Coleção pessoal de bibliografo
Uma voz
Sua voz quando ela canta
me lembra um pássaro mas
não um pássaro cantando:
lembra um pássaro voando
Mundo Melhor
Passamos prum mundo melhor
nas aulas do Lyceo Pytanga
dod'os alunos estudam muito
e ninguém aprende nada
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Poda:
Era uma roseira diferente:
Seus espinhos brotavam para dentro
Ninguém os via
Ninguém os tocava
Ninguém os sabia
E a roseira, na tentativa de gritar
Abria rosas indescritíveis
Em noites de lua, sonhava podas
Todas bem rente ao chão
Mas ninguém a podava
Abriram espaço em seu jardim
Para que todos a contemplassem
Conheceu a solidão
Seus espinhos cresciam
A dilaceravam por dentro
A cada nova estação
E ela gritava dezenas de rosas
Uma lágrima em cada botão
Quando afagavam seu caule liso
Ela se contorcia de dor
Sentia os espinhos cravando
Queixava-se abrindo outra flor
Um dia, os espinhos já grandes
Formaram nódulos pelo seu corpo
Uma espécie de tumor
Cansada, não abriu flores
Podaram-na rente ao chão
E ela conheceu um pouco
Daquilo que é não ter dor
Quis mostrar uma folha ao sol
Mas a coragem faltou
Recusou a água
Recusou o adubo
Rejeitou a terra
A mesma terra que a criou
Ali desapareceu
E todo o jardim se abriu em flor.
Trecho
Quem foi, perguntou o Celo
Que me desobedeceu?
Quem foi que entrou no meu reino
E em meu ouro remexeu?
Quem foi que pulou meu muro
E minhas rosas colheu?
Quem foi, perguntou o Celo
E a Flauta falou: Fui eu.
Mas quem foi, a Flauta disse
Que no meu quarto surgiu?
Quem foi que me deu um beijo
E em minha cama dormiu?
Quem foi que me fez perdida
E que me desiludiu?
Quem foi, perguntou a Flauta
E o velho Celo sorriu.