Coleção pessoal de ELLENMORAES
Ela tinha esquecido. Do cheiro reconhecido sempre no mesmo pescoço. Daquele olhar cúmplice fora de hora. De como era bom ter seu lado da cama. Tinha esquecido da delícia de ser bem cuidada - ela e aquela velha mania de querer só cuidar. Ela tinha esquecido. De como podia sorrir por dentro só de ouvir uma voz. De como era bom escutar uma música sendo cantada ao pé do ouvido. Ela tinha esquecido de como é gostoso sentir saudade antes mesmo de se despedir. Tinha esquecido, aliás, de como é difícil sair de um abraço de despedida. Tinha esquecido de como é a boa aquela cosquinha que não tem nome, aquele frio na barriga quando o telefone toca. Ela tinha esquecido de como é sonhar com alguém e acordar com ele na cama. Ela tinha esquecido da delícia de se beijar sempre a mesma boca, cada dia de um jeito diferente. Ela tinha esquecido de como é bom ouvir aquilo que se está pensando em dizer. Ela tinha esquecido tudo isso.
Aí ele apareceu. E ela lembrou.
Primeiro ela olhou e não viu nada. Mentira, gostou do papo. Ou da voz, não lembrava bem. Depois ela olhou de novo, e viu um sorriso aberto. Gostou disso. E da gargalhada que vinha sempre depois. Na terceira vez, ela olhou mais atenta, viu gostos em comum, mais do que ela tinha pensado. E foi gostando disso também. Aí, quando se deu conta, já tinha pele, cheiro, toque, essas coisas inexplicáveis. E ela começou a ver tanta coisa, e cada dia descobria uma nova, assim, sem pressa, como as descobertas boas devem ser. Olhou de novo, e de repente o olhar era igual, aquele olhar íntimo de duas pessoas que se descobrem e se perguntam, como a gente demorou tanto tempo pra se achar?
E quando ela se deu conta, já era. Dele. E ele dela.
Seis meses depois ela bateu na minha porta com o mesmo vestido, mas sem a maquiagem se desfazendo no canto do olho, óculos de grau, sacola de compras na mão. "É pra janta", ela disse, enquanto ia tirando do saco plástico o arroz, o presunto, o pão francês - meio comido já. "É mania de criança, ia mastigando o pão quentinho a caminho de casa", ela riu e a covinha apareceu.
Me apaixonei de novo, era vida real.
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Eu até poderia poetizar e dizer que é de nervoso que ele morde o lábio, mas é só quando o bigode incomoda. Ou talvez, uma vez ou outra, por impaciência. E quando abriu a porta aquele dia, seis meses depois, ele mordeu. Será que demorei demais? Mas logo depois ele riu, aquele sorriso aberto, e elogiou o vestido: tá colorida - será que ele lembrou?. Me abraçou por trás enquanto eu ia tirando tudo da sacola, me explicando, sei lá por que, falando coisas sem sentido, lembrando da infância. Ele riu de novo, dessa vez aquele riso de bobo, que eu adoro.
Me apaixonei de novo, era vida real.
Você me olha no olho e diz: você é mesmo muito bonita. Eu escancaro felicidade, tentando inutilmente disfarçar um pouco o sorriso gigante que aumenta ainda mais esse buraco na minha bochecha que você tanto adora. Aí, felicidade escancarada, você olha mais uma vez e diz: muito bonita. Não sei responder, como se responde reciprocidade? Te abraço, te aperto, te olho tentando dizer que não há nada a se dizer quando já se está tudo tão dito. Aí, por não saber o que dizer eu passo a mão no seu cabelo, que eu possivelmente gosto mais que você, olho tua sobrancelha fina e tua boca grande, iguais as minhas, penso, enquanto me dou conta que gosto de tudo de um jeito tão meu, que não sei como consegui viver tanto tempo sem. Você percebe, acho, a cara de felicidade escancarada e ri, orgulhoso. Eu só queria estar onde estou. E esse lugar, hoje, poderia ser qualquer um, desde que você estivesse também.