Coleção pessoal de elianagrunow44
Nefasta eloqüência
As vozes que ouço
iludem o meu inesperado,
e desespero com o desprezo que recebo.
São vozes de louca ciência,
de religião inexata.
Vozes de sentenças.
Sou um servo cego e mudo
mas as ouço como luz e verbo
e choro, com tormenta,
sua lógica esmagadora.
Não fujo.
São minhas as vozes
e me humilham
como os homens de pedra,
como a morte que me nega.
Obra registrada na Biblioteca Nacional sob o protocolo
410953-767-113
O escravo não se importa com o que produz, não
receberá nada mesmo pelo seu trabalho... O serviçal vive de
promessas, por elas derrama seu sangue. No ocaso da vida
percebe que tanto se empenhou à toa, por uma vontade que
não era realmente sua. Individualmente isso é só mais uma
tragédia, porém apenas nas obras coletivas é que se vê para
onde estão levando suas vidas. No fundo não há diferença.
Porque o drama individual não passa de mera curiosidade e
os infortúnios coletivos, paradoxalmente, são mesmo
imperceptíveis, confundem-se com a natureza da existência.
Na realidade é a mesma monotonia que se faz
aparentemente coerente e justifica tantas almas opacas e
semimortas. Certamente há pessoas felizes que
desconhecem a felicidade concreta, aquela que nasce a partir
da descoberta da generosidade. Tais pessoas também
desconhecem a própria dor, quando se dão conta, já
derreteram no vazio do seu rastro. E o que havia de
promissor nas suas possibilidades não passou de desperdício e desamor.
Obra registrada na Biblioteca Nacional sob o protocolo
410951-767-111
A dor do amor
Não amo como os homens,
nem como os deuses.
Amo como a morte à espreita,
certa e inabalável.
Perfeita.
Amo como a dor e a rejeição,
como a vida: ilusão!
Não amo como julgas me amar,
nem como me culpas por não te amar.
Amo com ódio e fúria,
com torpor e luxúria,
amo com rancor e injúrias,
com ternura...
Amo como um punhal
no limite final do desespero.
Amo desigual...
E jamais amei!
Intenção
Um coração ressoa do silêncio.
Um desejo ocultado, incontido.
Ressoa uma chance possível
que o leva à plenitude!(?)
Uma lágrima, um enigma.
E uma lástima do tempo
em que o amor era fértil
e a alma inocente...
Eu lamento,
não sou mais menino.
Retalhos ansiosos
Longe...
Tão longe vou...
Reticente por vezes,
mas tão longe a cada passo,
pacto e pranto.
Não posso,
pois logo passo...
Ligeiro, avante,
no afã de um grito de chegada.
Por isso parto a cada segundo
e tão longe vou...
Espalho por aí meus pedaços
esperando sorte em algum deles.
Me deixo por aí em retalhos.
Me deixo... me deito e vou.
Lapso
Sonho um desejo,
uma incógnita.
Vivo um hipnógeno fustigar de sonhos.
Amargo dúvidas inúteis,
sou vil.
Amparo minhas tragédias
em algum lapso obscuro.
Sou incoerência resoluta
dos desprezos e glórias mortais.
Ócio!
Aos pés da decadência irreversível.
E o não pleno
onde repouso sem descanso
a insônia desesperada do fracasso:
o colapso.
Prece-pício
Estou debruçado sobre a janela
em plena madrugada.
A fumaça do cigarro são meus olhos
que se desintegram ao léu.
Minha testa, encostada no gélido aço
da grade, me faz estremecer.
A noite é fria como os viciados.
De vez em quando um carro, um cão...
um mendigo.
Mas nada se move
a não ser minha alma convulsionada.
À frente, algo sugere amplidão,
mas não passa de precipício.
Não preciso das grades.
Sou mais perigoso do que qualquer bandido.
Sou autodestrutivo e não espero perdão.
Não há melhor hora
para descobrirmos quem somos.
E mesmo assim estou abismado,
pois sou uma gárgula dependurada
e paralisada
nessa construção sem sentido,
jorrando dor e desatinos
sobre meus inimigos adormecidos.
Por que tudo é tão distante?
Minhas mãos não alcançam
meus próprios desejos.
Desejos são fumaça
que se acaba com a última tragada vazia
num suspiro intoxicado.
Os garis correm atrás do caminhão
e sou deixado para trás.
Mas sou aquele lixo impertinente
que se acumula nas horas claras do dia.
Apenas dejetos... Desertos.
6
Quero ir embora.
Mesmo que seja naquele fétido caminhão.
Quero ir, jogado no meio do lixo, como tal;
sendo espremido, moído e descartado,
para não mais me debruçar sobre a janela
nem desesperar na noite úmida
desta maldita cidade.