Coleção pessoal de EllenSantos
O outro lado da sala parece muito longe quando só resta os resquícios de uma música. Conquanto os olhos não pisquem e os ciscos não impeçam o espio, do outro lado da sala a saliva não chega nem molha; do outro lado a linha não termina e o vento não bate mais. O coração não chama, a boca não pede, mas a camisa ainda aperta, o suor ainda arde, as certezas ainda borram e os curiosos não explicam como o fogo dentro da última gaveta do bidê ainda queima sem oxigênio.
Se os sentimentos inconstantes que por vezes mudam, podem desaparecer, que faça dessa dor que não dói, tão volátil quanto. Não é justo me ferir no escuro.
Nós vivemos nossas sombras sozinhos, e por vezes os cegos verão melhor do que nós. Nos resta ouvir os cacos contra a parede enquanto a inocência de vidro se dispersa em cada pupila dilatada em cada culpado desatencioso.
Dentro de um suspiro cabia um choro que não podia sair da porta pra fora do pequeno órgão que fazia o sangue pulsar. As veias começaram a escorrer pelos poros e alguém começava a gritar dentro de uma casa que não era a sua; dentro de um sentimento que não era seu; debaixo de um fardo que seus pulmões não aguentavam. As consequências foram derramadas dentro de um copo meio cheio que transbordava sempre meio vazio, e as rédias foram tomadas, e os verdadeiros culpados foram apontados e os corações envergonhados. Agora os pequenos choram e as palavras vomitam o que diante dos ouvidos alheios não pode ser citado. E enquanto o copo meio vazio é despejado ao chão, os viajantes partem para onde consigam respirar, sem ladrões de ar, depois que eles tinham tudo, eles tinham tudo...
Os semblantes se difundem e se confundem, um está de baixo do seu nariz e o outro dentro da sua cabeça. A ampulheta não costuma regredir, mas ultimamente a areia insiste em cair pra cima e voltar o tempo que nunca fugiu dos nossos pensamentos. A noite era clara o suficiente, mas por vezes me perguntei quem eu beijei.
E quando o mundo acabar, se lembre de não me contar; Quando as portas abrirem eu quero estar dormindo; Quando o seu reflexo atravessar as frestas eu quero poder ter colado as minhas pálpebras a tempo... Eu aceito me cegar enquanto a onda não me afoga.
As minhas porcelanas continuarão guardadas, as visitas não me animam mais. Se eu ainda me lembro, a culpa é sua: nas minhas xícaras as gravuras são dos seus dedos, me diga o que lhe impede de voltar para lavá-las? As suas marcas eu não quero mais. Dos lírios que eu plantei, poucos eram destinados a mim, as suas palavras tomaram como rumo outros lábios e você já não me inspira mais. Da nevoa de cores mórbidas: um sorriso sínico e olheiras expressivas; deixe meu sono em paz, o seu enigma me instiga, mas eu nunca o quis descobrir.
A verdade é que o egoísmo é a qualidade mais admirável do ser humano. Pra que viemos ao mundo se não para alimentar nosso ego?
Num ato de romance se perdera a juventude, perdera-se o que de inocente restava. O que há de novo solidão? Mentes enjoadas, cheias de futilidades, me falta conhecimento, me sobram lembranças. Num apelo desesperado eu lhe peço que fique; num murmuro inconsciente eu espero que vá embora. Unhas sujas que marcam a minha parede, feridas abertas que trucidam a minha pele. O que há de novo? Qual o remédio que ainda não encontrei? O que ainda não tentei? O que é tão maligno que consome um sentimento morto? Eu o enganei, eu ainda me lembro em noites como essas.
"Os pés da estranha estavam resfriando o asfalto, deixando nele a sujeira de onde teria passado enquanto não estavam exaustos; sua cabeça estava apoiada sobre os braços que dispunham de uma posição curvilínea; e uma mancha na blusa que agora não poderia limpar. Numa visão entreaberta de pálpebras quem poderia saber se ela ainda via algo? -Nem via, nem ouvia, acredito.- Não precisou perceber as curiosidades voltadas para si. Dispôs de uma gloriosa queda, numa dramaturgia que não pôde assistir até o final, nem saber se arrancou ânsias. Partículas da sua mente se dissolveram em sapatos, e pegadas, e mãos, e fios de cabelo. Tudo era nela e ela estava em tudo."
A conotação da cena propõe que algo morreu. Mas quem? –Ninguém. Na verdade: é a renascença. Uma memória que morre e acaba, aqui. "será?"
As cartas nunca chegaram; palavras nunca se pronunciaram; uma troca de argumentos fúteis nunca aconteceu; mas o mundo: nunca parou. O egocentrismo se desune do egoísmo quando achamos em si o que procurávamos em outros colos. O mundo gira em torno de mim e você deixou de ser o meu eixo.
Éramos peixes numa bola de cristal, fazendo promessas e assoprando o café. Beirando uma profecia inalterável. Juras despejadas mão a mão, não muito menos que lábios lambuzados de expectativas.
A imensidão tão aberta e devasta parece fazer a brisa soar mais fria, fazendo as narinas arderem num ar tão puro de inverno-primavera. Eu espero poder respirar bem o suficiente para ver a noite amanhecer hoje. Se eu pudesse contemplar os amantes do alto dos telhados as coisas seriam plausivelmente melhores, eu os acertaria uma flecha que rasgaria suas peles flácidas e juntaria seus corações murchos e desperdiçados e eles nem me agradeceriam. No entanto, eu me contentaria, vestindo olheiras visíveis nesta madrugada frígida. Quem sabe aliviasse um coração que já não exibe um humor saudável, quem sabe eu me consertasse.
Às vezes somos cortinas, esbarrando que o sol não entre. Apesar de um lado estar demasiado gélido e úmido, num deles brilha um sol introvertido que se esforça em aparecer, mas não deixa de iluminar. Às vezes é necessário que detenhamos a luminosidade para que saibamos apreciar a sua presença, que nem tanto é mais bonita que o escuro, onde nada preciso ver, onde eu me imerso de perguntas que não consigo responder.