Coleção pessoal de Epitacio75

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"Ninguém gosta de receber um 'não' assim de cara. Mas, em algumas situações, o 'não' precisa sim ser encarado por quem o recebe como a resposta mais sensata para aquele momento" (In: Cronista Anônimo).

"Todo esse barulho insano é apenas a manifestação de uma verdade preocupante: o silêncio apavora as pessoas"
In: Cronista Anônimo, p. 67.

Crônica de Epitácio Rodrigues

SÓ PALAVRAS


Palavras, palavras e mais palavras! Nos últimos tempos tem crescido em mim uma estranha sensação de banalidade léxica. É quase uma vertigem como a do Antoine Roquentin sartreano. Cada vez que saio de casa para o trabalho ou outra atividade extramuros sinto-me como se estivesse entrando num caótico labirinto de frases e palavras e sem o novelo de linha de Ariadne, que me ajude a encontrar um caminho.
Por todos os lados, em forma de frases gastas, jogadas ao chão ou aprisionadas em papeis, palavras voam sem direção; às vezes, pichadas em paredes como aranhas disformes e contraventoras ou transformadas em avisos colados em postes, a fazer promessas de felicidade e prosperidade demasiado suspeitas: “trago seu amor de volta em cinco dias!”; transmutando-se em anúncios impressos em outdoor que querem me seduzir a comprar a futilidade maquiada de garantia de sucesso.
Nas ruas e avenidas, elas correm, ultrapassando à direita e ou esquerda da pista, em carros e motos velozes que rumam, sem rumo, movidas por pensamentos equivocados para os quais correr é sinônimo de liberdade.
Palavras, palavras e mais palavras! Vejo-as mergulhadas nos corpos das pessoas apossando-se da sua epiderme como um “cobreiro” discreto: chamam a esse “empossar” de “tatoo”. Vejo-as também misturadas às roupas, bolsas, sapatos, tênis, sandálias, cabelos e cabeças.
Para todos os lados, o horizonte que meus olhos alcançam parece dominado por um deserto de palavras: sejam grandes, pequenas, coloridas, mixadas e ensurdecedoras; ditas, sussurradas, tecladas e gritadas; dinâmicas, brilhantes ou pulsantes. Todas elas são ermitãs de sua própria condição dizente, docente, eloquente.
Conta-dicção do dito: nada dizer! Pois, o paradoxo de tudo isso é que, por alguma razão, mesmo me vendo cercado de palavras, tenho sempre uma incômoda sensação de que, para além dos invólucros criativos que as revestem, o conteúdo parece cada vez mais vazio. Assim, ao final do percurso, prevalece sempre a mesma impressão de que são apenas isso: palavras que já não conseguem dizer mais nada.
São apenas palavras.

"O elogio é um louvor, um 'falar bem de...'; um carinho sonoro, um aplauso verbalizado."

"De tanto não se dizer a verdade quando se elogia alguém, o elogio está se tornando uma prática perigosa."

"O homem não aceita o fato de que foi feito para escolher, porque escolher é sofrer, e isto é sempre uma realidade da qual se foge."

"Pode-se privar o Colibri de voar, como pode-se privar o ser humano de amar. Porém, nos dois casos será uma sentença de morte".

"A dor tem, às vezes, um teor ascético: 'abstém-te e suporta'. Mas, fazer ascese é sempre morrer um pouco"

"A verdade nem sempre sorri para quem a desvela"

Pensar no tempo é pensar na brevidade da vida, e isso nos é pavoroso.

Dia após dia, vejo passar o tempo: constatação que me emociona e me apavora. Não entendo esta ambiguidade que acompanha o ser humano desde quando ele foi lançado no mundo: cada dia que passa não sei se vivo mais, ou se lento morro.

"Nós vivemos lançando questões sobre o mundo, sobre a vida e sobre a história não só porque é desta forma que dialogamos com o que se nos apresenta como desconhecidos, mas também porque nos percebemos desconhecidos para nós mesmos"

"Tudo é efêmero". (No livro As portas do tempo nos muros da vida).