Coleção pessoal de Eliot

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⁠sorrisos de Sangue -

Pelas ruas caiadas, desertas, cheias
de repugnância e solidão,
passeio obsoleto!

... passo a passo ...

Escorre dos meus olhos um liquido
viscoso que não são lágrimas!

...gota a gota ...

Há no espaço um cheiro intenso
a maresia humana, vozes por detrás
de cada porta, sonhos, mentiras e
cansaços!

... gente ... tanta gente ...

E eu passo ... vou passando ...
... nocturno como a noite que me veste
o corpo ... meu corpo!
Sem sonhos nem ilusões!

Nada é verdadeiro, tudo é absurdo.
Há em torno a mim sorrisos de sangue.

⁠Nunca mais chega -

Nunca mais chega ...
Venha a morte! Venha!
Leve em suas mãos a ânfora
de silêncio com as visceras da vida ...
Traga o meu destino suspenso
nos lábios e a minha noite como
um manto sobre os ombros ...
Venha desprovida e ambiciosa
com vontade de mim!
Semeie no intimo fundo da minh'Alma
a vontade de morrer ...
Arranque do meu peito este espinho
venenoso que é viver...
Nunca mais chega ...
Venha a morte! Venha!

⁠ Aceita-me Assim -

Aceita-me Assim!

Calado e frio como a madrugada ...
Infeliz e indiscreto como a noite
funda ...

Aceita-me Assim!

Árido como a terra e gelado
como a água ...
Desiludido e triste como gentes
sem destino ...

Aceita-me Assim!

Sem vontade de viver ou esperança
de me amar ...
Talvez indeciso ou indiferente como
o vazio que está em mim ...

Aceita-me Assim!
Porque nunca soube ser de outro modo ...

⁠Trago nos costados
um Poeta -

Trago nos costados um Poeta!
Uma Alma invisivel que me
esventra ...
Uma voz imensa, cheia de noites ...
... vagas ... persistentes ...
Dias vãos! Tantas sombras!
Trago no meu corpo o abismo
de um Destino,
um imenso precipicio,
a tarde quente, eterna e abissal
à beira de um silêncio ...
Isso que acontece quando tudo
está parado, a meio tempo ...
Quando eu morrer façam destes
versos a mortalha ...
... porque trago nos costados
um Poeta!

⁠Versos Repetidos -

Se eu pudesse daria novos mundos
ao mundo ...
Porque meu coração batendo vai
além de tudo!
As palavras não existem, estão ocas,
estão vazias na ponta do olhar de quem
as diz! Só há versos repetidos...
As palavras já não dizem do que antes
era; de quando o medo não pairava!
Se eu pudesse daria novos olhos
ao silêncio ... nova voz!
Novas estradas ao destino ...
Novos destinos ao amor ...
Novo amor a cada homem ...
Ah se eu pudesse ... se eu pudesse
daria novos mundos ao mundo ...

Do Profundo Abismo -

Do profundo abismo destes versos
ergue-se a mortalha de silêncio
que me veste o corpo desde o
berço ...
Há faces (tantas) por saber em minha face,
ventos, labaredas, agonias e cansaços.
Puras são as pedras! Que francamente
sendo pedras não desejam ser mais nada!
São elas! Assim! Inteiras! ...
Outros barcos virão que a morte não dá,
outro cais, outro mar ...
A vida está presa aos nossos dedos sem
estar em nossas mãos ... tudo é efémero!
Não tenham pena dos meus poemas
castigados!

No Quarto Escuro da tua Ausência -

No quarto escuro da tua Ausência
tranquei meu coração magoado,
fechei as janelas do cansaço
e adormeci na cama do silêncio
onde morro desde o dia em que
nasci!

Aqui a vida respira-te ...
Meu corpo navega-te por dentro ...
Há espadas afiadas e punhais
pontiagudos nos meus olhos ...
É inútil o desespero de esperar-te.

Aqui as mãos são de sangue!
Abre-se em frente a mim um mundo
oculto de espanto e é palpável
o inefável de sê-lo.

Aqui os olhos são de água!
Desnuda-te e lava-te nas minhas
lágrimas ...

⁠Querer Ser -

A vida é um fluxo eterno
Num eterno movimento
Um silêncio que é interno
Para lá do pensamento.

É aquele querer chegar
Onde tantos não souberam
Mas há pedras ao passar
Que os outros não quiseram.

Também há a solidão
Há o sonho e a vontade
E bem no fundo do coração
há a esperança e a saudade.

Mas do Sol de cada dia
Há uma vontade de só estar
Um querer ser por ousadia
À procura de um lugar.

Para Celeste Rebordão Rodrigues -

Tinha braços largos de abraçar o mundo
tinha olhos fundos de beber a vida
tinha gestos brandos com toque de cristal ...

Tinha uma esperança crescendo e outra e outra ...

Chegou ao mundo vestida de poesia
trazia o fado na voz
a guitarra na Alma!

Traçou paisagens, ergueu destinos,
voou no vento ...
Nada foi inútil! Porque nada é em vão!
A memoria desse amor será eterna ...

Teus braços largos que me abraçavam
teus olhos fundos que me viam
teus gestos brandos que me tocavam
nem a morte pode fechar ...

Celeste, vem, e recolhe a última flor da Primavera!

(Dois anos volvidos ... cheios de silêncio e de saudade.)

⁠À Beira da Tarde -

Sentei-me à beira da tarde,
pus os olhos num silêncio qualquer,
pus a alma no alto da madrugada
e meu corpo, ansioso,
arrancou no limiar da solidão,
palavras ao vento ...
E num voo de gaivota,
num voo de asas paradas,
a memória do teu rosto
desenhou-se à minha frente.
Como se o tempo fosse eterno,
como se a vida fosse breve
e nada nos pudesse separar,
nem a morte que um dia nos marcou!
Que dia especial, esse, em que me sentei
à beira da tarde ...

⁠Pequena Ode aos Poetas -

Entardecer! O vento passa apressado por
entre as frestas do silêncio ...
Algo de vago se alinha no horizonte da
memória.
Talvez o sonho venha e seja o último,
talvez um dia um pássaro surja de
outras dimensões.
Não me lembro do rosto de quem morreu,
apenas do olhar, dos sonhos que trazia ...
Meus olhos esfumados na distância e na
miragem trazem ecos de sangue , pesados,
frios e densos! Vestidos de saudade!
Sinto presenças. Diáfanas presenças ...
Tenho vontade de chorar...
Porque os não tenho eu junto a mim?!
Agora!...

⁠Bailado de Silêncio -

Há um bailado de silêncio
num palco d'ilusões.
Longe, fora do tempo,
talvez um murmúrio de vozes...
Pássaros voam em meus voos
rasantes,
desce sobre mim a angústia
da madrugada
cheia de punhais que se
entrechocam.
Nascem manhãs sanguíneas
do silêncio e das grades.
E o bailado continua ...
A vida não consente mais soluços.
Meu coração batendo vai além
de tudo,
bebendo das angustias de cada dia,
envenenando o meu destino!
Fechou-se o pano...
O bailado terminou ...

⁠Imagens Paradas -

Há retratos feridos nas pedras
lisas (duras) do chão,
povoados de silêncio, por detrás
dos olhos fechados,
em ruas quase desertas!

Imagens paradas à superficie dos
lagos que pairam nos meus sentidos.

Uma imagem se destaca, teu rosto,
liquida imagem que perfura o meu
destino como a folha d'um punhal.

Pedras se entrechocam nas
profundezas da minha Alma porque
só no extremo da noite se comunga
na fome dos gestos ...

Há retratos feridos nas pedras lisas (duras)
do chão, e eu, permaneço em silêncio!

⁠Há uma Tarde -

Há uma tarde fechada por dentro
caiada de sonhos e cansaços ...

Um quase silêncio vestido de Fado
que ultrapassa a solidão de quem
o canta.

Um quase poema feito de palavras
que não há mas que a Alma sente
e vê.

Um suspiro de marujo num barco
em alto mar ao sabor das ondas
indiscretas.

Uma vontade de ir mais além,
p'ra lá da vida, p'ra lá da morte,
numa busca incessante.

Que triste tarde fechada por dentro
caiada de sonhos e cansaços ...

⁠Nos meus Lábios de Mágoa -

Nos meus Lábios de Mágoa
Há saudade minha e tua
Trago os olhos cheios de água
Sem destino pela rua ...

Trago os sentidos cansados
Trago a Lua sobre os ombros
Trago os meus olhos parados
Na tristeza que hoje somos.

Bate ao longe um coração
Traz saudades a boiar
E no cais da solidão
Vou chorando sem parar.

Passa o vento apressado
Sem vontade de me escutar
Porque amei o amor errado,
Nada resta, há-de passar.

A saudade não passará
Trago os olhos cheios de água
Esse amor só viverá
Nos meus Lábios de Mágoa.

⁠Mãos do meu Destino -

Há em mim um grito de infinito
no silêncio que me veste a solidão
há qualquer coisa de vento
numa voz que me fala ao coração.

E há um suspiro feito de água
num olhar que me toca o pensamento
há um gesto ferido e meigo
que pesa triste sobre o tempo.

Há um adeus de asas paradas
junto às mãos do meu destino
que me acena com um lenço,
desde sempre, no caminho ..

⁠- Versos no Espelho -

Ontem escrevi um poema
Guardei-o bem no peito
Sem passado nem presente
Ao meu gosto, ao meu jeito
Dormi com ele no meu leito!

Hoje sinto-me diferente ...
É que os versos são presságio
D'uma Alma sem descanso
Que se canta num Adágio
Profundo, triste e manso!

Amanhã a vida seguirá
Outros versos nascerão
O silêncio será voz
Vestirei a solidão
Estarei de novo a sós!

E depois? O que virá?
Terei Alma? Terei corpo?
Só Deus sabe o meu destino ...
E as maselas do meu rosto
Hei-de vê-las no caminho!

É Inútil -

É Inútil que nos barrem os caminhos!
É Inútil que digam que o amor não vencerá!
É Inútil que os pássaros não venham na Primavera!
É inutil que o dia não avance e a noite não se evada!
É Inútil que o tempo passe ... vá passando!
É Inútil que os homens já não sonhem!
É Inútil que os sonhos não se toquem, que as pessoas não se encontrem, que os corações não se procurem ...
É Inútil! Será p'ra sempre inútil enquanto houver uma poesia ...

Deixa-me -

Deixa-me gritar ao mundo que te amo,
quero gritar todos os sonhos inúteis,
todos os desejos estéreis!
Que estou cansado de estar mudo ...

Deixa-me limpar as lágrimas dos meus olhos humedecidos, cheios de noite e de silêncio!
Que estou cansado de estar preso ...

Deixa-me chamar todos os mortos que ganhei, todos os vivos que perdi!
Que estou cansado de estar velho ...

Deixa-me ver a luz do dia em pedaços destroçados e elos que se fundem!
Que estou cansado de estar cego ...

Deixa-me morrer em paz - na paz do leito!
Que estou cansado de estar vivo ...

Noite -

A sua força vem de longe
os seus olhos estão mortos
suas palavras tristes , frias,
seu toque calmo e sombrio!

Quando chega,
esmaga sonhos no vazio,
encosta sombras na parede
e tudo é vago, tudo é estéril,
quando a noite se aproxima!

Deixem-na passar ...
Traz passos indecisos!
Leva a morte dentro dela!
Não fujam! É Inútil ... é em vão ...