias

Imersa em velhos álbuns de família
Fotos sépias e outonais
Rasgam o ventre do tempo

Absorta em pensamentos
De mãos dadas com o vento
A criança sorri e se vai

Do livro: Extasiada de Infinitos

Criança interior

O tempo corre freneticamente
E eu continuo acreditando em sonhos
Para preencher as lacunas da inquietude

O vento toca suavemente meu rosto
E desperta lembranças adormecidas
Guardadas na memória do esquecimento

A chuva cai sobre o meu corpo
Borda a silhueta da minh’alma
E torna-me reluzente como um cristal

O sol se curva no horizonte
E convida meus olhos a admirar
O fim da travessia de mais um dia

A noite chega lírica e magistral
Desperta a música da minha consciência
E inspira lindamente a minha criança interior

Do livro: Extasiada de Infinitos

Morrer
é escrever o último verso
à sombra da própria existência.

Em dias escuros
eu acordo os vaga-lumes
que repousam dentro de mim.